Único

O único assunto é Deus
o único problema é Deus
o único enigma é Deus
o único possível é Deus
o único impossível é Deus
o único absurdo é Deus
o único culpado é Deus
e o resto é alucinação.

Carlos Drummond de Andrade

O PEIXE APODRECE PELA BOCA

Padre Antônio Vieira - Sermões

A atualidade convoca a que todos participemos e tenhamos uma opinião imediata a respeito de tudo e de todos os assuntos. Os mais variados temas: de celebridades, a toda sorte de mediocridades, sem contar com política, esporte e claro, religião. E especificamente sobre esse último assunto gostaria de abordar aqui com mais profundidade.

Nunca se teve tanta religiosidade vindo à tona como agora, uma volta da busca humana de obter um sentido de sua existência, um religar-se a algo mais elevado. As pessoas parecem sentir necessidade de acreditar em alguma coisa e esse retorno pode ser a busca de alguma mística e não necessariamente de algo com real sentimento religioso.

Talvez careça diferenciar dentro de cada um de nós se essa procura gira em torno de uma religiosidade ou de uma espiritualidade.

Erich Fromm dizia que "quando as pessoas não conseguem lidar com Deus se voltam para a religião" e o rabino Nilton Bonder avisa "Deus não é para amadores! Deus implica experimentar a realidade sem entendê-la; deparar-se com a injustiça e não desalentar e conhecer o infortúnio sem desesperar. E para os que não conseguem lidar com essas condicionais de Deus, aí a religião é uma alternativa".

E sobre a religião, muitas vezes vêm à baila a intolerância que se manifesta como uma verdadeira lâmina sobre aqueles que optaram por uma outra vertente diferente. A intolerância religiosa traz, principalmente em grupos mais radicais, a justificativa e a própria certeza de que eles estão corretos e, portanto, apoiados por seu Deus e os outros, os descrentes, estão errados e são sumariamente descartadas, suas opiniões, seus valores e infelizmente, no radicalismo extremos, suas vidas.

Ao escolhermos uma religião, também aceitamos suas convicções, normas e regras, mas também somos absolutamente livres se elegemos essa pratica religiosa como algo que nos representa como referencial de nossa crença. Para não nos tornarmos intolerantes com a escolha de outras pessoas que em seus anseios espirituais escolhem outras religiões. 

Tolerar significa suportar. A própria palavra "tolerância" traz em si o conceito de aguentar o outro, suportá-lo. Tolero, portanto, suporto, sua fala, suas convicções, suas escolhas, mesmo antagônicas às minhas próprias convicções. Mas, continuo em oposição, menos crítica, talvez, mas ainda antagônica, uma espécie de "cada um na sua", sem convencimentos ou disputas. 

Todos tem direito às suas próprias escolhas, desde que o respeito e a aceitação (ou seja, um passo adiante da tolerância, pois podemos também se colocar no lugar do outro) fluam de maneira respeitosa. Muito bom, já é o primeiro passo, mas o desafio é ir um pouco mais além. Se o primeiro passo seria vencer a intolerância, o próximo poderia ser experimentar a tolerância e aí sim partir para o acolhimento, quando podemos perceber que a alteridade (o outro eu além de mim) também pode se expressar livremente, com o mesmo valor e com os mesmos direitos que eu me expresso e declaro.

Então, talvez mais adiante, quando começarmos a acreditar mais em nós mesmos, trazendo e nos responsabilizando pelos nossos atos poderemos acreditar que estaremos conseguindo nos religar com algo mais profundo e verdadeiro com algo maior, nos tornando seres humanos melhores e mais íntegros. O humano me interessa porque sou igual a ele e a palavra NAMASTÊ, cujo significado é "curvo-me perante a ti" (sânscrito), uma forma digna de cumprimento entre dois seres humanos, em um sentido mais amplo significa “o Deus que habita no meu coração, saúda o Deus que habita no seu coração”, poderá ser usada verdadeiramente.

José Carlos Machado