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segunda-feira, 14 de novembro de 2011

Artigo 06

Feridas que cicatrizam com o tempo


Muitas vezes me perguntam de como lidar com as crianças no caso da separação de seus pais, dessas novas uniões que se estabelecem, das perdas, do comportamento das crianças que se modifica, das brigas... enfim como fazer daqui para frente, como proceder com as crianças, agora que a rotina mudou, o ritmo também, as opiniões divergem mais do que nunca, surge um descompasso, principalmente quando não há mais o apoio do outro lado e o conflito então aumenta mais.

E de fato, isso não deveria acontecer não me refiro da desunião desse casal, que às vezes é até saudável para todos que se separem e possam reconstruir suas vidas, mas teria de se ter o cuidado para que os filhos, sobretudo os menores, não entrassem nessa luta que é tão comum de se ver nessa família que se desmorona. O conceito de família, assim como tantos outros precisa ser re-atualizado, a família como alguns de nós participou com a figura única de um pai e de uma mãe, de filhos e também primos, tios, avós do lado paterno e materno já não é o modelo abrangente, então quando se pensa em família hoje, esse conceito deve ser ampliado para as novas composições que surgem e pode ser composta de pais que se separaram e se casam novamente constituindo uma nova família, surgindo desse modo uma nova constelação familiar além do pai e da mãe (que afinal todos tem), acrescenta-se o atual companheiro(a) do pai e da mãe, os possíveis filhos de outras relações que vem junto com esse padrasto/madrasta, outros irmãos que os pais venham a ter nessa nova relação conjugal e conseqüentemente novos parentes (avós, tios, primos...), esse leque se amplia mais ainda revestido de todo um envolvimento emocional e que nem sempre é fácil de se lidar.

Mas tem uma questão básica, o triângulo inicial: o pai, a mãe e o filho desse casal inicial que se uniu a princípio e que agora se separa é envolvido nesse imbróglio e que aguarda impacientemente (invariavelmente), atento (geralmente) e desconfiado (na maioria das vezes), que aqueles adultos (e esse é um conceito que também requer uma adequação) que ele ama finalmente cresçam e se entendam e de preferência que se unam novamente e a relação triangular inicial volte a se estabelecer, mas, embora seja esse o desejo da criança, não existe mais envolvimento emocional para isso e o casal acaba se separando com muito sofrimento e perda para todos, mas é preciso seguir adiante.

Situações de conflito permanente, onde já não existe mais admiração ou respeito pelo outro, onde a cumplicidade que se compartilhava cai agora no vazio já não sustentam uma união e esse impasse é, digamos, melhor resolvido com a separação radical, não serão os filhos que irão segurar essa “barra pesada”, podem até servir como um bom pretexto, mas não podem, nem devem ser co-responsáveis por essa desavença, isso é um problema da esfera dos adultos, afinal foram eles que se uniram primordialmente e que agora na ruptura desse processo deveriam, embora machucados, agir com maturidade, tentando seguir adiante, apesar de suas dores. É essa maturidade que se espera desses pais, embora naquele momento não tenham muita dimensão do que estejam fazendo com seus filhos, mas na passionalidade de suas atitudes em ferir um ao outro não se importam muito em ora utilizar os filhos como alvos, ora como escudos para seus ataques, aí a coisa geralmente complica muito e acaba se refletindo na escola, a criança vem dividida, fica sem ritmo e muitas vezes perdida.

É cruel, para dizer o mínimo, perguntar para a criança de quem ela gosta mais ou quem ela gostaria de morar: com o pai ou com a mãe, assim como utilizar-se dela como aliada ou pior falar que não havia se separado ainda por causa dela, para que não sofresse... a criança deveria contar com dois lugares para ir e os pais mesmo brigados e não suportando um a presença do outro deveriam poupar a criança de seus comentários e críticas.

Então, se os adultos agora se odeiam e desejam o pior um ao outro e esse discurso é revestido de uma série de pragas e ofensas o filho não deveria ser o espectador dessa cena e aprende a duras penas que precisa realmente de ter paciência com seus pais que tem uma grande dificuldade para lidar com a incapacidade de resolverem suas diferenças; atenção para ver se encontra nesses adultos um pouco de coerência e, infelizmente, acabam desconfiando de que essa dupla tenha competência para conduzi-lo pela vida afora, em outras palavras se perguntam: dá para confiar em pessoas assim?

Embora seja difícil é preciso que se atente para isso, de nada adianta esconder da criança que o casamento não vai bem, ela percebe, ela escuta, ela sabe, vê o pai ficar bravo e gritar, o vê triste, vê a mãe chorar, ouve e acompanha as brigas, todos têm a suas perdas, todos sofrem, mas a idéia é que possamos superará-las, relativizá-las, seguir adiante com dificuldade e sofrimento, as feridas cicatrizam com o tempo.

Mas o pai, mesmo não morando mais em casa, mesmo com outra família, mesmo ausente, continua sendo pai e é comum os filhos ficarem sob a guarda da mãe, essa, apesar da dor, da raiva, da frustração e do ódio, deve deixar o pai exercer seu papel de pai, que é de sua responsabilidade, assim como este não deveria, apesar das críticas que tem da mãe, tentar cumprir o papel que não lhe cabe, a maternidade não é uma tarefa sua, ser um pai bom o bastante já deveria ser o suficiente. Sem competições, mas também sem revanchismos ou vinganças ainda mais querendo contar com a cumplicidade do filho. Aí é mais honesto e a criança pode ter a possibilidade de resgatar a confiança naquele casal, que agora já não estando unido de fato, re-estabelece o compromisso cada um do seu modo e com suas diferenças de continuar a olhar para o filho, afinal por pior que tenha sido a relação o maior legado está bem ali na frente atento a tudo: o seu filho.

Dr. José Carlos Neves Machado

Médico Escolar e Pediatra antroposófico da Casa Rafael

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