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sexta-feira, 19 de abril de 2013

O REIZINHO MANDÃO (conto)


O reizinho mandão

Havia um reino que era governado por um rei orgulhoso e vaidoso, o povo o respeitava, pois trouxera paz e todos tinham trabalho e uma remuneração justa, mas também o temia, pois o rei, embora fosse justo e correto não admitia ser contrariado e ao menor contratempo ficava furioso e mandava prender todos àqueles que não o obedeciam, portanto, o calabouço do reino vivia lotado de súbitos que desgostaram ao rei ou que, de alguma forma não concordaram com suas decisões; seu apelido era “reizinho mandão”, porque embora quisesse parecer alto e garboso era de fato franzino e de baixa estatura, todos no reino, secretamente assim o chamavam.
De tempos em tempos o rei mandava esvaziar as prisões e o povo acreditava que dessa vez havia caído em si, mas a menor contrariedade já vinha a ordem real de recolher à prisão aqueles que ousaram discordar da decisão real, fosse ela qual fosse.
Um dia chegou ao reino um menestrel que foi bater na porta do castelo pedindo comida e abrigo em troca de música e diversão, o rei ficou entusiasmado e deixou que o músico frequentasse a corte real cada dia menor e divertisse seus convidados que viviam sobressaltados com a instabilidade do humor de seu anfitrião. O menestrel cantou lindas canções e contou muitas aventuras por que havia passado que divertiu muito vossa majestade real, então o rei pediu para que ele contasse a situação mais idiota que tinha notícia. O pobre rapaz que desconhecia a inconstância do estado de espírito do monarca falou que tinha informação que existia um reino governado por um rei muito franzino que mais parecia um frango e que achava que era galo e logo em seguida saiu a fazer muitas imitações e caricaturas daquela figura que causou muitos risos e alegrias pelo salão. O rei, ouvindo aquilo, foi ficando vermelho de raiva e gritou para que seus guardas prendessem todos que se divertiram à custa daquele gracejo e para o causador de tal infâmia o castigo real era ser pendurado no poste a pão e água durante um mês. Outra vez as prisões ficaram lotadas e o rei cada vez mais solitário, pois todos o temiam, seus conselheiros já haviam sido presos e a única figura que ainda tinha certa ascensão ao rei era um velho cavaleiro que havia servido ao seu pai e pelo qual o monarca tinha consideração; foi no quarto dele que o rei, vencendo seu orgulho, foi pedir uma informação, pois sua vaidade não admitiria outra coisa.
Mal a porta se abriu o velho falou:
- Esperava a sua visita!
- Mas como pode ser se tomei essa decisão agora e não me fiz anunciar? Disse o rei admirado.
- Vossa Majestade esqueceu que o conheço desde menino e que antes de tornar-se rei vinha ao meu quarto para conversar e pedir conselhos?
O rei lembrou-se daquilo que o velho falava, realmente houve um tempo, quando criança que ele gostava de ouvir as aventuras e os ensinamentos daquele cavaleiro que tanto admirava. Mesmo a contragosto teve de admitir:
- Vagamente me recordo de talvez uma ou duas vezes tivesse ido ao alojamento dos cavalariços e nos falamos rapidamente, mas o que me traz aqui é algo mais sério e preocupante e quero ouvir sua opinião para ver se concorda comigo...
- E qual é exatamente a questão e a sua opinião. Falou o velho bruscamente interrompendo a fala do rei.
Se esforçando para continuar a conversa, mas já se mostrando irritado, prosseguiu:
- O povo não mais me respeita, meus conselheiros e a própria corte ri de mim pelas costas, fazem troça da figura real, um reles menestrel aparece no palácio e inventa estórias tolas que faz divertir a todos, mas que fazem zombaria de mim. Isso eu não posso admitir.
- E o que Vossa Majestade fez com todos aqueles que zombaram?
- Mandei todos a prisão, logicamente, quanto ao difamador mandei que fosse colocado no poste a pão e água. Disse satisfeito o pequeno rei.
- Então o quer que diga? Quer que o aplauda pela sua atitude e concorde com sua decisão é para isso que veio até a mim?
- Mas é lógico que a conduta real não se questiona, embora eu tenha curiosidade em saber o que um velho cavaleiro que serviu junto a meu pai poderia pensar sobre minhas decisões, queria entender porque todos tem dificuldade em aceitar o meu comando, afinal eu sou um rei justo, não sou?
- Sim, de fato, és um rei justo... Desde que entendas que justiça é somente o que tua palavra seja cumprida e jamais questionada. Falou o velho.
- Mas fui eu quem trouxe paz e prosperidade ao reino, isso não podes negar. Argumentou o rei.
- Sim, o reino hoje é maior e mais próspero do que no tempo de vosso pai... Mas hoje o povo tem medo de ti e teme a tua cólera, essa riqueza que trouxeste cobrou um preço muito alto também. Respondeu o velho cavaleiro.
- Mas não entendo, nunca estão satisfeitos... O povo é ingrato e o que peço somente é respeito e gratidão por tudo aquilo que dei a eles, seria pedir demais um pouco de generosidade? Falou o vaidoso monarca.
- Meu menino e peço que não considere isso como um desrespeito, pois tenho idade para ser seu pai e te conheço desde criança. Não exija dos outros que pensem com a tua cabeça, deixe-os livres para que pensem do modo que queiram, nem sempre a tua decisão é a mais correta ou a mais verdadeira, os reis também podem errar e erro maior seria acreditar que através do medo conseguirás o apreço das pessoas, porque hoje te transformastes em um rei solitário que não tem ninguém com quem conversar e que se esgueira por entre as ameias do castelo, na penumbra da noite, para pedir conselhos a um velho cavaleiro que ainda tem coragem de dizer aquilo que pensa e que não tem medo do que possas fazer e por mais que não gostes de ouvir o que te digo, sabes que no fundo tenho razão.
- Tens coragem de me questionar, não temes o que possa fazer contigo, não tens medo que mande cortar a tua cabeça, como já fiz com muitos antes de ti que ousaram me contrariar? Esbravejou o rei, dando um pulo da cadeira e ficando vermelho como fogo.
- O verdadeiro rei, aquele que sabe o que faz não desembainha a sua espada em vão, a sabedoria está justamente em não tirar a espada e cortar a cabeça, mas refletir e tomar a decisão justa, mesmo que seja do outro e o que mais um velho como eu teria a temer, faça aquilo que tiver vontade, mas saiba que não cederei uma vírgula sequer daquilo que te falei e continuo pensando que ainda podes mudar se aprenderes a ouvir e a ceder.
O rei ouviu aquilo tudo e por mais duro que tenha sido, teve de admitir que o velho cavaleiro falava com o coração e que estava certo, ficou mais perdido e arrasado do que estava antes, mas ainda teve coragem de falar:
- Não sei agir de outro modo, eu sou assim desse jeito, não sei fazer de outra maneira... Disse o desalentado rei.
- Meu caro senhor, admitir o erro é o primeiro passo, precisa de coragem para isso e tens de sobra esse valor, já provastes isso em outras ocasiões, depois é preciso reconhecer e aceitar as consequências dos atos praticados, para tanto necessita além de bravura, com a qual ouviu isso tudo que falei e pensar duas vezes antes de desembainhar a espada e cortar a cabeça daqueles que não acatam as mesmas ideias que Vossa Alteza. Existe muita sabedoria em mudar de opinião o que também pode ser um ato de coragem e um desafio para Vossa Majestade. Tenho certeza que conseguirás se tentar de fato querer mudar. Vá em frente majestade, quem sabe um dia não poderá também aceitar uma opinião diferente da sua e perceber que duas cabeças podem pensar diferente, mas não necessariamente uma ser melhor do que a outra, podem ser apenas diferentes. Agora é hora de ir e fazer a coisa mais difícil. Falou o velho.
- E o que seria pior que admitir isso tudo para alguém como eu? Falou o confuso rei.
- É ficar sozinho com seus pensamentos e descobrir que um rei é igual a todos, que sua posição não o torna melhor do que ninguém, um rei deve se esforçar para ser apenas melhor e mais justo, é isso que se espera de um rei.
O reizinho saiu do quarto do velho cavaleiro e ficou pensando sozinho em seus aposentos reais por três dias, depois chamou os guardas e pediu para libertar todos os prisioneiros e convidou o menestrel para divertir a corte real, pediu ao velho cavaleiro que ficasse ao seu lado e o ajudasse sempre que possível. Aos poucos as pessoas foram se aproximando e o rei aprendeu a se conter um pouco mais, seus rompantes de fúria ainda aconteciam, mas eram menos intensos e gradativamente foi aprendendo a ouvir aqueles que discordavam de suas ideias e se atreviam a esboçar suas opiniões, nesses momentos, sentindo a cólera lhe contorcer por dentro olhava na direção do velho camarada que colocava as duas mãos na espada e o rei entendia que primeiro era preciso ouvir. Com o passar dos anos foi conquistando o coração das pessoas e se tornou um líder amado e respeitado por todos e ficou conhecido como o rei que sabia ouvir.

José Carlos Neves Machado.

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