MEU FILHO ESTÁ SEMPRE DOENTE!
Curioso como
essa frase é cada vez mais ouvida nas rodas de conversas e nos encontros dos
pais quando vem buscar seus filhos na escola. Também ouço muito essa queixa no
meu consultório. E isso realmente procede, muitas crianças permanentemente
doentes. Será possível que com todo aparato tecnológico que dispomos atualmente
as crianças fiquem assim tão expostas e constantemente doentes? Infelizmente sim.
Existem causas de natureza biológica, ligadas às questões de imunidade e
alimentação, mas não podemos desconsiderar o fato que uma grande quantidade de
crianças encontram-se muito adoecidas, ou no linguajar que muitas vezes
ouvimos, tentando resumir o quadro: - Essa criança está muito desvitalizada! Realmente estão e seria interessante
considerarmos um pouco sobre isso.
O chamado corpo etérico ou corpo vital tem a função de revestir e proteger, vamos entender assim, a corporalidade física, mas precisa também
ser tratado e guarnecido, para isso precisamos cuidar do ritmo de vida, uma criança
que é agitada, que pula, brinca, corre e está o tempo todo em alguma atividade,
acaba desgastando essa vitalidade caso não tenha uma quantidade de horas para
dormir e revitalizar-se, também é importante observarmos a qualidade desse sono,
porque um sono agitado, interrompido muitas vezes e nos casos daqueles que
adiam quanto podem ir para a cama ou que só dormem na cama dos pais, esse ritmo
precisa ser trabalhado se quisermos interferir na doença crônica das crianças,
sono por exaustão é diferente de sono bom. Os antigos diziam que “uma boa noite
de sono ajuda a curar” e tinham razão quando pensamos que o corpo precisa
descansar para se reequilibrar para a jornada do dia seguinte, a vitalidade
para se reconstituir precisa de ritmo, precisa de tempo e esse é o grande
problema da nossa época, nos falta tempo para quase tudo e as crianças, de um
modo geral, também não tem tempo para, por exemplo, ficarem sem fazer nada
olhando para o céu, ou brincarem sozinhas, parece desperdício ficar assim sem
fazer nada e lá vem atividade para “passar o tempo” e as propostas oferecidas
(principalmente as virtuais), estimulam e desgastam mais ainda e à noite o dano
é maior, pois ficam muito despertas e o ritmo do sono fica prejudicado, existe
um ritual aqui que deixa de ser cumprido e em sua ausência desaprende a dormir
cedo e incorpora em sua rotina o mesmo ritmo caótico dos adultos. Observamos que
no final do dia acontece uma série de fatores que se somam e atrapalham essa preparação.
Em muitas famílias esse é o horário que todos novamente se encontram, o pai
volta do trabalho, muitas mães também trabalham fora e os filhos ficam fora de
casa um bom tempo, seja na recreação da própria escola, ou em outras atividades
(judô, natação, sessões de fonoaudiologia, psicólogo, etc.), todos chegam
exaustos de tanta coisa e ainda existem as atividades domésticas. Enquanto os
pais preparam o jantar a criança pode se distrair vendo um vídeo no computador,
isso se ela já não voltar dormindo no banco do carro e esse cochilo acabar
empurrando o sono mais para frente ainda. Essa rotina vai se estabelecendo e
tudo vai se ajeitando caoticamente assim, mas não seria interessante observar
que quando aparecem situações que passam da conta vale a pena considerar se
esse provisório já não está se tornando definitivo demais e tentar mudar isso?
No meu modo de
pensar a família é a prioridade, então vamos eleger a criança como a grande
preocupação, algumas escolhas devem ser feitas, portanto, mesmo muito cansados
depois do trabalho, o desejo dos pais de ficar na frente da televisão ou de ler
todas as mensagens do celular e de verificar o face book devem ser postergados,
sendo a criança a nossa maior prioridade, podemos perguntar a ela como foi seu
dia, ajuda-la com o banho, incentivando para que ajude no jantar, que guarde
suas roupas e prepare a sua mochila para o dia seguinte, trocar tudo isso por
um jogo de videogame ou por um filminho não contribui com esse relaxamento que
a criança precisa para se desligar de todas as emoções e atividades que viveu
durante o dia, quando os pais começam a se preocuparem com isso, as coisas
igualmente também tendem a mudar, a família começa a se compartilhar. Dá
trabalho, mas vale a pena.
O tempo
justamente nos escapa das mãos porque o desperdiçamos com coisas tolas e fúteis
que atualmente fazem parte de nosso cotidiano e ficamos tão absortos com isso
que simplesmente somos engolidos por ele; lembro-me de algumas passagens da
minha infância e faço isso como modelo não como saudosismo, que as tardes naquela
época eram arrastadas e modorrentas, mas cabiam as lições de casa, depois ler
os gibis e ainda brincar com vizinhos e conversar com a minha mãe e depois
ainda esperar meu pai que trazia as novidades do mundo lá de fora, dava tempo
prá isso tudo e também ouvir história antes de dormir, no dia seguinte tudo
isso se repetia e parece que o tempo era mais camarada com a gente. De fato,
nossas crianças dispõem de muitas opções de brinquedos, informações e recursos
tecnológicos que antes, mas o material humano ainda é o mesmo, ainda existe um
pai, uma mãe, uma criança que convivem na mesma casa como antes, mas que parece
que não tem oportunidade de usufruírem essa coisa bonita e gostosa que é a
família, porque a menos que consideremos o tablet, a tv e o celular como nossos
familiares, as crianças de carne e osso, os nossos filhos ainda precisam de
atenção e não de uma observação breve entre um link e uma curtida virtual, isso
sim rouba o nosso tempo e instala algo que ouvimos muito como queixa: - Estou
entediado e não tenho mais nada pra fazer! Pois bem, hoje as pessoas reclamam
disso e os pequenos que nos ouvem reclamar repetem a mesma queixa, estamos
criando uma geração de crianças entediadas que não sabem viver sem seus
aplicativos eletrônicos.
Crianças que
apresentam resfriados constantes ficam prostradas e sem apetite, desanimadas,
desvitalizadas como nos referimos antes, precisam de uma boa qualidade de vida
e isso significa que a qualidade do seu tempo precisa ser igualmente saudável,
se tiver muitas coisas para fazer, experimente diminuir suas atividades, assim
como diminuir seu tempo na frente da TV, chame-a para ajudar nas tarefas
domésticas, criança adora ajudar, mas precisa insistir e até mandar se for o
caso, mas não aceite que seu filho faça você se sentir culpado pelo tédio dele,
nesse caso “a necessidade é a mãe da invenção” (outro desses ditados antigos),
a solução mais fácil, nem sempre poderá ser a melhor escolha, quando a criança
entende que dependendo do seu queixume as coisas acontecem e o ganho secundário se justifica e isso se torna um “ciclo
vicioso doentio” difícil de sair, em outras palavras, quando surge esse tédio e
o presente é brincar um pouquinho com o celular até os pais terminarem as suas
atividades, a criança aprende também que para conseguir as coisas é preciso
barganhar e essa é uma combinação infeliz. Sugiro que aqueles que têm uma
grande dificuldade de negar as coisas para seus filhos seja por culpa ou
incapacidade de lidar com a frustração deles, que se lembrem de seus tempos de
criança, porque essas inovações tecnológicas são relativamente recentes e a
maioria dos pais de hoje não tiveram esse acesso quando crianças, quem sabe a
própria biografia pessoal não possa indicar um caminho, nem sempre o mais
fácil, mas, certamente, mais simples
Aí vem a pergunta: - Mas o que eu faço com a criança doente doutor?
- Fica junto dela, abra mão dos seus compromissos e cuide dela, ofereça a sua atenção e faça-a entender que ela pode confiar em você, que você estará ali ao seu lado e que ela irá melhorar.
Isso é terapêutico, os remédios e a ajuda do médico são muito bem vindos, mas a presença desse cuidador amoroso faz toda a diferença, muitas vezes eu peço para que os pais lembrem de sua infância e tragam situações curiosas para contar aos seus filhos, bons contos também são excelentes remédios, podemos transformar essa "pausa" para nos aproximar mais de nossas crianças, muitas vezes é exatamente esse o significado daquela alteração, uma pausa para "recarregar" a vitalidade.
Rubem Alves,
como poeta, uma de suas tantas atividades, dizia que: “A borboleta passa por
diversas fases de vida, por diversas transformações antes de se tornar aquilo
que é”, isso precisa de tempo, ou seja, a infância está cada vez mais curta e
doentia, justamente devido à precocidade com que permitimos que as crianças se
transformem em mini adultos, cheias de coisas para fazer, de compromissos e sem
tempo de serem apenas crianças.
Dr.
José Carlos Machado – médico escolar.
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Médico na Escola
Dr José Carlos Machado
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