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terça-feira, 3 de setembro de 2013

UM OLHINHO, DOIS OLHINHOS E TRÊS OLHINHOS (conto)





UM OLHINHO, DOIS OLHINHOS E TRÊS OLHINHOS.
Irmãos Grimm

Era uma vez um homem que tinha três filhas. A primeira se chamava Um Olhinho, porque tinha um olho só, bem no meio da testa. A segunda era a Dois Olhinhos, porque tinha dois olhos, como todas as outras meninas. A mais moça era chamada de Três Olhinhos, porque tinha três olhos, um de cada lado e o terceiro no meio da testa. Como Dois Olhinhos não era diferente das outras pessoas, as irmãs e a mãe tinham ódio dela. E diziam:
- Você, com seus dois olhos, não passa de mais uma no rebanho! Não é uma de nós, não é diferente como nós.
E empurravam a irmã e a maltratavam, só davam trapos velhos para ela vestir, só deixavam as sobras para ela comer e faziam tudo o que podiam para infernizar a vida dela. Um dia, mandaram Dois Olhinhos ao campo tomar conta da cabra, mas ela ainda estava com muita fome porque as irmãs não tinham dado quase nada para ela comer. Ela se sentou junto de uma sebe e começou a chorar. Chorava tanto que dois riachos de lágrimas começaram a correr pelo seu rosto. De repente, num momento em que levantou a cabeça no meio de toda aquela tristeza, viu uma mulher parada a sua frente.
- Dois Olhinhos, por que é que você está chorando? - perguntou ela.
A menina respondeu:
- E como é que eu posso não chorar? Minha mãe e minhas irmãs não gostam de mim, só porque eu tenho dois olhos como todo mundo. Aí ficam me botando de castigo, só me vestem de farrapos e não me dão nada para comer, a não ser as sobras dos pratos delas. Hoje era tão pouquinho que eu estou morrendo de fome.
A mulher então lhe disse:
- Dois Olhinhos, enxugue as lágrimas. Vou lhe ensinar uma coisa que não vai deixar
você passar fome nunca mais. É só você dizer para a sua cabra: Linda cabrinha, põe a mesa bem bonitinha! Aí vai aparecer uma mesa posta, bem arrumada, com a melhor comida que houver e você vai poder comer tanto quanto quiser. Depois, quando você estiver satisfeita e não precisar mais da mesa, é só dizer: Linda cabrinha, leva a mesa bem bonitinha! E a mesa desaparecerá.
Dizendo isso, a mulher foi embora e Dois Olhinhos pensou: "Vou experimentar fazer isso agora mesmo para ver se é verdade, pois, que estou morrendo de fome." E disse como a mulher havia ensinado:
- Linda cabrinha, põe a mesa bem bonitinha!
Assim que acabou de falar, apareceu uma mesa toda arrumada, com uma toalha bem branca, um prato, talheres de prata e os pratos mais deliciosos no centro da mesa, bem quentinhos, como se tivessem acabado de vir direto da cozinha. Dois Olhinhos rezou a Ação de Graças mais curta que sabia:
- Deus querido, esteja sempre conosco. Amém!
E se atirou na comida. Saboreou cada bocadinho e, quando achou que já tinha comido o bastante, disse as palavras que a Mulher Sábia tinha ensinado:
- Linda cabrinha, leva a mesa bem bonitinha!
A mesa e tudo o que nela estava desapareceram instantaneamente e Dois Olhinhos ficou
muito feliz com esse presente e exclamou:
- Meu Deus! Que mesa maravilhosa!
De noite, quando voltou para casa, achou um resto de comida que as irmãs tinham deixado para ela numa tigela de barro. Mas nem tocou na comida, pois estava satisfeita com a boa comida que já havia saboreado. No dia seguinte, ela saiu de novo com a cabra e, na volta, outra vez nem tocou nas migalhas que as irmãs deixaram. Na primeira e na segunda vez elas nem prestaram atenção, porque, realmente, não se importavam com a irmã. Mas, quando isso começou a acontecer todo o dia, elas acabaram reparando e estranharam que a menina passava indiferente pelos restos de comida deixado por elas.
- Alguma coisa esquisita está acontecendo. - disseram.

- Dois Olhinhos costumava comer toda a comida que dávamos a ela e agora nem toca em nada. Deve ter descoberto outro jeito de comer.
Resolvidas a descobrir a verdade, decidiram que, quando Dois Olhinhos levasse a cabra para pastar, Um Olhinho ia seguir atrás para vigiar o que ela fazia e ver se alguém estava levando comida e bebida para ela. Quando Dois Olhinhos estava partindo, Um Olhinho foi até junto dela e disse:
- Acho que vou com você até o campo, para ter certeza de que a cabra está pastando direitinho e sendo bem cuidada.
Mas Dois Olhinhos sabia o que a irmã estava pensando e fingiu não se importar, foi com a cabra até o meio do capinzal alto e disse:
- Venha, Um Olhinho, vamos sentar que eu canto uma canção para você.
Um Olhinho sentou. Mas como não estava acostumada a andar e ficar no sol, naquele
calor, estava muito cansada. Dois Olhinhos ficou cantando e perguntou à menina:

- Um Olhinho, velas tu?
- Um Olhinho, dormes tu?
A menina cansada nem respondeu e Um Olhinho acabou fechando seu único olho e dormiu. Assim que Dois Olhinhos viu Um Olhinho dormindo sem poder ficar lhe espionando, disse:
- Linda cabrinha, põe a mesa bem bonitinha!
Sentou-se então junto à mesa posta e comeu e bebeu até se fartar e depois ordenou:
- Linda cabrinha, leva a mesa bem bonitinha!
E, num instante, tudo desapareceu. Em seguida, Dois Olhinhos acordou Um Olhinho e
disse:
- Um Olhinho, você ia tomar conta da cabra e veja o que aconteceu. Você dormiu. A
cabra podia ter saído correndo e sumido por aí. Venha, vamos voltar para casa.
E para casa foram. Mais uma vez, Dois Olhinhos não tocou na tigela de restos de comida, mas Um Olhinho não foi capaz de explicar à mãe e à Três Olhinhos por que é que a irmã não comia. Só conseguiu dar uma desculpa:
- Eu acabei dormindo por causa do sol...
No dia seguinte, a mãe disse a Três Olhinhos:
- Agora, desta vez, quero que você vá e vigie bem, para ver se alguém dá comida e
bebida a ela, porque ela deve estar comendo e bebendo escondido de nós.
Assim, Três Olhinhos foi até junto de Dois Olhinhos e disse:
- Acho que vou com você até o campo, para ver se a cabra está pastando direitinho e sendo bem cuidada. 
Mas Dois Olhinhos sabia o que andava pela cabeça dela. Levou a cabra até o capinzal
alto e disse:
- Venha, Três Olhinhos, vamos sentar que eu canto uma canção para você.
Três Olhinhos sentou. Mas, como não estava acostumada a andar e ficar no sol, naquele calor, estava muito cansada. Dois Olhinhos começou a cantar a mesma canção outra vez:
- Três Olhinhos velas tu?
Mas em vez de cantar: "Três Olhinhos, dormes tu?," como devia ter cantado, se distraiu e cantou:
- Dois Olhinhos, dormes tu?
Quer dizer, ficou cantando uma canção assim:
- Três Olhinhos, velas tu?
- Dois Olhinhos, dormes tu?
Então dois dos olhos de Três Olhinhos se fecharam e dormiram, mas o terceiro não, porque não foi mencionado na canção. Três Olhinhos fechou seu terceiro olho, como se ele também fosse dormir, mas era um truque, porque deixou uma fresta aberta e via tudo o que estava acontecendo. Quando Dois Olhinhos achou que Três Olhinhos já estava dormindo profundamente, disse seus versinhos mágicos:
- Linda cabrinha, põe a mesa bem bonitinha!
E depois de ter comido e bebido até se fartar, mandou a mesa embora de novo, dizendo:
- Linda cabrinha, leva a mesa bem bonitinha!
Mas Três Olhinhos tinha visto tudo. Depois Dois Olhinhos acordou a irmã e disse:
- Três Olhinhos, você não disse que ia tomar conta da cabra? Como foi então que você
dormiu? Vamos voltar para casa...
E para casa foram. Mais uma vez, Dois Olhinhos não comeu nada. Mas Três Olhinhos disse à mãe:
- Agora sei por que aquela peste não come nada. Ela diz à cabra: Linda cabrinha, põe a mesa bem bonitinha! E, num passe de mágica, aparece uma mesa posta com tudo o que precisa e a comida mais gostosa, muito melhor do que a que a gente tem aqui em casa e, depois que ela enche a barriga, diz: Linda cabrinha, leva a mesa bem bonitinha! E aí tudo desaparece. Eu vi tudo! Ela disse umas palavras mágicas e fez dois olhos meus dormirem, mas eu tive sorte e o do meio da testa ficou acordado e viu tudo.
Ouvindo isso, a mãe invejosa gritou para a filha:
- Que é isso? Você pensa que é melhor do que a gente? Mas não vai pensar muito
tempo...
Dizendo isso, pegou a faca da cozinha e enfiou no coração da cabrita, que caiu morta. Dois Olhinhos quase morreu de tristeza. Saiu para o campo, sentou no seu cantinho preferido e chorou lágrimas amargas. De repente, a Mulher Sábia estava de pé ao lado dela:
- Por que você está chorando, Dois Olhinhos? - perguntou ela.
- E a senhora não acha que não devo chorar? - perguntou a moça - Minha mãe matou a cabra que me trazia coisas tão boas para comer e agora vou ficar outra vez com fome e infeliz como sempre.
A Mulher Sábia disse:
- Dois Olhinhos, vou lhe dar um bom conselho. Peça a suas irmãs as tripas da cabra. Depois enterre as tripas no quintal, perto da porta da frente. Elas vão lhe dar sorte.
Dizendo isso, desapareceu. Dois Olhinhos foi para casa enxugando as lágrimas e pediu às irmãs:
- Queridas irmãs, será que eu não podia ficar com algum pedaço da minha cabra? Não estou pedindo os pedaços gostosos não. As tripas mesmo servem.
Elas riram e disseram:
- Se o que você quer são as tripas, pode ficar com elas.

E lhe jogaram as tripas da cabrinha morta. Dois Olhinhos pegou as tripas e, de noite, quando tudo estava sossegado, ela as enterrou perto da porta da frente, bem como a Mulher Sábia tinha aconselhado. Na manhã seguinte, quando todos acordaram e saíram, uma árvore maravilhosa tinha crescido no local. Tinha folhas de prata e frutas de ouro e nada no mundo poderia ser mais bonito ou mais esplêndido. Ninguém podia imaginar como é que uma árvore daquelas tinha brotado ali da noite para o dia. Só Dois Olhinhos é que sabia que ela tinha nascido das tripas da cabra, porque estava no lugar exato onde as tinha enterrado.
- Vamos filha, - disse a mãe a Um Olhinho quando acordou no dia seguinte e viu a maravilhosa árvore - suba nela e tire umas frutas para nós. 

Um Olhinho subiu na árvore, mas, quando tentou pegar uma maçã de ouro, o galho escorregou e saiu do seu alcance. E, toda a vez que ela tentava, acontecia isso. Por mais que ela se esforçasse, não conseguia pegar uma única maçã e acabou desistindo.
- Três Olhinhos, - disse a mãe - suba você agora. Na certa, com seus três olhos, vai conseguir enxergar muito melhor do que sua irmã.
Um Olhinho desceu da árvore e Três Olhinhos subiu. Mas não foi nem um pouco mais jeitosa do que a primeira e, apesar de toda a boa vista que tinha, as maçãs de ouro escaparam de suas mãos. Finalmente, a mãe perdeu a paciência e resolveu que ela mesma ia subir na árvore, mas não conseguiu também ser mais capaz do que Um Olhinho e Três Olhinhos e suas mãos só ficavam agarrando o ar em vez de colher as frutas. Depois de algum tempo, Dois Olhinhos, que assistia a tudo, perguntou:
- E se eu experimentasse? Talvez tenha mais sorte.
As irmãs gritaram:
- Você com seus dois olhos? Mas que bobagem!
Mas, apesar disso, Dois Olhinhos subiu na árvore e, em vez de fugir dela, as frutas vinham encontrá-la na metade do caminho. Pegou quantas quis e desceu com o avental cheio. A mãe pegou todas. Mas, em vez de tratá-la melhor por isso, ela e as irmãs ficaram com tanta inveja porque ela tinha conseguido colher as frutas, que passaram a ser ainda mais malvadas com ela do que de costume.
Acontece que, um dia, quando estavam todas juntas debaixo da árvore, aproximou-se
um jovem cavaleiro.
- Depressa! - gritaram as duas irmãs - Esconda-se, Dois Olhinhos, ou você vai fazer
nossa desgraça.
Rápidas como um raio, pegaram um barril vazio que estava ali por perto da árvore e jogaram por cima dela. Depois esconderam ali embaixo também algumas frutas de ouro que tinham acabado de colher. Quando o cavaleiro chegou mais perto, viram que ele era muito bonito. Ele parou para admirar a esplêndida árvore de ouro e prata e disse para as duas irmãs:
- De quem é essa árvore maravilhosa? Se alguém me desse um galho dela, eu daria
em troca qualquer coisa que essa pessoa quisesse.
Um Olhinho e Três Olhinhos disseram que a árvore era delas e tentaram tirar um galho para ele. Mas, por mais que fizessem força, não conseguiam, porque os galhos e as frutas se encolhiam e iam para longe delas quando se aproximavam. Finalmente, o cavaleiro disse:
- Se a árvore é de vocês, é muito esquisito que não consigam quebrar um pedaço dela. 

Mais uma vez elas disseram que a árvore era delas. Mas, enquanto falavam, Dois Olhinhos, que estava zangada com Um Olhinho e Três Olhinhos porque elas não estavam dizendo a verdade, empurrou algumas maçãs de ouro para fora do barril e elas rolaram para junto dos pés do cavaleiro. Ele ficou assombrado ao ver uma coisa daquelas e perguntou de onde vinham. Um Olhinho e Três Olhinhos explicaram que tinham outra irmã que não podia aparecer diante das pessoas porque só tinha dois olhos, como as pessoas comuns. Mas o cavaleiro insistiu em vê-la e acabou dizendo: 
- Dois-Olhinhos, apareça!
Confiante, Dois Olhinhos saiu debaixo do barril. O cavaleiro ficou maravilhado com a
beleza dela e disse:
- Tenho certeza de que você, Dois Olhinhos, vai poder tirar um galho da árvore para
mim.
- Acho que sim, - disse ela - porque a árvore é minha.
Subiu na árvore e não teve o menor problema para conseguir tirar um galho lindo, cheio de finas folhas de prata e frutas de ouro. Entregou-o ao cavaleiro e ele perguntou:
- O que é que você quer em troca, Dois Olhinhos?
- Meu Deus... - disse Dois Olhinhos - Tenho passado fome e sede, miséria e privações, desde que o dia amanhece até tarde da noite. Se o senhor puder me tirar daqui, me levar embora e me salvar disso tudo, ficarei muito feliz.
O cavaleiro levantou-a, montou-a em sua sela e a carregou para o castelo de seu pai, onde lhe deu roupas, comida e bebida, tanto quanto ela quisesse. E a amou tanto que se casou com ela, numa festa celebrada em meio a grande alegria.
Quando viram Dois Olhinhos partir com o cavaleiro, as duas irmãs a invejaram amargamente. "Mas, pelo menos," pensaram, "ainda temos a árvore maravilhosa. Mesmo que não consigamos colher as frutas, todo mundo vai parar para olhar, vai entrar para nos ver e vai elogiar suas maravilhas. Quem sabe a boa fortuna que isso não nos pode trazer?"
Mas, no dia seguinte, a árvore tinha desaparecido e suas esperanças se acabaram.
E, quando Dois Olhinhos olhava para fora de sua janela, tinha o grande prazer de ver a árvore diante de si, porque ela a tinha seguido até o castelo. Durante muito tempo, Dois Olhinhos viveu alegre e feliz.
Um dia, duas mendigas vieram pedir esmolas no castelo. Dois Olhinhos olhou para elas e reconheceu as irmãs, que tinham ficado tão pobres que iam de porta em porta mendigando pão. Dois Olhinhos que tinha bom coração lhes deu as boas-vindas, as recebeu com carinho e cuidou delas tão bem que elas se arrependeram sinceramente de todo o mal que tinham feito à sua irmã quando eram jovens.