INCÊNDIOS
(Incendies)
Canadá/França, 2010 – 130minutos
Lubna Azabal, Maxim Gaudette, Melissa Désormeaux-Poulin,
Remy Girard, Abdelglafour Elaaziz.
Direção – Denis Villeneuve.
“Mostrar um inferno não significa, está claro, dizer-nos algo sobre
como retirar as pessoas do inferno, como amainar as chamas do inferno. Contudo,
parece constituir um bem em si, mesmo reconhecer, ampliar a consciência de
quanto sofrimento causado pela crueldade humana existe no mundo que partilhamos
com os outros. Alguém que se sinta sempre surpreso com a existência de fatos
degradantes, alguém que continue a sentir-se decepcionado (e até incrédulo)
diante de provas daquilo que os seres humanos são capazes de infligir, em
matéria de horrores e de crueldades a sangue-frio, contra outros seres humanos,
ainda não alcançou a idade adulta em termos morais e psicológicos”. Susan
Sontag, in Diante da Dor dos Outros – cap. 8 p.95 – Cia das Letras, 2003.
Após a morte
da mãe, seus filhos gêmeos ficam sabendo, durante a leitura de seu testamento que
possuem um irmão perdido em algum lugar do Oriente Médio na terra de sua mãe.
Seu último desejo: “ser enterrada sem caixão, nua e de costas, sem que haja
qualquer lápide em seu túmulo, até que os segredos sejam revelados”. Duas
cartas são deixadas aos filhos que precisam descobrir onde estão seu irmão e
seu pai, entregando para um deles um envelope. Simon não se interessa em
descobrir o passado da mãe, mas Jeanne mergulha no passado e descobre entre
outras coisas que sua mãe havia sido guerrilheira, matado um homem e na prisão
deu à luz a gêmeos após ter sido torturada e estuprada; essa é uma das
chocantes revelações já no início da trama.
As imagens
chocantes e cruéis não parecem ser simplesmente apelativas, servem para
demonstrar a resiliência de Nawal, a personagem central, que desde o início
passa por uma série de tragédias que são reveladas e descobertas por sua filha
à medida que esta também vai descortinando e redescobrindo a sua história, passando
sentir, de certa forma, aquilo que sua mãe passou e lhe era desconhecido.
Interessante
observar como cada um dos gêmeos tem uma atitude oposta, o filho (masculino,
racional, crítico) opta por seguir adiante sua vida, tocar em frente, talvez
por não querer confrontar com o que o desconhecido poderia lhe revelar já a
filha (feminina, sensível, compreensível), prefere encarar o desafio de
“levantar o véu” e de descobrir o que o passado lhe revela, nessa espécie de
catarse forçada, intensa, necessária e sem retorno vão surgindo as respostas e
os segredos guardados pela mãe ficam cada vez mais expostos, ou melhor,
eviscerados devido à crueza das cenas. Certamente Incêndios não é um filme
esteticamente belo, mas trata-se de um bom filme que nos obriga a refletir, não
se consegue ficar indiferente após assisti-lo, não é simples diversão, mas as
tragédias sucessivas que são mostradas nos fazem pensar em nossos valores mais
primários: quem somos e de onde viemos e de como não se consegue ficar
totalmente indiferente a isso.
A banalização
da violência justificada ou não pela religião continua sendo cruel e perversa,
trazendo suas conseqüências, mas no final de tudo, em sua instância mais
elementar ainda buscamos aquilo que nos torna humanos, o que nos diferencia,
esse é o desejo da mãe que antes de morrer pede para que tudo aquilo que passou
seja revelado, talvez até mais do que isso seja experimentado dentro de si e
desse modo o ciclo de dor poderá se fechar, sem culpas, sem vinganças, apenas
com a verdade revelada e o que poderá surgir a partir daí, não mais simples nem inconsequente, mas, absolutamente necessário.
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Médico na Escola
Dr José Carlos Machado
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