ÁLBUM DE FAMÍLIA (AUGUST: OSAGE COUNTY)
Direção: John Wells
Elenco: Meryl Streep, Julia Roberts, Ewan Macgregor, Sam Shepard, Margo Martindale, Julianne Nicholson, Chris Cooper, Juliette Lewis
Estados Unidos/2012/ drama
Duração: 121 minutos
Abordar um tema complexo e multifacetado como família nem sempre é uma tarefa fácil, ainda mais no cinema que já experimentou diversas formas em demonstrar o que acontece da porta de fora para dentro de casa, quando a intimidade é revelada. Essa parece ser a proposta do diretor John Wells, que se baseou no livro de Tracy Letts, ganhador dos prêmios Tony e Pullitzer de 2008 com o livro AUGUST: OSAGE COUNTY, que também colaborou com o roteiro e conta a história de três irmãs que são convocadas a voltar para a casa dos pais após o pai alcóolatra abandonar a mãe viciada em drogas; nesse encontro surgem diversos conflitos e os segredos vão sendo revelados, ocasionando novos confrontos que não podem ser simplesmente ignorados.
“A vida é longa demais” é uma frase atribuída à T. S. Elliot, que o professor Beverly tenta explicar à nova empregada Johanna (Misty Uphan), que vai ser contratada para ajudar nos afazeres da casa e nos cuidados com a mulher portadora de câncer, desse modo vai contando a ela como sua vida foi se desmoronando com o passar dos anos e de como ele foi se tornando alcoólatra e sua mulher uma dependente química.
A mãe, com uma interpretação bastante convincente de Meryl Streep no papel de Violet, a matriarca da família, uma mulher ferina e amarga casada com Beverly (Sam Shepard) com quem têm três filhas, a mais velha Bárbara (Júlia Roberts), vive em outra cidade é casada e tem uma filha de quatorze anos, Jean (Abigail Breslin) com Bill, interpretado por Ewan Mcgregor, que mantem uma relação extraconjugal com uma mulher mais nova que a esposa, a relação entre a mãe e a filha não é das melhores, Bárbara acusa Bill de estar constantemente ausente e ser omisso e este, realmente, perante a filha assume uma posição absolutamente passiva, o que deteriora ainda mais a relação do casal, no entanto, os três partem juntos para a casa dos pais de Bárbara, lá se encontram com Ivy (Julianne Nicholson) que chamou as irmãs após o sumiço do pai e foi a única filha que não se afastou da antiga casa, pois, continua morando com os pais, mesmo sendo menosprezada e ridicularizada pela mãe, que a acha desengonçada e que precisaria se arrumar mais. Oculta de todos um romance secreto com seu primo o sensível Little Charles (Benedict Cumberbatch), outra figura igualmente desprezada, filho da tia Mattie Fae (Margo Martindale), irmã de Violet com Charles (Chris Cooper) casados há 38 anos, Charles protege o filho do desprezo da mãe, que se lamenta do filho dizendo a seu respeito: “Já desisti dele há muito tempo”. A esse grupo também surge Karen (Juliette Lewis), a irmã caçula, acompanhada do mais recente namorado (Dermot Mulroney), que apresenta a todos como noivo e com quem tenciona casar-se em breve.
A situação parece piorar ainda mais quando descobrem que o pai desaparecido é encontrado morto, vítima de suicídio e agora precisam decidir o que fazer com a casa e com a mãe que é viciada em drogas e que nunca teve uma relação amável com nenhuma das filhas. Existe uma significativa polaridade entre as figuras femininas que são, em sua maioria, muito mais fortes, decididas e vorazes comparadas com os personagens masculinos, geralmente frágeis, inseguros e instáveis, o que realça ainda mais os conflitos, conforme as revelações e os segredos começam a serem revelados. As relações entre as mães e os filhos são recheadas de crueldade e ressentimento, principalmente de Violet com as filhas, quando acusa a primogênita por ter abandonado a casa, para inconformidade de seu pai, ao desqualificar a sensibilidade de Ivy e desconsiderar as escolhas de Karen, que julga leviana e imatura. Tia Mattie Fae como mãe de Little Charles, também não poupa o filho fazendo questão de externar a sua opinião pouco elogiosa sobre ele. As raras demonstrações de carinho são sobrepostas pela relação perversa e sádica como, por exemplo, durante o jantar após o funeral de Beverly, com todos sentados à mesa, nas opiniões ferinas de Violet: “Eu só digo a verdade”, e como que justificando sua absoluta indiferença pelos demais, completa: “Algumas pessoas se ofendem com a verdade”; quando expõe seu desprezo pela empregada indígena, ou quando confronta a filha mais velha perguntando sobre a infidelidade do marido com uma mulher mais jovem diante de todos e sentencia dizendo a ela que “Você já está em desvantagem”.
“No meu tempo a família permanecia junta” dispara a matriarca para todos, intimando-os e exigindo que todos permaneçam juntos, impassíveis e aceitem os fatos como são sem questionamentos ou julgamentos, relembrando dos tempos difíceis que ela mesma viveu quando jovem comparando com a vida mais facilitada que as filhas puderam usufruir, justificando talvez, suas palavras duras, a perversidade e a crueldade com que foi tratada quando criança e como repetiu o mesmo com suas próprias filhas. Voltando novamente a frase inicial, a longevidade da vida poderia também ser aproveitada para redimensionarmos aquilo que deixamos de fazer, não como arrependimento, mas como uma nova possibilidade de fazer algo novo, de transformar, de experimentar algo novo, de fazer algo diferente, enfim. A vida, como dizia o poeta americano é longa demais, mas nossa alma latina pode lembrar o que dizia nosso antepassado português: “Navegar é preciso, viver não é preciso”, nesta imprecisão, nesta incerteza existe a riqueza da vida e da contribuição de seus diversos protagonistas e novamente citando Elliot que também dizia: “Só os que se arriscam a ir longe demais são capazes de descobrir o quão longe se pode ir”, demonstrando mais uma vez, como no início, que as coisas nem sempre são fáceis, mas podem ser absolutamente simples.
José Carlos Machado.