DIFICULDADE COM O SONO
A
mãe me liga pedindo uma consulta para seu filho de sete anos, conta que teve
indicação de meu nome através de uma conhecida comum que, justamente me
procurou por um problema semelhante: a dificuldade da criança dormir sozinha em
seu próprio quarto aguardando ansiosa por uma solução para essa situação que
segundo ela “Já está se prolongando
demais!”. Marcamos um encontro para o dia seguinte e pergunto se o pai
também poderia comparecer, mas sinto um estranhamento por parte dela com
minha pergunta (que considero bastante natural, visto que essa dificuldade
deveria afetar toda a família, pensava), mas sua colocação foi dizer, referindo-se ao marido: - “Ele dorme a noite toda e nem liga pra isso”.
Fiquei imaginando então o que me aguardava.
Dificuldade
com o sono parece ser uma queixa cada vez mais comum, crianças que têm suas
atividades escolares no período da tarde, como no caso desse menino, costumam
não ter um ritmo diurno e costumam acordar mais tarde e com isso também dormem
mais tarde também, justificando que seus compromissos são após o almoço, as manhãs são "encolhidas" ou talvez, melhor definindo, pouco aproveitadas. Nesse caso, como exemplo, a criança acordava depois das nove
e meia da manhã e dificilmente dormia antes da meia-noite e ainda dormia
frequentemente na cama dos pais, ou em raras exceções dormia na sala e era
levada até o seu quarto, mas no meio da noite ia visitar a cama dos pais e por
lá permanecia até a manhã seguinte. A mãe refere desconforto com essa situação,
um pouco embaraçada, confessa que embora seja desagradável repartir a cama com
o filho, que “se mexe muito e não pára quieto”;
sente-se sozinha nessa preocupação, pois o marido parece não se importar tanto com
isso e referindo que a criança ainda é muito pequena e que “mais cedo ou mais tarde ele irá aprender a ficar na sua cama sozinho”.
Durante
a consulta a criança ficou quase que o tempo inteiro no colo da mãe, que veio
sem a companhia do marido, alegando que estava trabalhando naquele horário. Embora seja comum essa desconfiança infantil no início da consulta, por se
tratar de um lugar diferente e novo, me chama atenção o grau de simbiose que
parece acontecer entre aquela dupla e como me pareceu ser bastante óbvio que
essa parelha não conseguiria se separar tão facilmente por um período tão longo
como o sono noturno, ainda mais quando a mãe justificava que o filho era ainda
muito pequeno e que tinha medo de escuro, embora confessasse que esse temor
também ela própria experimentava e aguardando que com o tempo as coisas se resolvessem.
Sua expectativa é que houvesse algum tratamento para isso, talvez algum medicamento, de preferência natural, que fizesse o menino dormir tranquilo, em seu próprio quarto.
Sua expectativa é que houvesse algum tratamento para isso, talvez algum medicamento, de preferência natural, que fizesse o menino dormir tranquilo, em seu próprio quarto.
As
soluções mais simples, nem sempre são as mais fáceis, mas é preciso colocar
algumas questões em casos assim, como, por exemplo, dar a devida importância à
cama dos pais que não deveria ser repartida com seus filhos, nesse aspecto
muitas considerações poderiam ser observadas, como álibi justificável para
que o casal adie sua própria relação matrimonial e tenha uma vida sexual
preservada e privada, ou ainda o incomodo causado por esse vínculo tão intenso
e que necessitaria de alguma intervenção, através do apoio paterno. Sabemos da importância do elo entre a
mãe e seu filho, que visceralmente até se justifica através da gestação, se
prolongando com o aleitamento e que conforme a criança vá crescendo possa experimentar
outras relações e essa ligação vá adquirindo também contornos menos simbióticos.
Isso aparenta ser mais tranquilo quando observado de fora e nem sempre é fácil
mudar esse quadro, ainda mais quando uma das partes está sozinha e sem saber como agir, como,
infelizmente é comum.
O
processo de socialização da criança passa de um ambiente doméstico para o
coletivo, quando começa a frequentar a escola com a possibilidade de encontrar
novas relações e experimentar a novidade, fora do seu ambiente que é seguro e
conhecido, esse novo espaço, também causa estranhamento e tem lá seu aspecto
assustador, mas é preciso conduzir a criança a esses novos desafios, como à
noite assegurar que ela pode dormir sozinha em sua cama, que estará protegida,
que o escuro pode ser iluminado e que enfim algo precisa mudar. Logicamente que
essa tarefa seria muitíssimo mais facilitada com a presença do casal, que solidário com a preocupação comum visa não só o bem estar da criança,
mas a harmonia familiar, enfim uma cumplicidade é necessária no processo criativo, afinal o ritmo fisiológico precisa ser preservado e
essa também é tarefa dos pais, assim como introduzir seus filhos à vida fora de
casa, com critério, com consciência, mas, sobretudo com coerência e isso não
pode ser adiado e prolongado demais, porque os prejuízos não ficam somente na superfície, mas outras implicações psíquicas também poderiam ser resguardadas se os ambientes fossem respeitados.
A criança deveria ter a vivência de brincar e experimentar coisas no seu quarto, lá poderia construir castelos e sonhos e ouvir histórias contadas pelos pais, desse modo esse ambiente vai se tornando acolhedor e familiar, ao invés da sala, na frente da televisão, ou na cama dos pais. Histórias contadas no quarto da criança, com ela deitada em sua cama, tem um significado bastante distinto comparado com outra fora desse ambiente. Também é uma das tarefas dos pais tornar esse local de convívio cativante e acolhedor para seus filhos, mas para isso também precisam abrir mão do seu conforto pessoal e da letargia em considerar que as coisas um dia acabam mudando, certamente, mas algumas vezes com sequelas nem sempre agradáveis e que poderiam ser conduzidas de um modo mais apropriado e coerente.
Dr. José Carlos Machado - pediatra e médico escolar.
A criança deveria ter a vivência de brincar e experimentar coisas no seu quarto, lá poderia construir castelos e sonhos e ouvir histórias contadas pelos pais, desse modo esse ambiente vai se tornando acolhedor e familiar, ao invés da sala, na frente da televisão, ou na cama dos pais. Histórias contadas no quarto da criança, com ela deitada em sua cama, tem um significado bastante distinto comparado com outra fora desse ambiente. Também é uma das tarefas dos pais tornar esse local de convívio cativante e acolhedor para seus filhos, mas para isso também precisam abrir mão do seu conforto pessoal e da letargia em considerar que as coisas um dia acabam mudando, certamente, mas algumas vezes com sequelas nem sempre agradáveis e que poderiam ser conduzidas de um modo mais apropriado e coerente.
Dr. José Carlos Machado - pediatra e médico escolar.