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terça-feira, 3 de setembro de 2013

A SERPENTE BRANCA (conto)








A SERPENTE BRANCA
Irmãos Grimm



Há muitos e muitos anos, vivia um rei muito celebrado por sua sabedoria. Nada era oculto para ele. Era como se o conhecimento das coisas mais secretas chegasse até ele pelo ar. Mas tinha um estranho costume. Quando a refeição do meio-dia acabava, a mesa era retirada e não havia mais ninguém presente, um criado de confiança lhe trazia um prato a mais. Esse prato era coberto. Nem mesmo o criado sabia o que havia ali dentro. Nem ele nem mais ninguém, porque o rei só tirava a tampa e comia seu conteúdo somente depois que ficava sozinho.
Um dia, depois que isso já acontecia há algum tempo, o criado que servia o prato, não suportando mais sua curiosidade, na hora de levar o prato embora, ao invés disso, secretamente o carregou para seu quarto, trancou a porta com cuidado e, quando levantou a tampa, viu que dentro havia uma serpente branca.
Depois de ver a cobra, não conseguiu resistir e ficar sem experimentá-la. Cortou um pedaço bem pequeno dela e o pôs na boca. Assim que o pedacinho da serpente tocou a língua dele, o criado começou a ouvir sussurros suaves e estranhos do lado de fora da janela. Quando se debruçou para ver o que era, descobriu que as vozes que murmuravam eram de pardais conversando, que contavam uns aos outros tudo o que tinham visto pelos bosques e campos. Provar a serpente tinha lhe dado o poder de entender a linguagem das aves e dos animais.
Ora, aconteceu que, justamente naquele dia, desapareceu o anel preferido da rainha.
Como o criado de confiança tinha toda a liberdade para ir onde bem entendesse no palácio, suspeitaram que ele o tivesse roubado. O rei mandou chamá-lo e brigou com ele, dizendo que, a não ser que ele desse o nome do ladrão até o dia seguinte, seria considerado culpado e decapitado. Não adiantou jurar inocência. O rei então mandou-o embora sem uma palavra de consolo, mantendo sua ameaça de mandar matá-lo, caso se recusa-se a falar.
Com medo e se sentindo desgraçado, ele foi até o quintal e ficou pensando, vendo se encontrava um jeito para sair daquela situação. Alguns patos estavam calmamente sentados na beira de um riacho, à vontade, se alisando com o bico e batendo papo. O criado parou e escutou. Cada um dizia aos outros o que tinha acontecido em todos os lugares por onde tinham nadado naquela manhã, e toda a comida gostosa que tinha comido. Mas um deles disse, queixoso:
- Estou com um peso no estômago... estava comendo tão depressa essa manã que engoli um anel que estava no chão bem embaixo da janela da rainha...

Ao ouvir isso, o criado rapidamente agarrou o pato pelo pescoço, levou-o direto para a cozinha e disse ao cozinheiro:
- Olha só que pato gordo Se eu fosse você, assava ele.
- É mesmo - disse o cozinheiro, pesando o pato com a mão. - Já que ele se esforçou para ganhar tanto peso, é tempo agora de ir para o forno.
Cortou o pescoço do pato e depois, quando estava limpando a ave para assar, encontrou o anel da rainha no estômago dela. Com isso, não foi difícil o criado convencer o rei de sua inocência. Querendo reparar a injustiça que tinha feito, o rei lhe perguntou se havia alguma coisa que ele desejasse, e lhe ofereceu o cargo que ele quisesse escolher na corte.
O criado recusou todas as honras e disse que só queria um cavalo e um pouco de dinheiro, porque desejava ver o mundo e viajar um bocado. O rei logo lhe deu o que queria, e ele partiu.
Um dia, passando por um lago, notou que três peixes estavam presos nuns caniços e estavam ficando sem água. Dizem que os peixes são mudos, mas ele ouviu muito bem como eles gemiam se lamentando, diante da morte horrível que os esperava. Como era um bom sujeito, desceu do cavalo e pôs os três cativos novamente na água. Eles puseram as cabecinhas de fora, se abanando de alegria, e disseram:
- Vamos lembrar disso e recompensar você algum dia por nos ter salvo.
Ele continuou seu caminho e, pouco depois, ouviu uma voz que vinha da areia a seus pés. Prestou atenção e ouviu a queixa da rainha das formigas:
- Se os humanos conseguissem manter seus animais desajeitados bem longe de nós, seria ótimo! Esse cavalo estúpido com esses cascos imensos e pesados está esmagando meu povo sem piedade...
Ouvindo isso, o criado saiu por um caminho lateral, e a rainha das formigas gritou: 

- Vamos lembrar disso e recompensar você...
O caminho levava a uma floresta. Lá, ele viu um casal de corvos empurrando os filhotes para fora do ninho:
- Fora, seus marmanjões! - gritavam - Não podemos mais encher as barrigas de vocês. Já estão bem grandinhos para buscarem sua própria comida.
- Ainda somos filhotes indefesos - gritavam - Como é que podemos arranjar comida se ainda nem aprendemos direito a voar? 
Vocês vão nos fazer morrer de fome!
Os pobres filhotes batiam as asas desajeitados e não conseguiam levantar-se do chão. 
Ouvindo isso, o bom jovem apeou, matou o cavalo com a espada e deu sua carne para alimentar os filhotes de corvo. Eles vieram saltitando, comeram até se fartar, e disseram:
- Vamos lembrar disso e recompensar você algum dia.
Daí para a frente, ele teve que usar as pernas. Depois de muito caminhar, chegou a uma grande cidade. As ruas estavam cheias de barulho e movimento. Um homem a cavalo anunciava que a filha do rei estava procurando marido, mas que quem quisesse pedir a mão dela precisava primeiro cumprir uma tarefa muito difícil e, se falhasse, perderia a vida. Muitos já tinham tentado, mas arriscaram a vida à toa. Quando o jovem viu a filha do rei, ficou tão estonteado com sua beleza que se esqueceu do perigo, foi até o rei e se apresentou como pretendente.
Foi levado diretamente à beira do mar. Lá, diante de seus olhos, jogaram n'água um anel de ouro. Depois, o rei lhe disse que ele precisaria ir buscar o anel lá no fundo. E acrescentou:
- Se você sair da água sem ele, será jogado de volta, tantas vezes quantas necessário, até morrer nas ondas ou trouxer o anel até a superfície.
Os cortesões todos ficaram com pena do jovem e lamentaram sua sorte, tão bonito e gentil que era. Depois, deixaram-no sozinho na praia.
Ele ficou um pouco ali parado, pensando no que ia fazer. De repente, viu três peixes nadando em sua direção - justamente os três cujas vidas ele tinha salvo. O do meio tinha uma concha na boca. Depositou-a na praia, junto aos pés do rapaz. Quando ele pegou a concha e abriu, viu que dentro estava o anel de ouro da princesa.
Então, todo contente, o rapaz levou o anel até o rei, esperando receber a recompensa prometida.
Mas a princesa era muito orgulhosa e, quando viu que ele era inferior a ela em nascimento, desprezou-o e disse que ele ia precisar cumprir uma segunda tarefa. Desceu até o jardim e espalhou dez sacos cheios de farelo pelo meio da grama.
- Você vai ter que recolher tudo isso até amanhã, antes do sol nascer - disse ela - sem faltar nem um grãozinho sequer.
O rapaz sentou-se no jardim e começou a pensar em um jeito de cumprir a tarefa, mas não lhe ocorria nada. E lá ficou ele, tristíssimo, esperando que o levassem para a morte quando o dia nascesse. Mas quando os primeiros raios do sol chegaram ao jardim, ele viu que os dez sacos estavam de pé, cheios até a borda, sem faltar nem um grãozinho. A rainha das formigas tinha vindo durante a noite, com milhares e milhares de formigas, e os bichinhos agradecidos pela ajuda que o rapaz havia prestado, tinham juntado todos os grãos de farelo dentro dos sacos outra vez.
A filha do rei veio em pessoa até o jardim e ficou espantadíssima de ver que a tarefa tinha sido cumprida conforme ela mesma havia anunciado. Mas seu coração prosa ainda se recusava a se render. Por isso, ela disse:

- Ele, de fato, cumpriu as duas tarefas. Mas não será meu marido enquanto não me trouxer um fruto da árvore da vida.
O rapaz nem sabia onde ficava essa tal árvore da vida. Partiu procurando, resolvido a andar até onde as pernas o levassem, mas sem qualquer esperança de encontrar.
Uma noite, depois de procurar por três reinos, ele chegou a uma floresta. Sentou-se debaixo de uma árvore e estava quase adormecendo quando ouviu um barulho nos galhos e uma fruta de ouro caiu em suas mãos. Ao mesmo tempo, três corvos desceram voando da árvore, pousaram em seus joelhos e disseram:
- Nós somos os filhotes de corvo que você não deixou morrer de fome. Quando crescemos e ouvimos dizer que você estava procurando a fruta de ouro, voamos por cima do mar até o fim do mundo, onde cresce a árvore da vida, e pegamos a fruta para lhe dar.
Muito contente, o rapaz voltou para casa. Deu a fruta de ouro para a princesa e, depois disso, ela não tinha mais desculpa em não aceitá-lo como marido. Dividiram a maçã da vida e a comeram juntos. Aí o coração dela se encheu de amor por ele, e os dois viveram até a velhice numa felicidade perfeita.