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quarta-feira, 3 de abril de 2013

Artigo - Precocidade Infantil






“Tudo nessa vida demora sempre mais do que imaginamos, menos a própria vida”.
“O tempo é a maneira que tem a natureza de não permitir que tudo aconteça de uma única vez” (1).

PRECOCE – é o que ocorre antes do que deveria; antes do tempo ideal; trata-se de algo que ainda não se encontra amadurecido; prematuro; diz-se daquele que desenvolveu certas habilidades ou capacidades antes da idade normal.
MADURO – é aquele que está pronto; totalmente desenvolvido; o fruto se encontra pronto para ser consumido; diz-se da pessoa ponderada; equilibrado (2).
Essas definições norteiam e dão uma imagem quando nos confrontamos com aquilo que parece ser tão comum, mas que, necessariamente, não deve ser encarado como um processo normal, ou seja, a “precocidade infantil”.
Até por uma questão fisiológica e ligada à corporalidade física, situações que antecedem a própria capacidade orgânica trazem suas consequências, nem sempre sem inconvenientes, por exemplo, quando oferecemos aos bebês alimentos inadequados, como carnes, exigimos que seu metabolismo trabalhe com uma maior intensidade forçando a um processo digestivo em transformar a proteína heteróloga da carne de vaca em proteína humana, a fim de ser devidamente incorporada no corpo da criança, pois bem, esse ato trivial ocasiona gastos energéticos e capacidades que nem todas as crianças pequenas estão devidamente aptas, muitos problemas poderiam ser evitados se essas inadequações fossem mais bem observadas.
Na esfera anímica essas inadequações apresentam matizes mais intensos, já que o corpo astral é mais facilmente observado e certas habilidades que a criança apresenta não se adequam, não combinam, digamos assim, com sua idade biológica, existe um descompasso, um desequilíbrio e isso, geralmente, traz prejuízos alguns significativos, enfim, o que aparentemente pode ser considerado interessante e até estimulado pelos adultos ao redor não é tão inócuo assim, de fato é algo com o qual deveríamos nos preocupar.
O escritor Mia Couto traz em seu conto “O rio da Quatro Luzes” (3), a história de um menino que não queria ser mais criança e se queixa aos desconcertados pais que queria envelhecer rápido, não querendo mais ser criança; “que valia ser criança se lhe faltava a infância?”. O menino passa a cismar com isso e vai perguntar ao avô, já que os pais não sabem como agir nessa situação, o que precisaria fazer para ser morto, pois tinha cansado de viver. O avô lhe propõe uma troca, pediria a Deus que fizesse uma permuta, como as leis do tempo deveriam levá-lo primeiro que o neto, mas como o velho gostava muito da vida, não se incomodaria em trocar com a criança a vez de morrer. Com isso a criança ficou mais sossegada, mas todo dia ia ver o avô, ver se este continuava firme e rijo e se Deus já lhe havia acenado alguma consideração. O avô dizia que estava também aguardando uma resposta, mas que nesse intervalo, enquanto esperava a resolução divina, o menino deveria se distrair com brincadeiras e “fosse meninando”, então, o avô contou à criança os lugares secretos de sua infância, perseguiram borboletas, adivinharam pegadas de bicho e o menino sem saber foi se iniciando nos territórios da infância, junto com o avô, que foi rejuvenescendo com a companhia do menino. Uma vez o velho foi falar com os pais da criança e ordenando que o neto saísse falou: “criancice é como amor, não se desempenha sozinha. Faltava aos pais serem filhos, juntarem-se miúdos com o miúdo”. E se despedindo dos filhos sentiu-se mal e percebeu que sua hora já se aproximava, antes, porém ainda chamou o filho e revelou: “Diga a meu neto que eu menti. Nunca fiz pedido nenhum a nenhum Deus”. Esse conto traz a imagem de como é importante a postura do adulto que acompanha a criança que atento, percebe a inadequação que começa a se apresentar e tenta transformar esse processo em algo mais produtivo, mais criativo, revitalizando o seu etérico, dando forma a algo que está inapropriado, envelhecido em um corpo infantil. A imagem de um velho em um corpo infantil é adequada quando pensamos em crianças precoces, pois vão se pré-ocupando com questões que não lhe dizem respeito, assumindo tarefas que ainda não lhe deviam ser oferecidas, isso tudo tem o seu preço: desgaste do corpo etérico, que se desvitaliza e com suas consequências físicas: dificuldades no sono, inapetência ou sobrepeso, ansiedade, dificuldade de concentração, instabilidade de humor, obstipações intestinais, enfim, alterações significativas no ritmo e na fisiologia do corpo que recebe e reage a essas influências externas”.
Em relação à manutenção do ritmo e adequá-lo na rotina da criança e da própria família é uma tarefa que exige uma grande dedicação, principalmente na atualidade. Temos uma dificuldade em nos concentrarmos naquilo que estamos fazendo, varia de indivíduo para indivíduo, mas todos sofrem influências do meio externo, ora mais, ora menos, ficamos expostos a uma série de solicitações que temos que interagir e isso, logicamente, interferem negativamente no nosso ritmo de vida. Por exemplo, nas festas do ano, quando nossa alma está em pleno Natal, que já começou em outubro, já é anunciado o Carnaval, que mal termina e já é substituído pela Páscoa que precisa ceder seu espaço para as festas juninas que são igualmente antecipadas. As comemorações que necessitam de um tempo, de um ritmo, de um intervalo importante para que sejam assimiladas, ficam sobrepostas nos apelos comerciais que, simplesmente, invadem e atropelam esse respirar. Isso tudo precisa ser cuidado pelos adultos em benefício das crianças e deles próprios, isso merece atenção. Essa inadequação, essa precocidade em trazer novas informações, novas emoções, interferem e acabam “sufocando” pelo excesso, um processo que precisaria de um tempo hábil, com começo, meio e fim, mas essa superposição invade e traz ansiedade e a alma não fica com a experiência plena de se apropriar daquilo que pode ser muito interessante, mas que mal começa, já termina, porque tem de ceder a vez para algo que já está eminentemente próximo. Para a criança a expectativa de aguardar por algo que vai chegar deveria ser entendido como algo motivador e não como fator angustiante como imaginam alguns pais, que atuam desse modo protetor porque eles próprios não conseguem lidar com suas ansiedades, projetam a mesma angústia nas crianças e compensam isso de um modo equivocado, pois, a criança não pode ter o desconforto de esperar por nada, não lhes são ensinadas que a frustração existe e que nem sempre conseguimos tudo o que queremos exatamente na hora que desejamos, enfim, existem consequências, limitações e exigências que temos que passar todos sem exceção. Mas a precocidade infantil, na contramão dessa corrente, vem corroborar a mensagem que a criança pode tudo, que atitudes que ela já apresenta são válidas e devem ser estimuladas, infelizmente, na maioria das vezes, para alimentar o narcisismo dos pais. Seus filhos já sabem de tantas coisas, possuem tantos talentos e dizem coisas tão importantes, enfim são especiais, o orgulho dos pais, são precoces, em outras palavras, são crianças que estão perdendo a infância; isso não deveria ser considerado normal, encarado com a costumeira benevolência de algo sem importância, embora seja cada vez mais comum é um grande desafio para os pais, educadores, terapeutas, todos condutores dessas crianças em seu percurso, passando por suas diversas fases, cada uma de uma vez, no seu devido tempo, ou como dizia o poeta: “ Só mesmo um velho para descobrir, detrás de uma pedra, toda a primavera” (4).

Dr. José Carlos Neves Machado           

(1) Exercícios d’alma / A Cabala como sabedoria em movimento – Bonder, Nilton – páginas 29 e 32 – Editora Rocco – Rio de Janeiro, 2010.
(2) Dicionário Caldas Aulete da Língua Portuguesa – L&PM – Rio de Janeiro, 2007.
(3) O fio das missangas / Contos - Couto, Mia – Cia das Letras – terceira reimpressão – página 111 – São Paulo, 2010.
(4)  Toda Poesia – Leminski, Paulo – Cia das Letras – página 16 – São Paulo, 2013.

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