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sexta-feira, 3 de maio de 2013

CONTOS DE FADA - Maria Tatar (resenha de livro)


CONTOS DE FADAS
Edição Comentada & Ilustrada
edição, ilustração e notas - Maria Tatar
tradução - Maria Luiza X. de A. Borges
Zahar Editora
Rio de Janeiro, 2004.


"Os contos de fada clássicos contam às crianças o que elas inconscientemente sabem - que a natureza humana não é exatamente boa, que o conflito é real, que a vida é severa antes de ser feliz - e com isso as tranquilizam com relação a seus próprios medos e a seu próprio senso de individualidade" 
Arthur Schlesinger Jr.


A autora apresenta 26 contos de fada, clássicos da literatura infantil, obras conhecidas dos Irmãos Grimm,  Charles Perrault, Joseph Jacobs, Hans Christian Andersen e outros autores com belas ilustrações e ainda biografias dos autores e de seus ilustradores; mas o que torna esse livro particularmente interessante são os comentários que Maria Tatar, apresenta sobre as características históricas, culturais e psicológicas dos personagens e dos contos apresentados nessa coletânea; desse modo acrescenta notas às histórias, com o intuito segundo a própria autora de "enriquecer a experiência da leitura, fornecendo sugestões  para pontos em que o adulto e criança podem contemplar possibilidades alternativas, improvisar novos rumos ou imaginar finais diferentes". Não se trata de um livro voltado exclusivamente à criança, principalmente no que se refere aos comentários e considerações, pertinentes ao mundo adulto, mas as histórias e as belíssimas ilustrações de Gustave Doré, George Cruikshank, Walter Crane, Edward Burne-Jones entre outros, certamente serão muito apreciadas por elas. 
Os contos de fada que fizeram parte da vida cotidiana dos adultos em uma época sem televisão, quando se reuniam em volta do fogo e contavam histórias para afugentar o tédio dos seus afazeres domésticos, foram transplantados para o quarto das crianças e se estabeleceram como fontes de entretenimento e edificação moral, passam a constituir um legado cultural passado de geração à geração chegando até os dias atuais. Os aprendizados contidos nessas histórias ensinaram aos nossos antepassados e continuam mostrando às crianças de hoje, que as dificuldades do mundo podem ser vencidas e que a exemplo dos personagens, com astúcia, um pouco de sorte e bom humor, as adversidades podem ser superadas e dominadas e como citava o psicanalista Bruno Bettelheim, que enfatizava  o valor da "luta" e do "domínio" e via nos contos de fada "uma experiência em educação moral". 
Entre vários comentários interessantes, ao tratar de um clássico bastante conhecido, Branca de Neve (páginas 84 - 85), em uma versão de Jacob e Wilhelm Grimm, a autora não deixa de compará-lo à versão cinematográfica que Walt Disney fez em 1937, cuja caricatura é muito conhecida e estereotipada, impedindo que em nossa imaginação surja outra figura diferente daquela que ficou gravada em nossa mente quando pensamos em Branca de Neve e os sete anões, o que acabou ofuscando um significado mais profundo de sua verdadeira história, ou seja, o que originalmente foi centrado na trama edipiana na rivalização entre mãe e filha pela aprovação do pai (a voz do espelho), passa pela versão hollywoodiana em um antagonismo mais brando, na imagem do feminino representado em duas polaridades: a madrasta invejosa e fria e a menina inocente, meiga e muito prendada nos trabalhos domésticos ,necessitando da ajuda de anões para defendê-la, que, de certa forma, camuflam esse confronto entre as duas versões femininas.
Evidentemente esses aspectos passam ao largo da narrativa quando as crianças escutam a história, ou nesse caso assistem ao filme; embora estejam presentes em seu conteúdo toda essa temática, sendo pouco provável que as crianças interpretem dessa maneira, mas é muito interessante que esses aspectos sejam revelados e referendados quando passamos a utilizar o conto de fadas sob um aspecto mais terapêutico e individualizado, o que certamente, em muitas situações trata-se de um valoroso aliado, principalmente ao elegermos a narrativa oral e deixando que a imaginação e a criatividade do ouvinte trabalhe dentro de sua mente as fantasias e as projeções necessárias, esse é o grande segredo e valor do conto de fadas.

José Carlos Machado. 

quinta-feira, 2 de maio de 2013

O JARDINEIRO QUE TINHA FÉ - Clarissa Pinkola Estés (resenha de livro)






O JARDINEIRO QUE TINHA FÉ
Clarissa Pinkola Estés
tradução - Waldéa Barcellos
Editora Rocco - 92 páginas
Rio de Janeiro, 1996


                                            "A vida se repete, se renova, não importa quantas vezes seja apunhalada, descarnada, atirada ao chão, ferida, ridicularizada, ignorada, desprezada, desdenhada, torturada ou tornada indefesa".



A psicanalista junguiana, poeta e contadora de contos Clarissa Pinkola Estés apresenta este conto com traços biográficos, que traz a história de seu tio (Zovár), um camponês que sobreviveu aos horrores da Segunda Guerra Mundial, um ex-combatente húngaro que mesmo humilhado, derrotado e expulso de sua terra ainda "continuava gentil com as crianças, terno com os animais e acreditava que a terra era um ser vivo com suas próprias esperanças, necessidades e sonhos", segundo as lembranças da autora que descreve o amor desse jardineiro com o seu ofício e das lições que um homem mesmo embrutecido pelos revezes da vida pode resistir e permanecer com sua fé e com o ensinamento de que se trata de uma força que nasce dentro de nós e assim permanece justamente por ser maior do que nós mesmos.
Traçando um paralelo com a visão de resiliência (capacidade que um elemento tem em permanecer com suas características apesar de sofrer vários abalos, conceito emprestado da Física, mas que pode ser ampliado para a esfera psíquica do ser humano), que Aaron Antonovsky (1923 - 1994), descreve quando teve a incumbência de pesquisar o estado de saúde de pessoas idosas em Israel e se surpreende com a constatação que dentre os idosos mais saudáveis que encontrara, havia algumas que tinham sobrevivido aos horrores do Holocausto, humilhadas e subjugadas, em condições muito precárias e ainda resistindo apresentando um desenvolvimento anímico saudável, como o personagem desse belo conto, que enaltece acima de tudo, a capacidade que alguns possuem, contrariando todas as evidências, simplesmente sobrevivendo e transmitindo que isso também é possível.
E a autora cita o ensinamento que ouviu de seu tio quando criança nos acenando com uma esperança: "Não existe nada que não tenha valor. Tudo pode ser usado para alguma coisa. No jardim de Deus há uma utilidade para tudo e para todos".

José Carlos Machado.




FÁBULAS DE ESOPO (resenha de livro)


ESOPO - FÁBULAS
tradução - Antonio Carlos Vianna
Coleção L&PM Pocket - volume 68
184 páginas
Porto Alegre, 1997.

No século VI a.C. o grego Esopo produziu centenas de fábulas que, resistindo ao tempo, chegam até os dias de hoje com seus personagens que trazem através de suas histórias ensinamentos e valores morais, foi citado por Aristóteles e Platão e inspiraram La Fontaine que lhe dedicou uma biografia (Vie de Esope de Phrygien) a quem enaltecia e reverenciava. Suas fábulas serviram de objeto de várias citações através da história e como exemplo de modelos, quando se procura uma maneira simples e direta de descrever uma situação seus personagens são excelentes protagonistas para essa função, acrescidos de uma atribuição moral. Como na fábula A Mosca: "Uma mosca caiu numa panela de carne. Afogada no molho e já quase morrendo, ela disse para si mesma: "Se já comi, já bebi e já tomei um banho, que me importa morrer? Suportamos a morte com mais facilidade quando a ela não associamos pensamentos tristes"
O livro traz mais de duzentas fábulas (histórias curtas de onde se tira uma lição moral), muitas delas conhecidas e que trazem uma excelente oportunidade de mostrar às crianças, especialmente as mais velhas, situações em que o desenvolvimento da trama e o seu desfecho traz uma resolutividade simples, verdadeira e direta.

José Carlos Machado.

quarta-feira, 1 de maio de 2013

QUEM TUDO QUER, TUDO PERDE - conto



Quando Nosso Senhor andava pelo mundo chegou a uma casinha de gente muito pobre e pediu de comer e de beber. Os velhos que moravam aí deram o que possuíam e agradaram muito Nosso Senhor. Quando este ia embora, abençoou-os e disse: 
- Pelo que fizeram por mim e como são pobres e tementes a Deus, podem pedir três coisas que serão realizadas imediatamente.
O velho e a velha ficaram saltando de contentes e voltaram à sua vida de antes. À noite quando foram jantar e conversaram sobre o sucedido, meio desconfiados daquelas promessas; a velha, então, vendo a pobreza do jantar, disse alto:
- O que eu queria agora era uma roda de linguiças assando naquele fogo!
Palavras não eram ditas e apareceu uma roda de linguiças assando em cima das brasas.
O velho ficou tão zangado com o pedido da mulher que não se conteve e gritou:
- E a minha vontade é que essa linguiça fique na ponta de seu nariz para você deixar de ser maluca!
A linguiça voou do fogo e grudou-se na ponta do nariz da mulher, que começou a chorar e lastimar-se pela desgraça.
- Acuda-me marido, acuda-me! O que vai ser de mim com essa linguiça pendurada no rosto?
Tanto chorou e implorou que o velho marido teve pena dela e pediu que a linguiça saísse do nariz de sua esposa.
A linguiça então desapareceu.
Os três pedidos de nada serviram.

Contos Tradicionais do Brasil
Luís da Câmara Cascudo
Ediouro - décima segunda edição - pág. 265
Rio de Janeiro, 1999

CONTOS DE SELMA LAGERLÖF (resenha de livro)







CONTOS DE SELMA LAGERLÖF
Coleção Prêmios Nobel de Literatura
tradução - Rosane Krepsky
ilustração - Maria Lis Figueiredo
Solares Editora - 160 páginas


A vida da escritora Selma Lagerlöf  (1858 - 1940), sempre foi permeada de aventuras e histórias interessantes. A escritora escandinava nasceu na província de Värmland, na Suécia; com um defeito congênito em sua perna, a partir dos três anos e meio de idade fica impossibilitada de andar com desenvoltura, passa sua infância ouvindo contos e histórias que sua babá lhe contava. Uma vez conhece a esposa de um capitão em cujo navio (Jacob) havia uma ave-do-paraíso, a menina foi convidada a conhecer o navio e vendo o animal, imaginou que essa ave realmente havia vindo do paraíso e pensando que poderia curá-la de sua paralisia esforçando-se para alcança-la volta a caminhar.
Trabalhou como professora e escreveu várias histórias entre elas "A maravilhosa viagem de Nils Holgerson através da Suécia", considerada uma obra-prima  da literatura infantil em seu país e que foi adotada nas escolas suecas.
Recebeu o Prêmio Nobel de Literatura em 1909, foi autora de muitos livros, pertenceu à Academia Sueca  de Literatura e escreveu até falecer aos 82 anos de idade. Selma Lagerlöf é conhecida como a "avó da literatura sueca". Esse pequeno livro contém sete contos que exemplificam um pouco a delicadeza de suas histórias, revestidas porém de uma conteúdo bastante vigoroso, que se referem às tradições de sua terra, mas que  graças à sua dinâmica tornaram-se universais, como no conto "O Violinista" - "Ninguém poderia negar que, na sua velhice, Lars Larsson, o tocador de Ullerud, era homem de grande humildade e de uma modéstia perfeita. Mas não fora sempre assim. Parece que em sua juventude havia sido de uma tal arrogância e de uma tal presunção que causava dó... (mais adiante)...recordava-se que quando seu arco estava em movimento, ninguém conseguira manter-se parado...(mais adiante)...(ouvindo o barulho de uma cascata) - disse Lars - ainda que eu ache que não valha grande coisa; penso que a ária que compus outro dia era muito mais interessante...(mais adiante)...Se não gostares desta, será preciso chamar um músico mais hábil que eu; mal acabou de pronunciar estas palavras teve a sensação que uma mão lhe agarrava o braço bem no cotovelo e se punha a manejar o arco, acelerando a cadência...(mais adiante)...E, sempre continuando a tocar, pôs-se a chorar com pena de si próprio...

José Carlos Machado


Contos de Selma Lagerlöf
Coleção Prêmios Nobel de Literatura
tradução - Rosane Krepsky
ilustração - Maria Lis Figueiredo
Solares Editora - 160 páginas

O LEÃO E O RATO - conto




Um pequeno rato estava passando por cima de um leão adormecido,quando o leão acorda e o pega com suas garras. O rato tentou convencer o leão que de alguma forma poderia ajudá-lo. O rei dos animais lhe concedeu a liberdade, devido o pequeno ratinho o tê-lo feito rir, pois como um bichinho tão pequeno como aquele poderia ajudar um animal tão grande e poderoso como ele.
Certo dia, o leão caiu numa armadilha, rugiu e fez esforço para dela escapar. Tudo em vão. Apareceu então o rato e começou calmamente a roer as cordas da armadilha. Finalmente conseguiu libertar seu benfeitor e, assim, pagar a dívida.

Fábula de Esopo.

A HISTÓRIA DA PANELA GRANDE QUE DEU À LUZ UMA PANELINHA - conto

Certo dia mulla (*) Nasrudin bateu à porta do seu vizinho e perguntou se poderia pegar emprestada sua maior panela, já que os parentes da sua esposa estavam vindo para o jantar. O vizinho, um homem muito avarento, resistiu, mas finalmente concordou e cedeu a panela a Nasrudin. No dia seguinte ele devolveu a panela e agradeceu ao vizinho. Depois de entregá-la, ele deu ao vizinho uma panela."Isto é para quê?", quiz saber o vizinho. "Oh, disse o mulla, sabe, quando sua panela grande estava comigo, deu à luz a esta panelinha;como é fruto de algo que é seu, estou entregando-a à você".
O vizinho avarento ficou muito satisfeito em ganhar uma segunda panela por nada em troca. Assim, na vez seguinte que Nasrudin foi pedir a panela grande emprestada, ele ficou muito feliz de lhe fazer esse favor. No dia seguinte, o vizinho bateu fortemente à porta do mulla e exigiu a panela de volta. Nasrudin abriu a porta e disse: "Nós confirmamos, não é mesmo, que uma panela pode dar luz a uma outra panela?, indagou ao homem. O vizinho assentiu, esperando ganhar outra panela de graça. "Bem, assim como uma panela pode parir outra panela, uma panela também pode falecer. Tenho a infeliz tarefa de informá-lo que às dez horas da noite de ontem sua panela grande caiu morta!"

(*) mulla (mullah, mollah - palavra árabe) significa literalmente "mestre", termo especialmente usado pelos Sufis para denotar alguém que adquiriu uma compreensão espiritual superior, no Islã xiíta é um título dado às personalidades religiosas e aos doutores da lei corânica (Corão)

Nas Noites Árabes - uma caravana de histórias
Tahir Shah
Editora Roça Nova
Rio de Janeiro, 2009
pág. 367 - 368