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quarta-feira, 3 de abril de 2013

DOUTOR SABE TUDO (conto)

Doutor Sabe Tudo



Era uma vez um camponês muito pobre, chamado Leitão. Um dia, ele atrelou uma junta de bois numa carroça, encheu de lenha e foi até a cidade vender a lenha. Quem comprou foi um doutor, por duas moedas de prata. Quando o camponês foi até a casa dele receber o dinheiro, o doutor estava almoçando. O camponês olhou bem à sua volta e viu quanta coisa apetitosa o outro tinha para comer e beber e ficou achando que também queria ser doutor.


Depois de ficar algum tempo parado, em pé, olhando acabou perguntando:

- Tem algum jeito de eu ser doutor?
- Claro que tem – disse o doutor – É muito fácil!
- O que é que eu preciso fazer? – perguntou o camponês.
- Primeiro, compre uma cartilha, daquelas que tem um desenho de um galo. Segundo, venda a sua carroça e os dois bois, pegue o dinheiro e compre roupas e todas as outras coisas que um doutor precisa. Terceiro, mande pintar uma placa com as palavras DOUTOR SABE-TUDO e pendure bem em cima da porta de sua casa.
O camponês fez tudo direitinho como lhe havia ensinado o doutor. Pouco tempo depois de estar doutorando, aconteceu que roubaram um dinheiro em casa de um nobre riquíssimo ali perto. Alguém falou então num tal de Doutor Sabe-Tudo, que morava numa aldeia das redondezas e que na certa iria descobrir o que tinha acontecido com o dinheiro. Então o nobre mandou arrear a carruagem, foi até a aldeia, parou diante da casa do camponês e perguntou:
- O senhor é que é o Doutor Sabe-Tudo?
- Exatamente.
- Então, por favor, venha comigo, porque preciso encontrar um dinheiro que me roubaram.
- Pois não. Mas preciso levar comigo minha mulher Greta.
O nobre não fez objeções. Sentou os dois na carruagem e levou-os em sua companhia. Quando chegaram à mansão, o jantar estava servido e o camponês foi convidado a se sentar à mesa.
- Com prazer! – respondeu. – Mas minha mulher Greta precisa se sentar comigo.
E os dois se sentaram diante da mesa posta. Quando o primeiro criado entrou trazendo uma bandeja de comida finíssima, o camponês fez um sinal de cabeça para a mulher e disse:
- Greta esse aí é o primeiro.
Estava se referindo ao primeiro prato. Mas o criado pensou que ele estava indicando “Esse aí é o primeiro ladrão”. Porque era exatamente isso que ele era. Por isso, ficou assustado e disse aos seus companheiros quando voltou à cozinha.
- O doutor sabe de tudo. Estamos encrencados. Ele já disse que eu sou o primeiro.
O segundo criado nem queria entrar na sala, mas tinha que ir para não despertar maiores suspeitas em seu patrão. Quando apareceu com a bandeja, o camponês fez outro sinal de cabeça para a mulher e disse:
- Greta esse aí é o segundo.
O segundo criado saiu da sala correndo, tão assustado quanto o primeiro.
Com o terceiro aconteceu a mesma coisa, o camponês fez um sinal com a cabeça para a mulher e lhe disse:
- Greta esse aí é o terceiro.
Sempre se referindo ao número dos pratos, mas os ladrões nem imaginavam isso. Quando chegou o quarto criado entrou no salão com uma terrina tampada, o nobre disse:
- Agora quero ver as suas habilidades. Diga-me o que está debaixo dessa tampa.
Era um prato de carne de porco frita. O camponês olhou, olhou, mas não tinha a menor ideia do que podia haver ali debaixo.
- Leitão, estás frito! – suspirou ele.
Quando o nobre ouviu, ficou maravilhado:
- Ótimo se o senhor sabe isso, vai saber também onde é que está o meu dinheiro roubado e quem são os ladrões que o levaram.
O criado que trazia o prato estava quase morrendo de susto. Fez um sinal ao doutor para que desse uma saidinha rápida em direção à cozinha. Quando o encontraram, os quatro criados confessaram que tinham roubado o dinheiro. Ofereceram-se para devolver tudo a ele e lhe dar ainda uma quantia em acréscimo, se ele não dissesse ao seu patrão quem o tinha roubado, para que não fossem enforcados por esse crime. Aí o levaram até o lugar onde o dinheiro estava escondido e isso foi ótimo para o doutor.
Quando voltou para a sala, o doutor se sentou de novo e disse:
- Se Vossa Senhoria me permitir, agora vou consultar o meu livro para saber onde está o dinheiro que lhe foi roubado.
Bem nesse momento, o quinto criado se esgueirou para dentro da estufa, para ouvir tudo e ver se descobria de uma vez por todas quanto o tal doutor sabia de verdade. O doutor abriu a cartilha e passava as páginas de um lado para o outro, disfarçando.
Para disfarçar bem, resolveu procurar até achar a página onde estava desenhado o galo e como estava demorando, começou a resmungar:
- Eu sei que você está aí seu danado, para que é que fica se escondendo se no final das contas vou acabar te descobrindo?
O criado escondido na estufa achou que era com ele que o doutor falava e deu um pulo lá de dentro gritando:
- Ele sabe tudo! Ele sabe tudo!
Aí o Doutor Sabe-Tudo mostrou ao nobre onde o dinheiro estava escondido, mas não disse quem tinha roubado. Tanto os ladrões como o nobre lhe deram belas recompensas e ele ficou tão conhecido por esse feito que sua fama correu mundo afora.
Irmãos Grimm
(Chapeuzinho Vermelho e outros contos de Grimm – terceira edição – seleção e tradução de Ana Maria Machado – ilustração de Ricardo Leite – Editora Nova Fronteira – Rio de Janeiro, 1986).

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