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sábado, 20 de abril de 2013

INCÊNDIOS (resenha de filme)


INCÊNDIOS (Incendies)
Canadá/França, 2010 – 130minutos
Lubna Azabal, Maxim Gaudette, Melissa Désormeaux-Poulin, Remy Girard, Abdelglafour Elaaziz.
Direção – Denis Villeneuve.

“Mostrar um inferno não significa, está claro, dizer-nos algo sobre como retirar as pessoas do inferno, como amainar as chamas do inferno. Contudo, parece constituir um bem em si, mesmo reconhecer, ampliar a consciência de quanto sofrimento causado pela crueldade humana existe no mundo que partilhamos com os outros. Alguém que se sinta sempre surpreso com a existência de fatos degradantes, alguém que continue a sentir-se decepcionado (e até incrédulo) diante de provas daquilo que os seres humanos são capazes de infligir, em matéria de horrores e de crueldades a sangue-frio, contra outros seres humanos, ainda não alcançou a idade adulta em termos morais e psicológicos”. Susan Sontag, in Diante da Dor dos Outros – cap. 8 p.95 – Cia das Letras, 2003.

Após a morte da mãe, seus filhos gêmeos ficam sabendo, durante a leitura de seu testamento que possuem um irmão perdido em algum lugar do Oriente Médio na terra de sua mãe. Seu último desejo: “ser enterrada sem caixão, nua e de costas, sem que haja qualquer lápide em seu túmulo, até que os segredos sejam revelados”. Duas cartas são deixadas aos filhos que precisam descobrir onde estão seu irmão e seu pai, entregando para um deles um envelope. Simon não se interessa em descobrir o passado da mãe, mas Jeanne mergulha no passado e descobre entre outras coisas que sua mãe havia sido guerrilheira, matado um homem e na prisão deu à luz a gêmeos após ter sido torturada e estuprada; essa é uma das chocantes revelações já no início da trama.
As imagens chocantes e cruéis não parecem ser simplesmente apelativas, servem para demonstrar a resiliência de Nawal, a personagem central, que desde o início passa por uma série de tragédias que são reveladas e descobertas por sua filha à medida que esta também vai descortinando e redescobrindo a sua história, passando sentir, de certa forma, aquilo que sua mãe passou e lhe era desconhecido.  
Interessante observar como cada um dos gêmeos tem uma atitude oposta, o filho (masculino, racional, crítico) opta por seguir adiante sua vida, tocar em frente, talvez por não querer confrontar com o que o desconhecido poderia lhe revelar já a filha (feminina, sensível, compreensível), prefere encarar o desafio de “levantar o véu” e de descobrir o que o passado lhe revela, nessa espécie de catarse forçada, intensa, necessária e sem retorno vão surgindo as respostas e os segredos guardados pela mãe ficam cada vez mais expostos, ou melhor, eviscerados devido à crueza das cenas. Certamente Incêndios não é um filme esteticamente belo, mas trata-se de um bom filme que nos obriga a refletir, não se consegue ficar indiferente após assisti-lo, não é simples diversão, mas as tragédias sucessivas que são mostradas nos fazem pensar em nossos valores mais primários: quem somos e de onde viemos e de como não se consegue ficar totalmente indiferente a isso.
A banalização da violência justificada ou não pela religião continua sendo cruel e perversa, trazendo suas conseqüências, mas no final de tudo, em sua instância mais elementar ainda buscamos aquilo que nos torna humanos, o que nos diferencia, esse é o desejo da mãe que antes de morrer pede para que tudo aquilo que passou seja revelado, talvez até mais do que isso seja experimentado dentro de si e desse modo o ciclo de dor poderá se fechar, sem culpas, sem vinganças, apenas com a verdade revelada e o que poderá surgir a partir daí, não mais simples nem inconsequente, mas, absolutamente necessário.

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Dr José Carlos Machado
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