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sábado, 31 de agosto de 2013

A GUARDADORA DE GANSOS (conto)







A GUARDADORA DE GANSOS
Irmãos Grimm

Num reino muito distante vivia uma velha viúva com a sua única filha. Embora amasse muito a filha, quando ela atingiu a maioridade, consentiu o seu noivado com um príncipe de uma terra distante, para que ambos os reinos se unissem, mesmo que a princesa e o príncipe nunca se tivessem visto.
A princesa partiu então para o reino do seu noivo com um suntuoso enxoval, rico em jóias e ouro, e acompanhada por uma das damas de companhia da sua mãe. Ambas as moças iriam viajar a cavalo. O cavalo da princesa chamava-se Falada, porque sabia falar. No entanto, essa capacidade era apenas conhecida pela princesa.
Na hora das despedidas, a sós nos seus aposentos, a rainha cortou o pulso com um punhal e deixou cair três gotas de sangue num lenço e entregou-o à filha, dizendo-lhe para guardá-lo junto ao seu peito porque a poderia ajudar na viagem, protegendo-a. As despedidas prolongaram-se - a princesa era muito amada por todos no reino - até que, ao início da tarde, partiram em direção ao reino distante.
Tinham passado algumas horas quando a princesa sentiu sede. Viajava sozinha com a dama de companhia e pediu-lhe que lhe trouxesse um pouco de água. No entanto, a dama replicou que não seria criada dela nem durante, nem após a viagem e que, se a princesa tinha sede, então que fosse ela mesma a ir buscar água. A princesa nada disse ao ouvir tão seco comentário. Ao debruçar-se num riacho ali perto, a princesa suspirou de tristeza e, uma voz vinda do lugar onde trazia o pequeno lenço, disse-lhe: "Se a tua mãe visse isto, o seu coração iria se partir de tristeza". A princesa voltou para o seu cavalo e nada mais disse.
Algum tempo depois a princesa sentiu sede de novo e, esquecendo as palavras duras que a dama de companhia havia dito anteriormente, pediu-lhe para lhe trazer um pouco d'água. E de novo a aia lhe respondeu que não seria criada dela. A princesa dirigiu-se ao rio, que passava por ali, e, perdida nos seus pensamentos, deixou cair o seu lenço que trazia junto ao coração quando abaixou-se para apanhar água para beber. Não reparou que perdera o talismã que seguiu pela correnteza das águas, mas a dama observou toda a cena. Isso a fez sentir-se mais poderosa sobre a princesa, uma vez que esta já não se encontrava sob a proteção da velha rainha. Assim que a princesa regressou a Falada, a dama exigiu que trocassem de cavalo e de roupas, para que fosse ela a casar com o príncipe. A princesa não poderia contar nada a ninguém ou seria morta. Esta assentiu e nada mais disse durante toda a viagem. O único que se mantinha atento e relutante era Falada.
Ao chegarem ao reino, a dama finge-se princesa e todos acreditam, pois transporta um enxoval e vestuário corresponde ao reino de onde vinha e estava usando os trajes da princesa. A verdadeira princesa é deixada no pátio, junto a Falada. Dentro da corte, a dama, reclama da viagem e lembra-se de os ver muitas vezes sussurrar um com o outro, parecendo-lhe que conspiravam contra ela e, de imediato, pede ao rei que mate o cavalo, argumentando que estava cheia de dores por sua culpa. Na verdade, a aia tinha medo que o cavalo pudesse revelar a farsa que inventara. Pediu também para que encarregassem a moça que a acompanhara com um trabalho qualquer, pois não gostaria que frequentasse o palácio. O rei consente os pedidos da futura nora e manda matar de imediato o cavalo. E resolveu dar à princesa a tarefa de ser agora uma guardadora de gansos...
Ao saber que Falada tinha sido morto, a princesa promete ao carrasco que fez o serviço uma soma de ouro que havia conseguido esconder da aia, se ele, ao menos conservasse a cabeça do cavalo e não a enterrasse. Como ele gostava da bela jovem, atendeu a seu pedido e após embolsar o ouro prometido, pendurou a cabeça do cavalo numa das portas da cidade, a mais escura, por onde a princesa costumava passar sempre que ia guardar os gansos.
Todas as manhãs ia com Conrado, um rapazinho que já cuidava do bando, guardar os gansos conduzindo-os para um prado nas imediações do castelo. Ao passar pela porta, ela e Falada cumprimentavam-se, ouvindo-se sempre a invariável frase que o cavalo repetia: "Se a tua mãe visse isto, o seu coração se partiria de tristeza". Ao chegarem ao prado Conrado aproximava-se muito da princesa, admirando seus lindos cabelos e com a intenção de roubar alguns cabelos dourados como o ouro da delicada cabeleira da sua companheira. No entanto, ela encantava o vento e o boné que Conrado trazia sempre em sua cabeça voava pelos céus afora para bem longe dali. A princesa podia então pentear os seus cabelos em paz e o rapaz só conseguia voltar com seu chapéu quando ela já tinha terminado de se pentear.
Um dia, Conrado, farto de tanta correria, dirigiu-se ao rei e pediu-lhe para arranjar outra pessoa para guardar os gansos com ele. O rei não entende o pedido do rapaz que explica ao rei que acontecem coisas muito estranhas sempre que ele vai para o prado com a dama da princesa. Ao ouvir o relato, o rei pede-lhe para ir mais algumas vezes com ela, para que ele pudesse ver a situação com os seus próprios olhos.
Após ver algumas vezes as idas e vindas até o prado, o rei esperou a princesa na casinha onde ela vivia. Aí perguntou-lhe por que razão estava sempre infeliz e por que se comportava assim. A princesa baixou os olhos, dizendo que não podia, de forma alguma contar-lhe, pois estaria a quebrar um juramento. O rei fingiu-se desanimado, mas, como era esperto e desconfiava de que havia algum segredo que aquela bela jovem escondia, aconselhou-a para, ao menos, confiar a verdade e desabafar as mágoas dentro de um enorme forno de metal que tinha em um dos salões do palácio e que não era mais usado. 
Assim que o rei saiu de sua casa, a princesa irrompeu em lágrimas e resolveu seguir o conselho e desabafou toda sua triste história dentro do forno. Na verdade, o rei encontrava-se apenas do lado de fora da porta esperando a moça revelar seu segredo, ao ouvir o lamento, o rei chamou a princesa, prometeu ajudá-la e levou-a ao seus aposentos reais. Mandou chamar o príncipe e explicou ao filho o que tinha acontecido, o que deixou o rapaz muito satisfeito, pois não havia simpatizado com sua noiva, que era muito prepotente e antipática. Ao ver a verdadeira princesa, o príncipe comoveu-se com a sua coragem e honra e prometeu vingá-la.
Nessa noite, a princesa participou do jantar sentando-se junto dos membros da família real, vestida com trajes dignos de uma princesa que era. Contudo, a sua dama de companhia não a reconheceu e nem se deu conta do que viria a seguir. O rei pediu a atenção de todos e decidiu contar a história da princesa, inquirindo os presentes sobre o castigo a ser atribuído àquela que teria cometido tamanha traição. A aia que havia tomado o lugar da princesa verdadeira que, tinha tanto de feia como de ignorante, não se apercebeu do que se passava, e sugeriu um castigo horripilante para a malfeitora - colocar essa malvada dentro de um barril repleto de facas e fazê-lo rolar por todas as ruas da cidade. O rei então apresentou a verdadeira princesa e anunciou que o castigo da falsa acabava de ser decidido...e foi isso que aconteceu de fato.
O príncipe e a princesa se casaram após a sentença ter sido cumprida e viveram felizes para sempre.