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terça-feira, 23 de abril de 2013

A HISTÓRIA DE MUSHKIL GUSHA - conto árabe



Era uma vez, há muito tempo, quando Marrakesh era um simples vilarejo, vivia na Arábia um lenhador viúvo com sua filha, chamada Jamia. Toda manhã, antes do canto do galo, o lenhador deixava sua pequena cabana e ia até as montanhas em busca de lenha para vender no vale.
Bem, certa noite antes de se deitar, a jovem Jamia implorou ao pai que comprasse para ela uma das tortas que estavam à venda no mercado da cidade e um dos vestidos rendados pendurados na janela do alfaiate. Seu pai prometeu sair antes dom amanhecer e cortar o dobro da quantidade de lenha costumeira para conseguir um dinheiro extra.
Assim, muito antes de o galo acordar, o lenhador se esgueirou para fora de casa e foi até a montanha. Cortou o dobro da quantidade usual de lenha, preparou-a bem, colocou-a nas costas e partiu de volta para casa.
Quando chegou à cabana, o lenhador encontrou a porta trancada. Ainda era cedo e sua filha estava dormindo. "Filha" ele chamou, "estou faminto e sedento depois de tanto trabalho. Por favor, deixe-me entrar". Jamia dormia tão profundamente que não despertou. O lenhador foi até o estábulo e adormeceu sobre uma pilha de feno. Algumas horas depois ele acordou e bateu novamente à porta. "Deixe-me entrar, pequena Jamia, gritou, "pois eu tenho que ir ao mercado e preciso comer e beber alguma coisa".
Mas a porta estava trancada como antes.
Sem perceber que sua filha saíra para visitar as amigas, o lenhador se esforçou para colocar a lenha nas costas e partiu rumo à cidade, esperando-a alcança-la antes do crepúsculo. Sentia muita fome e muita sede, mas continuou pensando na deliciosa torta e no vestido que traria para casa para sua amada filha.
Depois de mais ou menos uma hora caminhando, o lenhador pensou ter ouvido uma voz. Era a voz de uma jovem que o chamava, dizendo: "Largue a lenha e me siga, sua boca será recompensada. O lenhador deixou o grande feixe de lenha cair no chão e caminhou na direção da voz. Depois de algum tempo, percebeu que estava perdido. Chamou pela voz, mas não houve resposta. A noite estava chegando e o pobre velho caiu no chão e chorou.
Depois de algum tempo, ele recuperou o ânimo e tentou ser mais positivo. Para passar o tempo, decidiu contar para si mesmo os eventos daquele dia como se fosse um conto, pois estava frio demais para dormir. Quando chegou ao fim, ouviu a voz novamente. "O que está fazendo?", indagou ela. "Sinto fome e frio, então estou passando o tempo falando sozinho", respondeu o lenhador. A voz mandou que ele se levantasse e erguesse um pé. "Como assim?", ele perguntou. A voz repetiu as instruções: "Faça exatamente o que eu disser e sua boca será recompensada".
O lenhador levantou o pé direito e descobriu que estava pisando em alguma coisa, uma espécie de degrau invisível. Ele apalpou com a mão e encontrou outro degrau acima do primeiro. "Suba", ordenou a voz. Seguindo as ordens, o lenhador se viu subitamente transportado para um território deserto, coberto de de pedras azul-escuras. "Que lugar é esse?", indagou o lenhador. "O lugar no fim do tempo", replicou a voz. "Encha seus bolsos com estas pedras e prometa que toda quinta-feira contará esta história, a História de Mushkil Gusha, pois foi ele quem o salvou". O lenhador fez como lhe fora ordenado e, assim que o fez, viu-se diante da porta da sua própria casa. Sua filha, Jamia, estava esperando-o.
"Onde esteve, pai?", ela perguntou. Quando entraram, o lenhador contou sobre a escadaria invisível e depois esvaziou os bolsos. "Mas pai, pedrinhas não vão comprar comida", protestou Jamia. O velho pôs a cabeça entre as mãos, mas depois se lembrou da grande quantidade de lenha que havia cortado de manhã. Ele deixou as pedras perto da lareira e foi para a cama, pronto para madrugar.
No dia seguinte, ele saiu, encontrou facilmente a lenha e a levou ao mercado. O feixe foi vendido sem nenhuma dificuldade e pelo quádruplo do preço normal. O lenhador comprou o máximo de comida que pôde carregar e um vestido azul e rosa na loja do alfaiate.
Assim, durante uma semana inteira, a sorte do lenhador pareceu aumentar cada vez mais. A lenha era abundante na floresta e seu machado parecia mais afiado que de costume. O caminho para o vale não estava tão escorregadio quanto costumava ser e havia uma grande demanda por lenha bem cortada.
Uma semana depois de sua jornada pela escadaria invisível havia chegado a hora de recontar a História Mushkil Gusha de , mas sendo um mortal, o velho lenhador esqueceu seu dever e foi se deitar. Na noite seguinte, percebeu que a cabana estava iluminada por uma estranha luz vermelha. Logo compreendeu que o brilho das pedras que trouxera na semana anterior. "Estamos mais ricos do que nossos sonhos mais loucos!" , exclamou para a filha.
Nas semanas que se seguiram, o lenhador e Jamia venderam as jóias preciosas em cidades por todo oreino. Em um ou dois meses, estavam fabulosamente ricos, a ponto de construir um castelo em frente ao palácio onde morava o rei.
Quando perguntavam de onde viera, o lenhador simulava um sotaque pesado e explicava que viajara de um país distante do Oriente, onde ganhara uma fortuna vendendo sedas de Bokhara. Não demorou muito para que o humilde lenhador fosse convidado para visitar o palácio real. Usou luvas de cetim para esconder as mãos rudes e presenteou o rei com um grande pingente de diamante.
O tempo passou e Jamia se tornou amiga íntima da filha do rei, a princesa Nabila. As duas costumavam se banhar no riacho real. Certo dia, antes de mergulhar na água, a princesa removeu seu colar de ouro e o pendurou num galho baixo de uma árvore próxima. Ela se esqueceu dele e, naquela noite, procurou o colar por todos os cantos. Finalmente adormeceu e sonhou que a filha do lenhador havia roubado o seu colar.
No dia seguinte, a princesa contou o ocorrido para seu pai. Uma hora depois, a filha do lenhador foi colocada num orfanato e o velho foi lançado no mais profundo calabouço do reino. As semanas se passaram e ele foi tirado do calabouço e acorrentado em um poste. De vez em quando, alguém jogava comida podre nele ou ria de sua situação miserável.
Então, certa tarde, ouviu um homem dizendo à esposa que era tarde de quinta-feira. Subitamente ele se lembrou da História de Mushkil Gusha, o removedor de obstáculos. Logo em seguida, um homem generoso que passava por ali lhe jogou uma moeda. Ele perguntou ao homem se poderia pegar a moeda, atravessar a rua e comprar algumas tâmaras para os dois. O homem assim o fez e o lenhador recontou a História de Mushkil Gusha.
No dia seguinte, a princesa estava se banhando no rio quando viu seu colar de ouro através da água. Olhou para cima e compreendeu que era um reflexo, que o colar verdadeiro ainda estava pendurado no galho onde elea o deixara. Sem perder tempo, correu até seu pai e explicou seu erro. O rei deu ao lenhador o perdão real, compensou-o ricamente e livrou sua filha do terrível orfanato.

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Dr José Carlos Machado
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