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terça-feira, 17 de setembro de 2013

CABELUDINHO - Manoel de Barros (conto)








CABELUDINHO
Manoel de Barros
in, Memórias Inventadas (VIII)
Editora Planeta
São Paulo, 2003.

Quando a Vó me recebeu nas férias, ela me apresentou aos amigos: - "Este é meu neto. Ele foi estudar no Rio e voltou de ateu". Ela disse que eu voltei de ateu. Aquela preposição deslocada me fantasiava de ateu.
Como quem dissesse no Carnaval: - "Aquele menino está fantasiado de palhaço!" Minha avó entendia de regências verbais. Ela falava de sério. Mas todo mundo riu. Porque aquela preposição deslocada podia fazer de ima informação um chiste. E fez. E mais: eu acho que buscar a beleza das palavras é uma solenidade de amor. E pode ser instrumento de rir. De outra feita, no meio da pelada um menino gritou: - "Desilimina esse, Cabeludinho" Eu não desiliminei ninguém. Mas aquele verbo novo trouxe um perfume de poesia à nossa quadra. Aprendi nessas férias a brincar de palavras mais do que trabalhar com elas. Comecei a não gostar de palavra engavetada. Aquela que não pode mudar de lugar. aprendi a gostar mais das palavras pelo que elas entoam do que pelo que elas informam. Por depois ouvi um vaqueiro a cantar com saudade: - "Ai morena, não me escreve, que eu não sei a ler". Aquele a preposto ao verbo ler, ao meu ouvir, ampliava a solidão do vaqueiro.