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quarta-feira, 14 de novembro de 2018

PÁSSARO DE OURO (conto)






Houve, uma vez, um rei que possuía, atrás do castelo, um belíssimo parque, no qual havia uma macieira que dava maçãs de ouro. Quando as maçãs ficaram maduras, contaram-nas todas, mas, logo na manhã seguinte, faltava uma. Avisaram o rei e ele ordenou que todas as noites ficasse um guarda vigiando debaixo da macieira.
O rei tinha três filhos: ao anoitecer, mandou o mais velho ficar no jardim, mas este, à meia-noite, não pôde resistir ao sono e, na manhã seguinte, faltou mais uma maçã. Na outra noite, foi a vez do segundo ficar de guarda, mas não teve melhor sorte: quando soou meia- noite, adormeceu e, pela manhã, faltava outra maçã. Chegara à vez do terceiro, mas o rei não confiava muito nele, pensando que faria ainda menos que os irmãos; contudo, acabou por consentir que ficasse vigiando. O jovem deitou-se sob a macieira e velou sem deixar-se vencer pelo sono. Quando bateu meia-noite, percebeu no ar um ruflar de asas e, à claridade da lua, viu chegar um pássaro voando, cujas penas cintilavam como ouro.
O pássaro pousou na árvore e tinha apenas desprendido uma maçã com o bico, quando o jovem lhe atirou uma seta. O pássaro fugiu, mas a seta atingira-lhe as penas de ouro, deixando cair uma no chão. O jovem apanhou-a e, na manhã seguinte, foi levá-la ao rei, narrando-lhe tudo o que ocorrera durante à noite.
O rei convocou o conselho, e os ministros todos afirmaram que uma pena dessas valia mais do que o reino todo.
- Se esta pena é tão preciosa, - disse o rei, - de que vale possuir uma só? Eu quero o pássaro inteiro e hei de consegui-lo.
O filho mais velho, pôs-se a caminho e, confiando na própria inteligência, ia com a certeza de encontrar o pássaro de ouro. Após ter caminhado bom trecho, avistou uma raposa à entrada da floresta; apontou sobre ele a espingarda para atirar, mas a raposa gritou:
- Não atire, eu te darei um bom conselho. Sei que vais a busca do pássaro de ouro; hoje, à noite, chegarás a uma aldeia onde há duas estalagens, uma em frente da outra. Uma delas é bem iluminada e oferece ambiente alegre, mas não entres nela, vai para a outra, embora tenha aspecto feio e pouco acolhedor.
 “Como pode, um animal tão estúpido, dar conselhos acertados!" pensou o príncipe, e atirou, mas errou o alvo. A raposa esticou o rabo e correu para a floresta. Ele prosseguiu caminho e, à noite, chegou à aldeia onde estavam as duas estalagens; numa cantavam e dançavam; a outra tinha aspecto pobre e tristonho. "Eu seria um grande louco, - pensou ele, - se fosse para aquela estalagem miserável, em vez de ir para esta outra bem melhor." Assim, entrou na que se apresentava alegre e festiva e lá, todo entregue aos prazeres, esqueceu-se do pássaro, do rei e de todos os bons preceitos.
Após certo tempo, vendo que o irmão mais velho não voltava o segundo pôs-se a caminho à procura do pássaro de ouro. Tal como seu predecessor, encontrou a raposa, que lhe repetiu o bom conselho, mas ele não lhe deu atenção. Chegou ao local das duas estalagens e, daquela em festança, surgiu o irmão na janela chamando-o. Ele não pôde resistir, entrou e entregou-se aos divertimentos.
Decorrido mais algum tempo, o menor dos três irmãos quis, por sua vez, tentar a sorte, mas o pai não queria permitir, dizendo aos que o cercavam:
- É inútil. Se os irmãos não encontraram o pássaro de ouro, muito menos o encontrará este; além disso, se lhe acontecer alguma complicação, não saberá como sair-se dela; falta-lhe um "parafuso"!
Mas, por fim, para que o filho o deixasse em paz, deixou-o partir. À entrada da floresta estava a raposa, a qual lhe suplicou que lhe poupasse a vida e deu-lhe um bom conselho. O jovem príncipe era generoso e respondeu:
- Fica sossegada, raposinha, não te farei mal algum.
- E não te arrependerás, - respondeu a raposa; - se queres chegar mais depressa, monta na minha cauda.
Assim que o príncipe se instalou na cauda da raposa, ela deitou a correr desabaladamente, com os cabelos zunindo ao vento. Quando chegaram à aldeia, o jovem desmontou e seguiu o conselho dado; sem olhar para nenhum lado, entrou na estalagem indicada, onde pernoitou tranquilamente. Na manhã seguinte, quando chegou ao meio do campo, a raposa já estava lá e
- Vou ensinar-te o que deves fazer. Anda sempre direito para frente, chegarás finalmente a um castelo, na frente do qual encontrarás um batalhão de soldados. Mas não receies nada, porque estarão todos dormindo e roncando; passa no meio deles, entra diretamente no castelo e atravessa todas as salas, até chegar àquela onde está dependurada uma gaiola de madeira com o pássaro de ouro dentro. Aí perto, bem à mostra, encontrarás uma gaiola de ouro vazia; não queiras tirar o pássaro da gaiola feia para pô-lo na outra preciosa: poderia ser-te fatal.
Tendo dito isso, a raposa esticou, novamente, a cauda e o príncipe montou nela; depois, com o vento zumbindo por entre os cabelos, desabalaram em carreira vertiginosa. Chegando ao castelo, o príncipe encontrou tudo, exatamente, como lhe havia dito a raposa. Entrou na sala onde estava o pássaro na sua gaiola de madeira, tendo ao lado a gaiola de ouro; viu as três maçãs de ouro espalhadas pelo chão. Então, achou que seria ridículo deixar aquele belo pássaro na gaiola tão feia; abriu a portinhola, pegou-o e colocou-o na outra de ouro. Imediatamente o pássaro soltou um berro agudo; os soldados acordaram, precipitaram-se dentro do castelo, prenderam o príncipe e o conduziram à prisão. Na manhã seguinte, foi julgado e, sendo réu confesso, condenado à morte.
O rei disse-lhe que o libertaria, com a condição, porém, de trazer-lhe o cavalo de ouro, que era mais veloz que o vento, e lhe daria ainda, como recompensa, o pássaro de ouro.
O príncipe saiu andando, suspirando tristemente: onde iria encontrar o cavalo de ouro? Nisso avistou a sua velha amiga raposa deitada na estrada.
- Viste, - disse ela, o que te aconteceu por me desobedeceres? Mas não te amofines, eu te ajudarei e te ensinarei o que tens a fazer. Deves andar sempre direito para a frente até chegar a um castelo e ali, na estrebaria, encontrarás o cavalo de ouro. Diante da estrebaria estarão deitados os cavalariços, dormindo e roncando sossegadamente; assim não te será difícil tirar o cavalo de ouro. Mas presta bem atenção: coloque a sela feia de madeira e couro, não aquela de ouro dependurada perto; se não tudo de mal poderá acontecer-te.
Depois a raposa esticou a cauda, o príncipe montou nela e saíram em carreira desabalada, com os cabelos zumbindo ao vento. Tudo se processou conforme dissera a raposa: ele chegou à estrebaria onde estava o cavalo de ouro; mas, no momento de colocar a sela feia, pensou: "Um animal tão bonito faz uma figura ridícula se não lhe coloco a sela que lhe compete." Mal o tocou com a sela de ouro, o cavalo pôs-se a relinchar com toda a força. Os cavalariços acordaram, agarraram o jovem e o trancaram na prisão. Na manhã seguinte, o tribunal condenou-o à morte, mas o rei prometeu fazer-lhe mercê e dar-lhe, ainda por cima, o cavalo de ouro se conseguisse trazer-lhe a bela princesa do castelo de ouro.
O jovem pôs-se a caminho com o coração anuviado; felizmente não tardou a encontrar a fiel amiga raposa, que lhe disse:
- Eu deveria deixar-te na desventura, mas tenho pena de ti e, ainda desta vez, quero auxiliar-te. O caminho te conduzirá direto ao castelo de ouro, onde chegarás à tarde; durante a noite, quando tudo estiver silencioso, a bela princesa vai banhar-se no pavilhão. Quando ela entrar, agarra-a e dá-lhe um beijo: então ela te seguirá e poderás levá-la contigo. Mas não deixes que diga adeus aos pais, do contrário, tudo te correrá mal.
Depois a raposa esticou a cauda, o príncipe montou nela e, em carreira desabalada, saíram, com os cabelos zumbindo ao vento. Quando chegou ao castelo de ouro, encontrou exatamente o que lhe dissera a raposa. Ele aguardou até meia-noite. Então, fez-se silêncio, tudo dormia, e a bela princesa entrou no pavilhão para banhar-se; ele, num gesto rápido, agarrou-a e deu-lhe um beijo. Ela disse que o seguiria de bom grado, mas suplicou, chorando, que a deixasse dizer adeus aos pais. No começo, ele se opôs às suas súplicas, mas, como ela chorava cada vez mais, prostrando-se aos seus pés, acabou por consentir. Assim que a princesa se aproximou do leito do pai, este despertou ao mesmo tempo em que despertavam todos os que dormiam no castelo; prenderam o jovem e trancaram-no na prisão.
Na manhã seguinte, disse o rei:
- Tu mereces a morte; mas serás absolvido se conseguires arrasar a montanha que há defronte da minha janela e que me impede ver longe; terás de fazer isso dentro de oito dias. Se o conseguires, terás minha filha como recompensa.
O príncipe pôs-se a cavar, a cavar sem interrupção, mas, passados sete dias, vendo quão pouco havia feito e que todo o seu trabalho nada representava, abismou-se em profundo abatimento, perdendo todas as esperanças. Na noite do sétimo dia, porém, apareceu-lhe a raposa, dizendo:
- Não mereces que me preocupe contigo, mas podes ir dormir, eu farei o trabalho.
Na manhã seguinte, quando o príncipe acordou e olhou para fora da janela, a montanha havia desaparecido. Louco de alegria foi correndo levar a notícia ao rei; então o rei, querendo ou não, foi obrigado a cumprir a promessa e dar-lhe a filha.
Partiram os dois. A fiel raposa não tardou a alcançá-los e disse-lhe:
- É verdade que possuis o melhor, mas à princesa do castelo de ouro pertence, também, o cavalo de ouro.
- Que hei de fazer para obtê-lo? - perguntou o príncipe.
- Digo-te já, - respondeu a raposa. - Primeiro leva a bela princesa ao rei que te enviou ao castelo de ouro. Ficarão todos extasiados e de boa vontade te darão o cavalo. Monta-o depressa e despede-te de todos, estendendo-lhes a mão; por fim estende a mão à bela princesa, agarra-a, monta-a rapidamente no cavalo e sai correndo à rédea solta. Ninguém conseguirá apanhar-te, pois o cavalo corre mais que o vento.
Tudo correu perfeitamente bem e o príncipe levou consigo a bela princesa no cavalo de ouro, A raposa não se fez esperar muito e disse-lhe:
Agora te ajudarei a capturar, também, o pássaro de ouro. Perto do castelo onde se encontra o pássaro, a princesa apeará e eu tomarei conta dela. Tu, no cavalo de ouro, entra no pátio; quando te virem ficarão todos felizes e te darão o pássaro. Assim que tiveres na mão a gaiola, volta voando a buscar a princesa.
Tendo corrido tudo perfeitamente, o príncipe quis regressar a casa com todos os tesouros conseguidos, mas a raposa disse-lhe:
- Agora tens que me recompensar por todo o auxílio que te prestei.
- O que desejas? - perguntou o príncipe.
- Quando estivermos na floresta, tens que matar-me e cortar-me a cabeça e as patas.
- Que bela recompensa! - disse o príncipe; - não posso absolutamente atender ao teu pedido.
- Se não queres fazê-lo, - disse a raposa, - terei de abandonar-te; mas, antes disso, quero dar-te ainda um bom conselho. Livra-te de duas coisas: comprar carne destinada à forca e sentar-te à beira de um poço. - Dizendo isto, fugiu para a floresta.
O jovem pensou: "Que animal esquisito! Tem cada ideia extravagante! Quem jamais compraria carne destinada à forca? E vontade de sentar-me à beira de um poço também nunca tive." Continuou o caminho, levando a linda jovem. O caminho passava pela aldeia onde haviam ficado os irmãos; ao chegar lá, viu um grande aglomerado de gente e muita algazarra. Tendo perguntado o que se passava, responderam-lhe que iam enforcar dois facínoras. Aproximando-se do local, viu que eram seus dois irmãos, os quais, tendo cometido toda espécie de perversidade e tendo malbaratado todos os haveres, estavam condenados a morrer na forca. O jovem perguntou se não era possível libertá-los.
- Sim, - responderam-lhe, - se estás disposto a gastar todo o teu dinheiro para resgatá-los!
O jovem, sem hesitar, pagou tudo por eles; assim que ficaram livres viajaram em sua companhia.
Chegaram à floresta onde, da primeira vez, tinham encontrado a raposa. O sol queimava como fogo e, como o lugar aí fosse ameno e fresco, os dois irmãos disseram:
- Descansemos um pouco aí junto do poço e aproveitemos para comer e beber.
O jovem concordou e, entretido na conversa, sentou-se distraidamente na beirada do poço. Então os irmãos o fizeram cair de costas e o empurraram para dentro do poço; depois apoderaram-se da princesa, do cavalo e do pássaro e voltaram para a casa do pai.
- Não trazemos apenas o pássaro de ouro, - disseram, - conquistamos também o cavalo de ouro e a princesa do castelo de ouro.
Todos estavam perfeitamente felizes, menos o cavalo, que não comia, o pássaro, que não cantava, e a princesa, que não parava de chorar.
Mas o irmão menor não tinha morrido. Por felicidade, o poço estava seco e ele caiu sobre o musgo macio, sem sofrer o menor mal; não conseguia, porém, sair de lá. Também, nessa angustiosa emergência, a fiel raposa não o abandonou; pulou para junto dele e repreendeu-o, severamente, por ter-lhe esquecido o conselho.
- Contudo, não posso deixar de restituir-te à luz do sol.
Mandou que se agarrasse e segurasse bem na sua cauda e, assim, puxou-o para fora. Depois disse:
- Ainda não estás livre de todos os perigos, teus irmãos mandaram sentinelas cercar a floresta, com ordens para te matar se te virem.
O rapaz agradeceu e foi andando. Ao chegar a um atalho, viu um pobre maltrapilho sentado, muito triste, e pediu-lhe que trocassem as respectivas roupas; assim disfarçado, conseguiu chegar são e salvo ao castelo real. Ninguém o reconheceu, mas logo o pássaro se pôs a cantar, o cavalo a comer e a jovem parou de chorar. O rei muito admirado, perguntou:
- Que significa isso?
- Não sei explicar, - disse a jovem, - mas eu estava tão triste e eis que agora me sinto tão alegre! Como se tivesse chegado o meu verdadeiro noivo.
E contou ao rei tudo o que ocorrera, muito embora, os dois irmãos a tivessem ameaçado de morte se revelasse qualquer coisa. Ouvindo isso, o rei ordenou que se apresentasse diante dele toda a gente do castelo; o jovem também compareceu disfarçado em pobres andrajos. A princesa, porém, reconheceu-o imediatamente e correu a agarrá-lo pelo pescoço, pedindo proteção.
Os perversos irmãos foram presos e condenados; enquanto que o menor casou com a bela princesa e foi nomeado herdeiro do trono.
E a raposa, que fim levou?
Muito tempo depois, o príncipe voltou à floresta e lá encontrou a raposa, que lhe disse:
- Tu agora tens tudo o que desejar se possa, mas a minha infelicidade nunca tem fim; entretanto, está em teu poder libertar-me.
E, novamente, suplicou-lhe que a matasse e lhe cortasse a cabeça e as garras. Ele obedeceu e, no mesmo instante, a raposa transformou-se num homem, o qual outro não era senão o irmão da bela princesa, libertado, finalmente, do encanto a que fora condenado.
Assim nada mais faltou para que fossem todos felizes até o resto da vida.

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Médico na Escola
Dr José Carlos Machado
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