O FILHO DE MIL HOMENS
Valter Hugo Mãe.
Cosac Naify, São Paulo, 2012.
204 páginas
Crisóstomo chegara aos quarenta
anos e assumira a tristeza de não ter um filho. Seus amores falharam e achava
que tudo lhe chegara à metade do corpo a casa, dos dias às pessoas. Achava tudo
demasiado breve, precipitado, como se as coisas lhe fugissem evitando a sua
companhia, desse modo via-se pela metade no espelho porque se via sem mais
ninguém.
Um dia comprou um boneco de pano
e abraçava-o sentado ao sofá imaginando como se fosse um filho de verdade,
afagava-lhe os cabelos e começava suas conversas com o boneco dizendo: - Sabes
meu filho. Queria dizer “meu filho” como se a partir da pronúncia dessa palavra
pudesse criar alguém.
Crisóstomo começou a pensar que
os filhos se perdiam e imaginava crianças sozinhas como filhos à espera. Era um
pescador às pessoas que os amores lhe tinham falhado, mas que os amores não destruíam
o futuro. E sonhava tão grande que cada impedimento era apenas um pequeno
atraso, nunca a desistência ou a aceitação da loucura. Pensava que quando se
sonha tão grande a realidade aprende.
Esse é o começo dessa história
que o escritor Valter Hugo Mãe, angolano de nascimento e vivendo atualmente em
Portugal, em que narra de uma maneira muito tocante a trajetória de um pescador
que vivia sozinho, mas que mesmo assim acredita no seu sonho de ter uma família
e vai procurando preenche-la de uma maneira comovente e sincera. Então o
preconceito, o machismo, a solidão e a família são temas aqui retratados sob um
olhar sutil e envolvente à medida que vão surgindo os personagens bem
construídos e sensíveis e que vão contribuindo com a construção dessa família
sonhada pelo pescador, cujo objetivo é alcançar a felicidade.
Valter Hugo foi ganhador do Prêmio
Literário José Saramago em 2007 e foi o próprio escritor português que definiu
a leitura de seus livros como a experiência de “assistir a um novo parto da
língua portuguesa”. Esse é um bom exemplo de seu trabalho, um daqueles livros
que nos trazem o bem vindo incomodo de nos propor uma transformação e assim o
autor define a nossa comum genealogia: “Todos nascemos filhos de mil homens e de
mil mães e a solidão é sobretudo a incapacidade de ver qualquer pessoa como nos
pertencendo, para que nos pertença de verdade e se gere um cuidado mútuo. Como se
os nossos mil pais e mais as nossas mil mães coincidissem em parte, como se
fôssemos por aí irmãos, irmãos uns dos outros. Somos o resultado de tanta
gente, de tanta história, tão grandes sonhos que vão passando de pessoa à
pessoa, que nunca estaremos sós”.
Quando temos a chance de ler
livros assim parece mesmo que nunca mais estaremos sós.
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