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sexta-feira, 11 de novembro de 2022

ATÉ QUANDO VAI O ALEITAMENTO MATERNO? - artigo







DESMAME, UMA DECISÃO DIFÍCIL DE TOMAR.

É impossível progredir sem mudança e aqueles que não mudam suas mentes não podem nada mudar.

George Bernard Shaw.

 

 Qual a idade certa para desmamar a criança? Essa é uma pergunta que geralmente me fazem e a transfiro para as mães, pois, cabe somente a elas essa resposta, justamente, porque essa decisão passa além do prazer em amamentar o seu filho, não necessariamente pela questão nutricional, mas pelo contato, pelo desejo de adiar um pouco ainda essa interação particular, justamente porque além de prazeroso é bom, único e absolutamente pessoal, esse é um vínculo exclusivo entre a mãe e a criança. Portanto, idade certa é muito relativo. Às vezes esse tempo se prolonga e a substituição por outro tipo de comida, leite artificial ou até sólidos, também é postergada e quem dá essa permissão, quem autoriza essa mudança, inquestionavelmente, é novamente a mãe, mas esse assunto também pode e deveria ser compartilhado, pois é uma escolha que implicará em muitas consequências, nem todas fáceis. 

Alguns bebês rejeitam o seio materno e mesmo com a insistência das mães recusam esse oferecimento e a solução é oferecer leite artificial e utilizam-se as mamadeiras, porém a maioria prefere o leite materno e a introdução de novos alimentos, mesmo de maneira gradativa, também precisa do consentimento materno ou de, pelo menos, de seu incentivo nessa substituição. De uma maneira geral o leite materno preenche todas as necessidades da criança nos primeiros meses de vida, no começo sob uma livre demanda (quando a criança quer o seio é prontamente oferecido), mas logo após os primeiros trinta, quarenta dias esse ritmo já pode ser regulado pela mãe que percebe que existe um tempo biológico regular (por exemplo, de 3 em 3 horas) entre a digestão do leite ingerido e as mamas ficarem novamente cheias de leite, desse modo se estabelece uma sincronia e a mãe começa a voltar gradativamente à sua rotina, porque o bebê incorporou esse horário das mamadas e ela já entende quando o choro anunciado é de fome ou outra coisa. E assim as coisas caminham até os seis, sete meses, com o rodízio dos seios, quinze a vinte minutos em cada seio, a aquisição do sono tranquilo e o desenvolvimento do bebê vai indo muito bem, obrigado; tirando uma cólica ou outra, uma reação pós vacinal, erupção dentária, trata-se de um período tranquilo dentro de casa. Pelo menos é o que a teoria e os manuais de aleitamento materno ensinam e esse processo caminha até os dois anos de idade.

Logicamente que nem sempre é assim, principalmente quando o ritmo das mamadas não acontece e o aleitamento demora muito tempo, a criança não dorme, chora o dia todo, troca o dia pela noite e mãe vira um “zumbi” contentando-se com a hora que o bebê dorme para poder dar um cochilo rápido.

Aparência, leitura além das direcionadas ao bebê, cuidados pessoais, sono tranquilo, outras coisas que saiam desse circuito – mãe-bebê – simplesmente não cabem mais. Quem já não ouviu esse relato de alguma mãe? E o pior, aquelas que passaram por algo semelhante podem acrescentar ainda mais infortúnios, porque depois de certo tempo essa situação aparenta não ter fim, em alguns casos a criança recusa outro tipo de alimento e só fica quieta ao seio materno. O problema parece aumentar quando esse hábito acaba se incorporando na vida da criança que cresce, mas não se desenvolve, seu ritmo de sono fica irregular, o desenvolvimento pondero-estatural fica comprometido e quanto à mãe...bem, essa criatura além de dar conta dessa tarefa tem que se haver com uma série de cobranças: - Interromper a mamada porquê, se o leite materno faz tão bem? – Tirar o leite materno, justo agora que a criança não aceita mais nada?  Quando indecisas, a voz corrente vem em seu auxílio: – Enquanto tiver leite e a criança quiser a mãe deve oferecer! E o receio: - Essa interrupção no aleitamento pode gerar algum trauma no desenvolvimento do meu filho?

Acende um alerta dentro da cabeça da mãe que diz: - Meu filho não pode passar fome! Então elencado a isso surgem várias explicações: “o leite materno faz bem!”; “a criança deve mamar até os dois anos de idade”; “minha mãe me contou que eu mesma mamei até bem tarde”. Difícil remar contra uma maré tão forte.

Essas questões são válidas e completamente pertinentes e sempre que as ouço proferidas por desespero ou por ansiedade materna, tento me colocar no lugar dessas mulheres, que precisam decidir sozinhas esse dilema, às vezes enlouquecedor e terrivelmente solitário.

Evidente que o aleitamento é um maravilhoso ato de amor, um vínculo bastante forte, mas não é a única e absoluta opção. Acredito, justamente por acompanhar essa transição, que essa decisão também pode e deve ser repartida com o pai da criança, porque envolve a família como um todo.

 A criança que mama o seio materno e continua solicitando-o ininterruptamente, sem ritmo e sem horário, nos faz pensar em duas situações: 1. Pouca quantidade de leite materno produzido pela mãe (talvez por exaustão dela própria, que não consegue relaxar e não dá tempo para produzir um volume adequado); 2. O aleitamento é fornecido sem intervalos e funciona como uma espécie de compensação diante das manifestações de desconforto (incômodos nem sempre associados a fome, mas a criança se acostuma e se tranquiliza com o seio na boca).

O problema é que essas situações não se resolvem facilmente, a resolução provisória ganha um propósito e se transforma em definitiva, porque essas atitudes vão sendo incorporadas e a criança aprende que chorando ela consegue mamar, ou rejeitam novas opções alimentares porque sabem que receberam o seio materno, insatisfatório para um adequado suporte calórico-nutricional, enfim esse ciclo se fecha de uma maneira até que satisfatória para a criança, mas muito desfavorável para a mãe e em quase a sua totalidade permanece sozinha, na decisão e durante o processo de desmame. Isso é coisa de mãe! Como dizem alguns e que muitas mães acreditam piamente nisso, como uma espécie de ônus pelo qual elas devem passar, afinal coisas da maternidade, diriam alguns.

Nesse cenário temos dois personagens importantes que se encontram em quase total simbiose: mãe/seio – filho. Enquanto as coisas se ajeitarem e ambos estiverem confortáveis a vida segue seu curso, mas, quando esse arranjo desequilibra por algum motivo, como os citados anteriormente ou outros tantos que surgem na vida familiar, outros personagens deverão ser convocados e o primeiro que se chama é o pai da criança.

Mas onde ele está? Em situações onde a mãe encontra-se sozinha, vai lá que esse apoio não aconteça, deve-se contar com aquilo que se tem e essa tarefa se torna bem mais difícil, mas quando ele está próximo (o que não quer dizer, necessariamente presente), por que não o convidar para participar? Esse é um questionamento importante que precisa ser feito.

Sob o ponto de vista fisiológico o nascimento dos dentes pressupõe e indica que o corpo passa a ter novos elementos, cuja função básica é de receber novos alimentos, começa um processo de transformação no aparelho digestivo que continua começando na boca, agora com o auxílio dos dentes, o PH bucal se modifica, a quantidade de saliva também aumenta e se transforma, conforme a aquisição de novos ingredientes em seu cardápio. A criança pode ser estimulada a mastigar os alimentos ao invés de somente suga-los, o metabolismo se encontra mais amadurecido e a criança pode aceitar perfeitamente outras opções nutritivas, com parcimônia e critério, logicamente. Não significa abolir completamente o leite materno, apenas pensar na possibilidade em que esse não venha a ser o único alimento disponível para a criança se alimentar.

Quando o intervalo entre as mamadas vai ficando cada vez mais curto, avaliar se as necessidades alimentares dessas crianças são preenchidas somente com o leite materno, que embora seja excelente, após algum tempo já não preenche todas as necessidades e deixa de ser exclusivo, sem prejuízo para a criança.

Mostrar à mãe que tem esse tipo de angústia em relação ao desmame, orientando outras possibilidades complementares com introdução de novas opções pode servir de um grande alento e diminuir a ansiedade que muitas mulheres tem em relação ao aleitamento por livre demanda (até quando a criança quiser).

Então, resumidamente, cada caso é um caso. Necessariamente o aleitamento exclusivo até os seis meses não é obrigatoriamente um consenso entre os pediatras e todas as técnicas de amamentação previsíveis não são unanimes, existem as exceções, existem outras possibilidades mais confortáveis às mães que, podem e merecem ter um ritmo de vida mais tranquilo e equilibrado, mesmo continuando a amamentar seu filho, mas não se escravizando a essa única função. Isso tudo tem a ver com o desmame, pois envolve uma subjetividade que se camufla no desejo da mãe de querer o melhor para seu filho e também controla-lo, mas que também quer e precisa dormir, tomar um banho em paz, poder contar com alguém cuidando do filho enquanto faz outra coisa, em razão disso é que, entre outras coisas, oriento a “convocação” paterna. A palavra é exatamente essa, esse chamamento deve ser imperativo por parte da mãe, aqui não se trata de uma concessão, de uma ajuda, de um “quebra-galho”, mas de uma participação efetiva, de um compromisso, com a prioridade do momento de vida do casal, ou seja, compartilhar os cuidados com o filho deles.

Muitos pais (infelizmente) acreditam que essa empreitada é feminina e nessa espécie de desinteresse velado, podem se justificar dizendo: - Não sei o que fazer quando o bebê chora! – Não tenho leite de peito! - Quando começa a chorar só fica quieto quando está mamando no peito da mãe! O que pode até explicar o comodismo, mas não colabora com a transformação necessária para esse nó desenrolar.

De outro modo cabe também esclarecer que existe um grande movimento em torno do estímulo ao aleitamento materno o qual, de modo algum merece qualquer contestação, a questão que fica é em torno do oferecimento, ou seja, qual o ritmo dessas mamadas? Livre demanda?  Nesse caso o bebê (e até as crianças acima de dois anos), é que terão o domínio da refeição? Com o risco de que desse modo nem sempre, se observa um resultado satisfatório, seja do ponto de vista nutricional (com a monotonia alimentar e a quase que exclusividade pelo leite materno) e também em seu desenvolvimento psíquico, porque a autonomia saudável fica substituída por uma simbiose muito intensa e, caso venha a se tornar um hábito, sua interrupção adiada será muito brusca com prejuízos para a dupla mãe e filho.

O desmame, assim como outros processos de ruptura não são fáceis, quando pensamos no desenvolvimento infantil esse será apenas um deles. Outros percalços já aconteceram anteriormente: quando o bebê nasceu e saiu da barriga da mãe com todas as suas consequências, assaduras, cólicas, erupção dos dentes, etc. Daqui para frente outros cortes também deverão acontecer: a retirada das fraldas, a autonomia de andar sozinho, dormir em seu próprio quarto, introdução de sólidos, o controle dos esfíncteres e, finalmente o momento da criança sair de casa e ir para outro ambiente, geralmente a escola, onde passará uma boa parte de sua vida.

Cortes precisam ser feitos, o desmame, a retirada do seio materno é uma decisão difícil e cuidadosa, mas não pode ser adiada além da conta, um dia tem que parar, quando a mãe decide isso esse desmame acontece, com apoio e menos cobrança fica mais fácil.



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