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sexta-feira, 17 de janeiro de 2014

CONVERSANDO COM OS PAIS - O choro do bebê









O casal entra no consultório com seu filho de quatro meses, fisicamente parece que o bebê está bem, amamentado exclusivamente com leite materno, com desenvolvimento adequado, tinha acabado de mamar e agora dorme tranquilamente no colo da mãe, que se acomoda no sofá com cuidado para não despertar o bebê que é uma menina de aparência forte e saudável.
Seus pais estão muito orgulhosos com o primeiro filho, dizem que chora muito pouco, ambos concordam que a filha é a melhor coisa que aconteceu na vida deles e o pai se apressa em dizer que o bebê quase não dá trabalho, mas a mãe o interrompe garantindo que a filha passa o dia inteiro no colo e que só não chora porque fica no seio a maior parte do tempo e arremata, dizendo para mim, procurando um aliado: - "Para ele é tudo moleza!" 
Dizem também que estão muito preocupados com o futuro da filha, o pai quer saber quais vacinas ainda precisam ser aplicadas e a mãe se diz preocupada com a possibilidade de diminuir o leite materno e a criança passar fome e como fazer para que fique menos tempo no colo sem chorar, porque não suporta vê-la sofrer.
A mãe quer saber sobre a natureza dos choros e descreve que fica muito angustiada quando o bebê começa a chorar, pois fica aflita por achar que o choro se refere a algum sofrimento que desconhece e isso a incomoda muito, então, instintivamente, coloca-a no seio e, desse modo, a filha parece se acalmar e assim passa grande parte do dia, a mãe comenta que desse modo a criança fica menos irritada e mama melhor, o que a tranquiliza, o pai concorda com o procedimento da mãe e tem questões bem específicas sobre as vacinas e quer saber o que devem fazer e como proteger seu bebê e ainda quais os cuidados que precisam ter com as doenças que podem acometer a saúde da filha; preocupa-se muito com infecções e questões de higiene; nesse ponto divergem um pouco, pois o pai considera que a criança precisa ser imunizada e é favorável a que sejam utilizadas vitaminas e analgésicos e a mãe, por sua vez, defende que a criança é ainda muito pequena e que deveria tomar o mínimo possível de remédios e, se possível, reduzir a vacinação ao mínimo necessário, já que está sendo protegida com o uso de leite materno. São visões e opiniões diferentes a respeito da vida do bebê, existe um confronto entre os dois e delegam a mim a decisão sobre a melhor conduta que deveriam tomar.
Logicamente, as preocupações dos pais são legítimas e válidas, não me parece ser o caso de justificar essas apreensões pelo simples fato de ser esse o primeiro filho do casal, sendo a inexperiência e o ineditismo as únicas justificativas, pois é comum que todos os pais queiram saber o que poderá acontecer aos seus filhos e qual a melhor maneira de evitarem algum contratempo com que venha ocorrer, mas talvez pelo fato de serem mais inexperientes, é natural que considerem o choro como algo assustador, ou na fala da própria mãe quando descreve a filha incomodada: – “É um choro tão intenso, que parece que ela está sentindo alguma dor, mas não sei onde e então fico desesperada”. E pergunto: - “E o que é que você faz nessas horas?” - “Eu a coloco para mamar e mesmo assim ela resiste, mas depois insisto e ela acaba sossegando no peito...”, diz conformada. O pai concorda com a descrição da mãe e se diz incomodado com essa cena repetitiva que não consegue presenciar e quer saber o que poderiam fazer para que a filha não sofresse tanto: - "Existe algum remédio para isso?", ele me questiona. 
A questão aqui é que dificilmente poderemos dar a tranquilidade que esses pais tanto anseiam, pelo menos não de uma maneira mágica e imediata. Responder com absoluta convicção um caminho seguro a ser seguido, quanto mais oferecer um medicamento para isso, não se trata de algo que deveríamos nos comprometer ou iludir. Poderemos sim falar sobre isso, sobre as angústias que todos pais têm a respeito da saúde de seus filhos, opinar sobre algumas possibilidades que possam gerar esse desconforto, mas o que me parece ser particularmente significativo é tentar entender o que afinal gera tamanha frustração e ansiedade nos adultos quando ouvem o choro de um bebê, como no caso desse casal. Lógico que associamos isso como algo desagradável e desconfortável, certamente, deflagrando em nós a impotência de cessar esse desconforto e, geralmente ficamos frustrados, como no caso dessa mãe, e deixamos o desespero nos invadir e nos paralisar, mas também não podemos esquecer que é uma manifestação natural dos bebês e os pais, como nesse caso, ficam em saber como agir e procuram respostas e soluções imediatas e, se possível, garantias que não terão mais que passar por isso. 
Na verdade, imagino que seria esse o objetivo não revelado da consulta quando me procuraram, pois, gostariam mesmo era de perguntar: - “O que precisa ser feito para o bebê não chorar e não termos que passar por isso?”  
Ficam mais frustrados ainda quando lhes digo que desconheço um caminho fácil e seguro que conduza a criança a um futuro feliz, tranquilo, sem choros e sem contrariedades, principalmente porque também faz parte do papel dos pais aprender a lidar com esses descontentamentos e nesse pacote, precisam aprender a abrir mão de algum conforto próprio como, por exemplo, suportar o desconforto de ver seu filho chorando.
Explico melhor, não existem garantias nessa área, pelo menos, não absolutas, o que para alguns pais é algo absolutamente angustiante, porque evoca uma possibilidade, mesmo que remota, de que seu filho possa apresentar algum problema e então eles tentam fechar todas as portas para que isso não aconteça, as crianças então passam a ser super imunizadas e sobrecarregadas com um excesso de medicamentos, muitas vezes desnecessário na tentativa de impedir qualquer contratempo que possa ocorrer; não se trata tampouco de tomar uma conduta displicente ou naturalista, mas enfatizar o bom senso, transferindo também para os pais que as escolhas que fizerem, sejam quais forem, irão, certamente, gerar situações que talvez não o seja ideal para a criança e eles mesmos não consigam lidar, tanto pelo excesso como também pela falta.
Esse casal que descrevo, assim como tantos outros, tem opiniões antagônicas em relação a muitas coisas significativas na vida do bebê, que começam a surgir no dia a dia na vida familiar, esses conflitos existem naturalmente e caso não sejam resolvidos ficarão cada vez mais isolados um do outro e os planos que fizeram em criar o filho juntos, de comum acordo, acabará se distanciando. É preciso certa dose de coragem para enfrentar isso, mas também de confiança e acreditar na força e no elo que a família vai formando, onde um apoia o outro e o processo criativo vai se consolidando cada vez mais, sem muitas garantias talvez, mas, certamente com esperança de que juntos conseguirão bons resultados, apesar das dificuldades e do desconhecido que virá pela frente.
O pediatra poderá sim opinar a esse respeito, ter compaixão e ser um ouvinte sincero e dizer também com consciência aquilo que pensa, falar sobre sua experiência, enfim, se solidarizar com essa família; mas deve, sobretudo, deixar que a família decida e escolha o seu próprio caminho, uma coisa é indicar uma conduta independente da participação do casal, outra é fazer com que os pais também se impliquem com as escolhas que venham a fazer em relação aos filhos, sejam quais forem, desse modo, os radicalismos de ambos os lados, também podem ser discutidos e analisados com mais critério, desde que aja um comprometimento, uma escolha consciente. 
Assim sendo, prescrever um analgésico ou um antitérmico caso a criança tenha dor ou febre quando for vacinada ou quando sofrer um acidente, o que é certo ou o que está errado, poderia ser ampliado ao se questionar qual o verdadeiro temor desses pais, ou seja, qual a natureza dessa angústia que tenta impedi-los de presenciar algum desconforto nos filhos, chegando às vezes a uma manipulação excessiva e desnecessária, quando talvez condutas mais simples e intuitivas pudessem surtir o mesmo efeito e de uma maneira muito menos ansiogênica, principalmente se estiverem juntos e amparados um no outro. Realmente, não existem garantias e as crianças nos trazem esses desafios e esses questionamentos diariamente, para desespero dos pais, mas isso é outra história.

Dr. José Carlos Machado - pediatra e médico escolar.