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terça-feira, 30 de abril de 2024

UMA FÁBULA SOBRE A FÁBULA - Malba Tahan (conto)






UMA FÁBULA SOBRE A FÁBULA - conto árabe

Malba Tahan (recontado por Regina Machado)
O violino cigano e outros contos de mulheres sábias
Regina Machado
Ilustrações - Joubert
Editora Seguinte - São Paulo, 2017
130 páginas



Allah Hu Akbar! Allah Hu Akbar! (Deus é o maior).
Deus criou a mulher e junto com ela criou a fantasia. 
Foi assim que uma vez a Verdade desejou conhecer um palácio por dentro e escolheu o mais suntuoso de todos, onde vivia o grande sultão Haroun Al-Raschid. Vestiu seu corpo apenas com um véu transparente e pouco depois chegou à porta do magnífico palácio. Assim que o guarda apareceu e viu aquela bela mulher sem nenhuma roupa, ficou desconcertado e perguntou quem ela era. E a Verdade respondeu com firmeza: — Eu sou a Verdade e desejo encontrar-me com seu senhor, o sultão Haroun Al-Raschid. O guarda entrou e foi falar com o grão-vizir. Inclinando-se diante dele, disse: — Senhor, lá fora está uma mulher pedindo para falar com nosso sultão, mas ela só traz um véu completamente transparente cobrindo seu corpo. — Quem é essa mulher? — perguntou o grão-vizir com viva curiosidade. — Ela disse que se chama Verdade, senhor — respondeu o guarda. O grão-vizir arregalou os olhos e quase gaguejou: — O quê? A Verdade em nosso palácio? De jeito nenhum, isso eu não posso permitir. Imagine o que ia ser de mim e de todos aqui se a Verdade aparecesse diante de nós? Estaríamos todos perdidos, sem exceção. Pode mandar essa mulher embora, imediatamente. O guarda voltou e transmitiu à Verdade a resposta do seu superior. A Verdade teve que ir embora, muito triste. 
Acontece que... Deus criou a mulher e junto com ela criou a teimosia. 
A Verdade não se deu por vencida e foi procurar roupas para vestir. Cobriu-se dos pés à cabeça com peles grosseiras, deixando apenas o rosto de fora e foi direto, é claro, para o palácio do sultão Haroun Al-Raschid. Quando o chefe da guarda abriu a porta e encontrou aquela mulher tão horrivelmente vestida, perguntou seu nome e o que ela queria. Com voz severa ela respondeu:  — Sou a Acusação e exijo uma audiência com o grande senhor deste palácio. Lá se foi o guarda falar com o grão-vizir e, ajoelhando-se diante dele, disse: — Senhor, uma estranha mulher envolvida em vestes malcheirosas deseja falar com nosso sultão. — Como é que ela se chama? — perguntou o grão-vizir. — O nome dela é Acusação, Excelência. O grão-vizir começou a tremer, morto de medo: — Nem pensar. Já imaginou o que seria de mim, de todos aqui, se a Acusação entrasse nesse palácio? Estaríamos todos perdidos, sem exceção. Mande essa mulher embora imediatamente. Outra vez a Verdade virou as costas e se foi tristemente pelo caminho. 
Ainda dessa vez ela não se deu por vencida. E isso porque... Deus criou a mulher e junto com ela criou o capricho. 
A Verdade buscou pelo mundo as vestes mais lindas que pôde encontrar: veludos e brocados, bordados com fios de todas as cores do arco-íris. Enfeitou-se com magníficos colares de pedras preciosas, anéis, brincos e pulseiras do mais fino ouro e perfumou-se com essência de rosas. Cobriu o rosto com um véu bordado de fios de seda dourados e prateados e voltou, é claro, ao palácio do sultão Haroun Al-Raschid. Quando o chefe da guarda viu aquela mulher deslumbrante como a Lua, perguntou quem ela era. E ela respondeu, com voz doce e melodiosa: — Eu sou a Fábula e gostaria muito de encontrar-me, se possível, com o sultão deste palácio. O chefe da guarda foi correndo falar com o grão-vizir, até esqueceu de ajoelhar-se diante dele e foi logo dizendo: — Senhor, está lá fora uma mulher tão linda, mas tão linda, que mais parece uma rainha. Ela deseja falar com nosso sultão. Os olhos do grão-vizir brilharam: — Como é que ela se chama? — Se entendi bem, senhor, o nome dela é Fábula.  — O quê? — disse o grão-vizir, completamente encantado. — A Fábula quer entrar em nosso palácio? Mas que grande notícia! Para que ela seja recebida como merece, ordeno que cem escravas a esperem com presentes magníficos, flores perfumadas, danças e músicas festivas. As portas do grande palácio de Bagdá se abriram graciosamente, e por elas finalmente a bela andarilha foi convidada a passar. Foi desse modo que a Verdade, vestida de Fábula, conseguiu conhecer um grande palácio e encontrar-se com Haroun Al-Raschid, o mais fabuloso sultão de todos os tempos. 

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