EM BUSCA DA PRÓPRIA E VERDADEIRA NATUREZA. (conto)
Heinrich Zimmer
Philosophies of India
Tradução - Maria Luci Buff Migliori.
Associação Palas Athena do Brasil - série Encontros 1 (DHARMA) - São Paulo - 1985
Um filhote de tigre que havia sido criado entre cabras, mas que, através da clarificadora instrução de um mestre espiritual, chegou a dar-se conta de sua própria e insuspeitada natureza.
Sua mãe havia morrido ao dar-lhe a luz. Prenhe, ela havia vagado muitos dias sem descobrir presa alguma, quando deparou-se com um rebanho de cabras selvagens. A tigresa sentia então grande voracidade, a qual pôde explicar a violência de seu salto. Seja como for, o esforço realizado lhe ocasionou o parto e de puro esgotamento, morreu.
então as cabras, que se tinham dispersado ao verem a tigresa, regressaram ao campo de pastoreio e acharam o tigrezinho dando leves gemidos ao lado do corpo da sua mãe. As cabras adotaram a débil criatura abandonada e por pura compaixão maternal, amamentaram-na junto com suas próprias crias e cuidaram dela carinhosamente.
O filhote cresceu e os cuidados que haviam dispensado a ele não ficaram sem recompensa, pois o pequeno aprendeu a linguagem das cabras, adaptou sua voz aos suaves berros e demonstrou tanto afeto como qualquer cabrito o faria. No princípio, teve certas dificuldades quando se pôs a mastigar tenras ervas do pasto com seus dentes pontiagudos, mas logo se acostumou.
A dieta vegetariana deixava-o muito fraco e dava ao seu temperamento, notável doçura.
Uma noite - quando este tigrezinho que havia vivido até então entre cabras já tina alcançado a idade da razão - o rebanho foi atacado novamente, dessa vez por um velho e feroz tigre. E, novamente, as cabras se dispersaram, mas o filhote permaneceu onde estava, sem temor algum.
Desde logo sentiu-se surpreso, ao perceber-se face a face com uma terrível criatura da selva que nunca antes havia visto, contemplando o desconhecido com estupor.
Passado o primeiro momento, voltou a recobrar a consciência de si e, dando um berro de desespero, arrancou uma erva e se pôs a mastigá-la enquanto o velho tigre lhe cravava um olhar feroz e intimidador.
De repente o intruso lhe perguntou:
- O que fazes entre as cabras? O que estás mastigando?
A pobre criatura começou novamente a soltar berros. O velho tigre tomou um aspecto realmente aterrador. Rugiu e depois disse:
- Por que fazes esse ruído ridículo?
E antes que o pequeno pudesse responder, pegou-o asperamente pela nuca e sacudiu-o como se quisesse voltá-lo às suas origens à força de pancadas.
O tigre da selva carregou o assustado filhote até um charco próximo e o colocou no chão, obrigando-o a olhar a superfície iluminada pela lua.
- Olhe essas duas caras, não são iguais? Tens a cara redonda de um tigre como eu. Por que acreditas ser uma cabra? Por que berravas como uma cabra? Por que comias pasto?
O pequeno era incapaz de contestar, mas continuava olhando, comparando ambos os reflexos. Então ficou nervoso: apoiava-se em uma pata, depois em outra e deu um grito lamurioso de pesar. O velho tigre mais feroz que antes, levantou-o de novo e o arrastou até sua toca, onde lhe ofereceu um pedaço de carne crua e sangrenta, resto de uma refeição anterior. O filhote estremeceu de repugnância. O tigre da selva, fazendo pouco caso do débil berro de protesto, ordenou secamente:
- Pegue-a, mastigue-a e engula-a!
O filhote resistiu, mas o velho tigre obrigou-o a passá-la por seus dentes semicerrados e ficou atentamente vigiando enquanto o tigrezinho tratava de mastigá-la e engoli-la. A crueza da carne não lhe era familiar e produzia nele certa dificuldade, visto que comia até então ervas e capim. O pequeno estava para soltar o seu berro mais uma vez quando a sentir o gosto do sangue. Perplexo, pegou o resto com avidez. Sentia um raro e inusitado prazer à medida que a carne descia ao seu estomago e uma força estranhamente cálida envolveu suas entranhas permeando todo seu corpo, estimulando-o e embriagando-o.
um novo sabor despertou em seus lábios e se lambeu prazerosamente aproveitando cada gota de sangue.
Aprumou-se e abriu a boca para dar um grande bocejo, como se estivesse despertando de uma noite de sono, uma noite que o deixara enfeitiçado durante vários anos.
Espreguiçando-se arqueou o lombo e esticou as patas abrindo as garras. O seu rabo fustigava o solo e, de repente, de sua garganta estalou o terrível rugido de tigre.
O severo mestre observava tudo isto com crescente satisfação.
De fato, a transformação havia ocorrido.
- Sabes agora quem és? - Pergunta.
E para completar a iniciação do jovem discípulo no saber secreto de sua própria e verdadeira natureza, acrescentou:
- Vem, agora iremos caçar juntos pela selva!
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Médico na Escola
Dr José Carlos Machado
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