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quinta-feira, 16 de maio de 2024

A VOZ DO CORAÇÃO - conto






A VOZ DO CORAÇÃO - conto



 

 

Em um reino muito distante havia uma belíssima princesa, seus pais amavam muito essa filha e a cercavam de muito carinho e conforto. A jovem quase nada falava, prestava atenção a tudo à sua volta e através de seu olhar curioso e sincero conseguia se expressar muito bem, seus pais que a princípio estranharam o mutismo da sua querida filha, aceitaram-na desse modo e viviam felizes dentro do palácio real. No entanto, como às vezes acontece, uma vez a paz desse lugar foi duramente abalada quando surgiu na corte um cavaleiro montado em um garboso corcel pedindo para falar com o rei, pois tinha um importante comunicado de seu mestre. O rei mandou que o intruso se apresentasse, mas estranhou que diante de toda corte e na presença de suas majestades o homem não saudasse com a devida cortesia e gentileza nem a rainha, nem a princesa e muito menos ele, o rei daquele castelo. O estranho foi logo dizendo: 

Meu senhor, é um poderoso guerreiro e me mandou até aqui para avisá-lo que nossas tropas se encontram muito próximas desse castelo e que o ataque será eminente a menos que o rei cumpra nossas exigências. 

O rei ficou petrificado, durante muitos anos seu reino vivia em paz, seus súditos viviam bem e felizes e ele mesmo se considerava um rei justo e bondoso para com seu povo. Não podia deixar que um desconhecido ameaçasse assim seu reino, então ele se levantou e falou para o soldado: 

Escute bem soldado, já achei um grande ultraje você se apresentar de uma maneira tão indigna diante de mim e de minha família e ainda fazendo ameaças infundadas, quem você pensa que é e quem seria o seu senhor que manda um lacaio dizer desaforos? 

O soldado devia estar acostumado com confrontos desse tipo, nem se abalou com a fala do rei e prosseguiu: 

Talvez vocês todos desconheçam o poder do meu amo e também não imaginam a força e a determinação de nosso exército que pode muito bem reduzir esse palácio, assim como todo o seu reino em ruínas, transformando vocês todos em escravos do meu senhor. 

O rei não acreditava naquilo que estava ouvindo e antes de argumentar com o rude emissário ouviu as exigências que trazia: 

Meu amo e senhor gostou desse palácio e decidiu poupar a sua vida e também dos seus súditos desde que possa se casar com sua filha que é conhecida por sua beleza e formosura. 

Parecia que um enorme buraco se abria diante do rei, que não acreditava que seu bem mais precioso, sua amada filha, fosse o cobiçado troféu desse usurpador. 

Nesse mesmo instante, assim como chegou o soldado deu as costas ao rei e a comitiva real, montou no seu cavalo dizendo em tom ameaçador: 

Vocês têm três dias para decidir, ou entregam a princesa e suas vidas serão poupadas ou invadiremos  esse palácio não deixando pedra sobre pedra e mesmo assim sua filha irá conosco, por bem ou por mal. 

E saiu galopando deixando para trás a corte desolada e o rei e a rainha completamente transtornados. 

A princesa que presenciara toda a conversa aproximou-se dos pais e os abraçou, não falou nada, mas eles entenderam que sua filha corajosa estava disposta a se sacrificar. 

Mesmo diante daquele gesto tão nobre da princesa, o rei não se conformou em ficar impávido, sem lutar com aquele guerreiro que ameaçava perturbar e destruir seu reinado. Abraçando a filha, voltou-se a seus generais exigindo uma conferência imediata, o caso era preocupante e uma guerra estava prestes a acontecer. Não abriria mão de sua única filha, principalmente para alguém tão bruto e insensível. 

No entanto, aquele reino era de paz, os soldados sabiam cavalgar com maestria, mas não tinham o gosto pelas batalhas que nunca tiveram que travar, pois viviam todos em harmonia com seus reinos vizinhos em uma atmosfera de alegria e confraternização, enfim os generais tiveram que esclarecer ao monarca que caso um confronto acontecesse de fato, dificilmente alcançariam a vitória, já que seus soldados nem saberiam como empunhar suas espadas que sempre permaneceram intactas em suas bainhas. O rei balançou a cabeça, mas teve que concordar com esse argumento. Esses rapazes sabiam cavalgar e fazer lindos desfiles pelo castelo, mas não tinham a mínima prática em confrontos sangrentos e, certamente, seriam vítimas das atrocidades daqueles bárbaros guerreiros, isso ficou bastante evidente a toda corte quando viram como o soldado se comportou, imagine então um exército de tipos como aquele. Que barbaridade e fatalidade se aproximavam daquele lugar que até então exalava paz e tranquilidade. O rei não sabia o que fazer. 

No final do segundo dia, em conferência com seus ministros e conselheiros nenhuma solução foi encontrada e todos prenunciavam um desfecho sangrento, caso o rei não cedesse às exigências do aventureiro. No terceiro dia, os guardas do castelo avistaram um grande contingente de soldados, todos fortemente armados que cercaram todo palácio. Na frente desse exército um homem de aspecto igualmente rude, seguro e determinado conduzia um cavalo majestoso, parou diante dos portões do castelo e levantou a mão fazendo com que todos os soldados também parassem. Parecia que esses homens estavam acostumados com manobras desse tipo e diante da perplexidade e medo de todos os súditos que foram verificar aquela ameaça, constataram que uma grande tragédia estava prestes a acontecer. O desespero tomou conta de todo o povo. Antes que o terror de fato se instalasse no reino, a princesa que também presenciava toda essa movimentação, surgiu no meio do povo e se dirigiu ao portão, consciente de que essa seria a única solução possível. 

O rei desolado e a rainha em prantos não conseguiram demover a determinação de sua filha. Era preciso encontrar outra alternativa, mas não havia outra possibilidade. 

O guerreiro então aproximou-se das ameias e gritou, demonstrando grande força e determinação, acostumado a mandar e ser obedecido: 

O prazo concedido está chegando ao fim. Logicamente que vocês não têm a mínima chance diante do meu poderoso exército composto por soldados acostumados com a arte da guerra e vencedores em inúmeras batalhas. Desistam e me entreguem a princesa que deixarei todos vivos, escolham outra alternativa e não deixarei pedra sobre pedra e todos morrerão e mesmo assim levarei a princesa comigo, disso não abro mão! 

Que angústia que os pais sentiram naquele momento, os súditos embora tivessem grande apreço pela princesa, colocavam em suas mãos a salvação de suas vidas. 

A princesa parecia mais forte do que nunca, sua beleza irradiava e diante de sua serenidade, mesmo brevemente, o rei quiz acreditar que diante de tamanho infortúnio o sacrifício de sua filha poderia poupar muitas vidas. Ela então encaminhou-se até os portões e com um gesto pediu que fossem abertos, as pessoas com os olhos cheios de água abriram caminho para ela. Ela não esboçou nenhum gesto e nenhuma palavra saiu de seus lábios, seus pais que a conheciam tão bem entenderam ou julgaram ouvir: 

Confiem em mim! 

E acreditando nisso não conseguiram mais impedi-la. A princesa caminhou então em direção à tropa extasiada e parou a frente do guerreiro que ficou sem palavras diante de sua beleza. Era ainda mais linda do que haviam lhe dito. 

Imediatamente um soldado trouxe um cavalo ricamente adornado e a princesa com grande desenvoltura, pois aprendera a cavalgar com seu pai, montou-o e seguiu ao lado do poderoso guerreiro para um novo destino, deixando atrás de si um rastro de poeira que se ergueu aos céus, tal era a quantidade de soldados que seguiam o poderoso comandante e assim todo o ercito, precedido pelo guerreiro e a princesa se perderam no horizonte. Sabe-se lá para onde iriam e o que seria da princesa dali em diante.  

Nesse dia em todo o reino os comentários eram sobre a coragem e a determinação da princesa que além de amada por todos era agora admirada como uma grande heroína responsável por salvar todo o reino com sua determinação e coragem. 

Os dias passaram muito tristes para os pais da princesa que lamentavam o trágico destino de sua filha, pensando se algum dia tornariam a vê-la novamente. 

Por outro lado, caminhando lado a lado da princesa o guerreiro passou a admirá-la cada vez mais, já tinha ouvido falar de sua beleza, mas agora tão próxima de seu alcance podia perceber melhor a cor de seus olhos amendoados, chegava a sentir o cheiro inebriante de seus cabelos que soltos balançavam ao vento e também com que destreza dominava o cavalo, imaginando que muitos dos seus homens acostumados a cavalgar tão bem, não se comparavam a ela que conseguia dominar com elegância e desenvoltura a sua montaria.  

O guerreiro tão poderoso e destemido foi se apaixonando pela princesa e se rendendo aos seus encantos, embora ela ainda não houvesse pronunciado nenhuma palavra durante toda a caminhada. Os papéis começaram a se inverter, o poderoso guerreiro, sem ainda admitir estava se tornando prisioneiro daquela jovem. 

Depois de muitas horas de cavalgada a comitiva chegou em um imenso palácio, muito maior do que o de seu país, com muitos outros soldados que esperavam seu mestre voltar de mais uma batalha vitoriosa e entre gritos e saudações, todos entraram dentro do castelo, cumprimentando e exaltando o seu mestre que mais uma vez retornara triunfante de mais confronto, trazendo para casa o aguardado troféu tão desejado por ele e que era de conhecimento de todos os seus homens: a linda princesa. 

O tosco guerreiro não sabia o que fazer para agradá-la, pediu que escolhesse o quarto que quisesse e colocou à sua disposição uma infinidade de roupas, vestidos, joias, perfumes e incensos, várias aias lhe serviriam e fariam tudo o que quisesse, o que melhor possuía lhe foi oferecido, mas ela continuou sem falar uma única palavra sequer. 

Talvez tenha sido o cansaço da exaustiva viagem, ainda não estaria acostumada com o novo lugar, embora o rude tenha falado mais de uma vez que aquele seria a sua casa dali em diante e que tudo, absolutamente tudo o que desejasse, seria providenciado e ai daquele que se atrevesse a contrariá-la, pagaria com a vida. Lá naquele palácio ela seria a rainha e reinaria junto dele. 

Os dias foram passando, a princesa aceitou algumas vestes, evitou as joias e os presentes oferecidos, passeava pelos corredores do palácio, perseguida pelo olhar do guerreiro que cada dia ficava mais fascinado por sua beleza e altivez. Acostumado a ser reverenciado e obedecido estranhou que a princesa recusasse seus presentes e se negasse a lhe dirigir uma única palavra sequer. Foi então perguntar às empregadas se já tinham ouvido a princesa falar alguma coisa. 

Meu senhor, a princesa permanece o tempo todo muda como uma pedra, mas durante o banho, quando nos faz um gesto para sair, sozinha, ouvimos ela cantar uma música muito linda que nos faz chorar de emoção. 

Aquela conversa deixou o guerreiro mais interessado do que nunca e ele também quiz ouvir essa canção. No dia seguinte escondendo-se atrás de um grande vaso esperou a princesa mergulhar na banheira e ouviu a aguardada canção. Realmente elas tinham razão, a voz da princesa era encantadora e a música entorpeceu seus ouvidos de tal maneira, que mesmo ele, acostumado as vilanias e brutalidades das batalhas se comoveu e não conseguiu conter uma lágrima que escorreu em sua face. 

Assim todos os dias o guerreiro se escondia para ouvir a voz de sua princesa a quem amava cada vez mais. O rude senhor foi se transformando dia a dia. 

Também se tornou mais polido, começou a se vestir melhor, não gritava mais com os soldados e serviçais e quando se aproximava da princesa tentava ser gentil presenteá-la com alguma joia, a qual ela elegantemente continuava recusando, mas se antes esse tipo de gesto o enfurecia, o apaixonado guerreiro simplesmente recolhia o mimo e pensava qual seria o presente que ela finalmente aceitaria. 

Sem perceber a princesa também estava gostando daquele bruto que com o passar do tempo lhe surpreendia com modos mais delicados e atitudes mais agradáveis, embora ainda não lhe dirigisse nenhuma palavra. Aquele silêncio transtornava o guerreiro, ele que já havia vencido tantas batalhas era agora refém daquela mulher e que aguardava ansioso pela hora do seu banho em que podia ouvi-la cantar, mesmo escondido.  

Um dia, a princesa em seu ritual começou a se banhar, mas percebeu que atrás do vaso um vulto se mexia, logo intuiu que só podia ser o seu feitor, mas continuou cantando como nada tivesse percebido. Foi então que o guerreiro resolveu insistir e lhe perguntou: 

Porque você nunca fala comigo, ainda tem dentro do seu coração um ódio tão grande que me castiga me privando de ouvir a sua voz? Não percebe como me aprisionou no teu coração, não notou o quanto mudei? 

A princesa não expressou um único comentário, mas o olhou de um modo tão terno que ela mesmo se surpreendeu, nesse momento percebeu que alguma coisa dentro dela também havia se transformado e imaginou que o seu destino estava prestes a ser novamente transformado.  

O guerreiro tosco e autoritário estava se transformando também, não exigia nada dela além do que ela mesma pudesse oferecer e daquele dia em diante a princesa começou a aceitar alguns presentes e esboçava um pequeno sorriso que garantia ao guerreiro a satisfação de mais uma batalha vencida, pois acreditava que estava conseguindo domar o coração de sua amada. Essa por sua vez, sabendo que era observada enquanto tomava banho, experimentava outras canções que muito encantavam o seu ouvinte. Sem se darem conta, os corações de ambos estavam conversando através da música que cantavam. 

Uma vez, passeando pelos corredores do palácio a princesa ouviu uma melodia conhecida e se aproximando mais de perto viu que era o poderoso guerreiro que a cantava, ele aprendera a letra da música e mesmo desafinado entoava com tanta emoção que fez a princesa chorar de alegria. 

Um dia durante o banho a princesa como de costume começou a cantar e o guerreiro ouvindo-a começou a acompanhá-la, fazendo soar sua voz para que ela também o ouvisse, quando ambos perceberam que estavam cantando a mesma música e ao mesmo tempo, foi como se um grande véu se abrisse e a partir daí eles começaram a conversar, primeiro através das músicas e depois com palavras e juras de amor. 

Talvez vocês queiram saber o que modificou o coração cruel do guerreiro? Foi o silêncio da princesa que ele soube respeitar e aos poucos foi se traduzindo em música que ele pacientemente ouvia e tentava repetir, assim começaram a se entender e se conhecer, passaram então a falar a mesma língua através do coração, pela voz do coração, a linguagem da aceitação, a linguagem do amor. 

  

 

 

 Médico Escolar – Dr. José Carlos Machado www.mediconaescola.com acompanhe também nosso canal no YouTube: https://www.youtube.com/user/medicinaescolar  e Insta:@anthttps://www.blogger.com/about/rhttps://www.blogger.com/about/antroposofiaemdia / @antroposofiaemdia / podcast (spotify) Tudo aquilo que as crianças gostariam que seus pais soubessem