UMA FÁBULA SOBRE A FÁBULA - conto árabe
Malba Tahan (recontado por Regina Machado)
O violino cigano e outros contos de mulheres sábias
Regina Machado
Ilustrações - Joubert
Editora Seguinte - São Paulo, 2017
130 páginas
Allah Hu Akbar! Allah Hu Akbar! (Deus é o maior).
Deus criou a mulher e junto com ela criou a fantasia.
Foi assim
que uma vez a Verdade desejou conhecer um palácio por dentro e escolheu o mais suntuoso de todos, onde vivia o grande sultão Haroun
Al-Raschid. Vestiu seu corpo apenas com um véu transparente e pouco depois chegou à porta do magnífico palácio. Assim que o guarda apareceu e viu aquela bela mulher sem nenhuma roupa, ficou desconcertado e perguntou quem ela era. E a Verdade respondeu com firmeza:
— Eu sou a Verdade e desejo encontrar-me com seu senhor, o sultão Haroun Al-Raschid.
O guarda entrou e foi falar com o grão-vizir. Inclinando-se diante
dele, disse:
— Senhor, lá fora está uma mulher pedindo para falar com nosso
sultão, mas ela só traz um véu completamente transparente cobrindo
seu corpo.
— Quem é essa mulher? — perguntou o grão-vizir com viva curiosidade.
— Ela disse que se chama Verdade, senhor — respondeu o guarda.
O grão-vizir arregalou os olhos e quase gaguejou:
— O quê? A Verdade em nosso palácio? De jeito nenhum, isso eu
não posso permitir. Imagine o que ia ser de mim e de todos aqui se a
Verdade aparecesse diante de nós? Estaríamos todos perdidos, sem exceção. Pode mandar essa mulher embora, imediatamente.
O guarda voltou e transmitiu à Verdade a resposta do seu superior.
A Verdade teve que ir embora, muito triste.
Acontece que...
Deus criou a mulher e junto com ela criou a teimosia.
A Verdade
não se deu por vencida e foi procurar roupas para vestir. Cobriu-se dos
pés à cabeça com peles grosseiras, deixando apenas o rosto de fora e foi
direto, é claro, para o palácio do sultão Haroun Al-Raschid.
Quando o chefe da guarda abriu a porta e encontrou aquela mulher tão horrivelmente vestida, perguntou seu nome e o que ela queria.
Com voz severa ela respondeu: — Sou a Acusação e exijo uma audiência com o grande senhor deste palácio.
Lá se foi o guarda falar com o grão-vizir e, ajoelhando-se diante dele, disse:
— Senhor, uma estranha mulher envolvida em vestes malcheirosas deseja falar com nosso sultão.
— Como é que ela se chama? — perguntou o grão-vizir.
— O nome dela é Acusação, Excelência.
O grão-vizir começou a tremer, morto de medo:
— Nem pensar. Já imaginou o que seria de mim, de todos aqui,
se a Acusação entrasse nesse palácio? Estaríamos todos perdidos, sem
exceção. Mande essa mulher embora imediatamente.
Outra vez a Verdade virou as costas e se foi tristemente pelo caminho.
Ainda dessa vez ela não se deu por vencida.
E isso porque...
Deus criou a mulher e junto com ela criou o capricho.
A Verdade buscou pelo mundo as vestes mais lindas que pôde encontrar: veludos e brocados, bordados com fios de todas as cores do
arco-íris. Enfeitou-se com magníficos colares de pedras preciosas, anéis,
brincos e pulseiras do mais fino ouro e perfumou-se com essência de
rosas. Cobriu o rosto com um véu bordado de fios de seda dourados e
prateados e voltou, é claro, ao palácio do sultão Haroun Al-Raschid.
Quando o chefe da guarda viu aquela mulher deslumbrante como
a Lua, perguntou quem ela era.
E ela respondeu, com voz doce e melodiosa:
— Eu sou a Fábula e gostaria muito de encontrar-me, se possível,
com o sultão deste palácio.
O chefe da guarda foi correndo falar com o grão-vizir, até esqueceu de ajoelhar-se diante dele e foi logo dizendo:
— Senhor, está lá fora uma mulher tão linda, mas tão linda, que
mais parece uma rainha. Ela deseja falar com nosso sultão.
Os olhos do grão-vizir brilharam:
— Como é que ela se chama?
— Se entendi bem, senhor, o nome dela é Fábula. — O quê? — disse o grão-vizir, completamente encantado. — A
Fábula quer entrar em nosso palácio? Mas que grande notícia! Para
que ela seja recebida como merece, ordeno que cem escravas a esperem com presentes magníficos, flores perfumadas, danças e músicas
festivas.
As portas do grande palácio de Bagdá se abriram graciosamente,
e por elas finalmente a bela andarilha foi convidada a passar.
Foi desse modo que a Verdade, vestida de Fábula, conseguiu conhecer um grande palácio e encontrar-se com Haroun Al-Raschid, o mais
fabuloso sultão de todos os tempos.
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Dr José Carlos Machado
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