OS IRMÃOS KARAMÁZOV
Fiódor Dostoievski – tradução de Paulo Bezerra – desenhos de
Ulysses Bôscolo.
São Paulo: Editora 34 – 2008 – dois volumes (439 e 998 pags)
É o seu último romance escrito na
maturidade, terminou-o exatamente no dia 08/11/1880 em São Petersburgo aos 59
anos de idade, um pouco antes de sua morte em 09/02/1881. Fiódor Dostoievski
(1821 – 1881) foi um dos maiores romancistas da literatura russa e um artista
inovador, considerado como o fundador do existencialismo. Sua obra aborda temas
como a humilhação e o assassinato, que são descritos com uma riqueza de
detalhes que prendem o leitor com a narrativa e sua elaboração bem construída.
Desse modo analisa estados patológicos que levam o sujeito a cometer suicídio,
passando antes pela loucura e homicídio. Retrata em seus textos, a partir de um
viés filosófico e atemporal, uma modernidade literária que se percebe desde as
suas primeiras obras (Notas do Subterrâneo, 1864) e acaba por influenciar
várias escolas de teologia e de psicologia pelo desenvolvimento de suas ideias.
Proust, Kafka, Camus, Nietzsche,
Sartre e Hemingway citaram a importância de sua obra em sua formação literária.
Freud também o admirava e considera Os
Irmãos Karamázov, o maior romance da literatura universal. A este texto
dedicou um artigo: Dostoievski e o
parricídio (1927/28 – Obras Completas – ESB – volume 21, págs. 205-223 –
Imago – Rio de Janeiro/1974), no qual tenta traçar um paralelo entre os
diversos conflitos do personagem descritos no romance que coincidem com
diversas passagens da própria vida se seu autor. Após a morte de sua mãe (1837)
vítima de tuberculose, seu pai (Mikhail) mergulha em uma profunda depressão e
alcoolismo, até a sua morte de causas não totalmente esclarecidas, sendo que
uma das versões é a de que fora assassinado pelos seus próprios criados, que
não suportavam mais as agressões e os maus tratos do patrão. Dostoievski
culpou-se a vida toda por esse fato, pois em várias ocasiões desejou a morte do
pai, isso acabou transparecendo em sua obra. Após o provável assassinato de seu
pai é acometido de crises de epilepsia. Em seu romance cria uma situação
semelhante à sua própria: os filhos desejam matar o pai e este é morto por um
dos irmãos, a quem o autor atribui epilepsia, como se quisesse confessar que o
epiléptico que havia nele próprio, era na verdade o parricida. Sintetiza nessa
obra, de uma maneira magnífica, os vários temas, as angústias e as diversas
facetas de sua rica personalidade: criatividade, moralidade, neurose e pecado,
que o atormentaram durante toda a sua vida, tentando encontrar o seu caminho
nessa desnorteada complexidade. Freud, no mesmo artigo já citado, o considera
não estar muito atrás de seu outro autor preferido, William Shakespeare.
Os Irmãos Karamázov, descreve a conturbada relação entre o
extravagante e bronco Fiódor Pávlovitch Karamázov e seus três filhos de dois
casamentos, Dmitri Fiódorovitch, filho de sua primeira mulher, Adelaída
Ivánovna Miússova e os dois restantes, Ivan e Aliksiêi (Aliócha) filhos dele com
Sófia Ivánovna. A narrativa prende o leitor com a descrição minuciosa dos
vários personagens, suas inquietações e seus conflitos filosóficos, as
convicções existenciais e as atitudes de cada um dos filhos, que entram em
confronto com o pai e seus posicionamentos, sua vida desregrada e devassa.
Assim que sua primeira mulher o abandonou, seu filho Dmitri (Mítia) que ficara
com o marido, foi desde os três anos de idade entregue aos cuidados dos
criados, a fim de não atrapalhar as aventuras e bebedeiras do pai. Após a morte
de sua segunda mulher, os dois meninos tiveram destino semelhante do
primogênito, sendo igualmente abandonados e esquecidos pelo pai, acabando nas
mãos de um criado piedoso que se incumbiu de suas necessidades. Desse modo, a
personalidade e o temperamento de cada um deles entram em confronto constante
com a rudeza e singularidade de seu pai. O orgulho apaixonado de Dmitri, a
intelectualidade atormentada de Ivan e o misticismo e a pureza de Aliócha,
travam duros embates muito bem escritos durante toda a obra.
Entre tantos personagens
fascinantes, cabe destacar a figura do pai representada por Fiódor Karamázov,
pois se trata de um personagem interessantíssimo que dita e segue as suas
próprias regras, amoral e aético segue em frente, não se intimidando com quem
encontra pela frente, nessa lógica particular e imperturbável, talvez possa ser
mais bem definido quando se refere sobre si mesmo, enaltecendo suas próprias
qualidades: “Na imundície é que é mais
doce: todos vivem, só que às escondidas, enquanto eu sou transparente. Pois foi
por essa minha simplicidade que todos os sujos investiram contra mim. Já para o
teu paraíso Aleksiêi Fiódorovitch, não quero ir, fica tu sabendo e para um
homem direito é até indecente ir para o teu paraíso, se é que ele existe mesmo.
A meu ver, a pessoa dorme e não acorda mais, descobre que não existe nada;
lembre-se de mim se quiserem e se não quiserem o diabo que os carregue. Eis
minha filosofia – Fiódor Pávlovitch Karamázov”.
José Carlos Neves Machado.
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