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sexta-feira, 11 de novembro de 2022

BRINCADEIRA DE CRIANÇA - artigo



  


A CRIANÇA E SEU BRINCAR

O ser humano só brinca quando é um ser humano no sentido pleno da palavra e é plenamente ser humano quando brinca.                                                                                                                              Schiller.

 

Estimular a criança pequena com brinquedos educativos ajuda em seu desenvolvimento? Essa é uma dúvida comum de muitos pais preocupados com os produtos que chegam às mãos de seus filhos.

A primeira coisa que precisa ficar clara: - O que é um brinquedo educativo? Ou talvez: - Existem brinquedos educativos? Tenho observado que a imensa maioria dos chamados brinquedos “educativos”, são, na verdade, propaganda enganosa, o fato de existir uma recomendação que aquele tipo de brinquedo é aconselhável para crianças de determinada idade, não é garantia suficiente de que seja adequado. A imensa maioria emite algum tipo de som, mesmo muitos daqueles feitos de madeira, com alegada proposta natural, talvez menos excitantes, embora tragam tantos elementos estimulantes que fico procurando como associar a palavra “educativo” em algo tão excitante e antinatural.

Na verdade, a criança gosta de brincar, de descobrir as coisas, crianças pequenas se encantam mais com os embrulhos (e abri-los é uma grande brincadeira para elas) do que propriamente com os seus conteúdos.

 Comento com os pais que os pequenos se divertem mais com o som que fazem com panelas e colheres de pau do que os carrinhos eletrônicos, bonecas falantes ou os monstros e super-heróis que ganham de presente.

Segundo a médica Emmi Pikler (1902 – 1984) comentando a respeito da intervenção dos adultos diante das iniciativas da criança descobrindo as coisas à sua volta: “É crucial que a criança descubra por si mesma tanto quanto possível. Se a ajudamos a finalizar cada tarefa, a estamos privando do mais importante aspecto do seu desenvolvimento. Uma criança que consegue as coisas por meio da experimentação independente adquire um tipo de conhecimento completamente diferente daquela criança para qual são oferecidas soluções prontas”.

Objetos com poucos estímulos artificiais deveriam ser privilegiados. Logicamente que a criança é um excelente consumidor e a indústria e a publicidade voltados para isso já perceberam esse público, nesse caso se justifica investir em um “trambolho” para a criança com especificações técnicas atraentes: possui rodinhas e direção, permitindo sua locomoção, cores vibrantes e ainda dispõe de vários tipos de som. Importante que na etiqueta diz que não tem material tóxico, é recomendada para determinada faixa etária, possui selo e certificação. Isso é suficiente para motivar o pai investir nesse tipo de “brinquedo educativo” que pode até interessar a criança por algum tempo, mas que rapidamente será mais uma peça cara e inútil que ocupará espaço e arrependimento de quem o comprou.  A pergunta anterior a ser feita seria: - Esse tipo de coisa é interessante para a criança, isso realmente vale a pena, qual a vantagem? Exceto a referência narcísica ao dizer: - Meu filho tem aquele brinquedo que buzina, tem rodinhas, parece um foguete, recomendado para sua idade e custou muito caro! Perceber qual a utilidade para a criança desse tipo de aquisição pouparia menos arrependimentos futuros.

Quando a criança começa a descobrir o mundo à sua volta quer explorá-lo e experimentá-lo, então os pais devem observar que a casa que antes era somente de adultos agora comporta também uma pessoa curiosa, que vai querer enfiar o dedo na tomada, que vai pôr a mão no cinzeiro, que vai colocar o dedo no ventilador, então alguns cuidados precisam ser tomados e algumas coisas retiradas de seu alcance. Aquele bibelô lindo de vidro que a mãe comprou quando foi em uma viagem com o marido e que ela adora, deveria ser protegido das mãozinhas velozes dos pequenos exploradores, porque a pergunta que fica é a seguinte: - Caso essa peça se quebre a mãe vai entender ou vai brigar com a criança que nem sabe seu valor? A exploração por esse mundo ainda desconhecido precisa ser observada e não refreada, pois essa autonomia da criança acontece naturalmente e deve ser estimulada.

O mundo da criança agora é a sua casa, então também deve ser verificada com atenção, pois, quando as crianças começam a explorá-la descobrem coisas interessantes e perigosas (tesouras, produtos de limpeza, isqueiros, canetas, objetos de vidro, cortantes ou pontiagudos, comida de cachorro e tudo que ficar próximo de suas mãozinhas rápidas e espertas), nesse caso como gostam de experimentar, levam as coisas à boca e, portanto, convém ficar atentos, evitando acidentes.

Conheço casas onde o lugar da criança brincar e onde ficam seus brinquedos é a própria casa, ou seja: tudo! A criança domina todo o espaço. Nesses casos ela talvez tenha dificuldade de organizar seus brinquedos, que ficam espalhados pela casa toda e, em consequência disso, nem consegue brincar com todos eles e ainda não distingue onde é o seu espaço, porque não tem limite físico para isso. O que adianta o menino ter cinquenta carrinhos se ele não dá conta de brincar com todos eles, a menina que tem um monte de bonecas, nem consegue lembrar o nome de todas. Não seria o caso de evitar oferecer outro carrinho, ou evitar comprar mais uma boneca?

Muitos pais oferecem para a criança aquilo que não tiveram quando pequenos e desse modo tentam compensar alguma falta que sentiram quando pequenos e preenchem essa lacuna através da criança, quando de fato, esses presentes são oferecidos para eles próprios.

Às vezes, como mencionei anteriormente, coisas simples adquirem um significado absolutamente maior que o excesso, nem a sofisticação não preenchem. Assim como também não colabora em nada os aparelhos eletrônicos, os smartphones e os tabletes que as crianças ganham de presente e que começam a fazer parte de suas vidas já desde muito cedo. A pretexto de serem estimulantes ou de oferecer joguinhos e brincadeiras que “toda criança adora”, são placidamente aceitos e fazem parte do mundo infantil substituindo a criatividade por estagnação, não contribuem em nada na descoberta da criança, ao contrário, provocam um reducionismo muito grande, pois trazem elementos excitatórios pelos quais a criança fica literalmente capturada (leia mais no capítulo A criança e o Mundo Virtual).

 É importante se questionar a esse respeito, refletir e ter consciência da introdução desse tipo de “brinquedo” na vida da criança. Quais as vantagens e as desvantagens? Alegar simplesmente que hoje isso é normal pode parecer um argumento muito simplório, ou ficar passivo diante dessa aquisição que foi oferecida pela avó, ou pela madrinha, quando falta a força ou a coragem dos pais para amenizar ou impedir isso, as crianças ficam sem a proteção daqueles que deveriam protege-las.

O grande engano que considero é achar que todos esses elementos: monstros, super-heróis, excesso de brinquedos e jogos eletrônicos são inócuos, acreditando que a manipulação pelas crianças não interfere em nada, que não trará consequências desagradáveis. Pois bem, infelizmente a má notícia é: trazem muitos problemas sim! Mais do que gostaríamos. Porque começam a fazer parte da vida infantil de maneira intensa. O “Homem Aranha”, por exemplo, que a criança ganhou de presente chega até ela com todo o seu repertório e sua imagem fica impressa em sua memória, passa a conviver com ela, às vezes ainda sobra espaço para a fantasia, outras não, justamente porque esses personagens já tem uma história pronta, um enredo e como foram elaborados para outro público, fica no mínimo incongruente que faça parte do universo infantil tão precocemente.

Não podemos deixar de pensar a respeito dessas aquisições e com maturidade decidir o que é adequado para nossas crianças, mais uma vez o crivo deve ser dos pais. Não se pode agir com indiferença porque haverá consequências dessa displicência.

Quando pequenas as crianças descobrem e se encantam com o ambiente à sua volta. Colocando em suas mãos algum brinquedo, equivale a sugestão para que brinque e quanto mais complicada for essa brincadeira, mais dependente de nós ela será. Essa atitude é tão comum nos adultos que talvez isso passe completamente despercebido pela maioria de nós. É intuitivo, porém pouco produtivo no aspecto da autonomia, que façamos as coisas pela criança. Seja pelo pretexto de auxílio ou de participação, geralmente os adultos “atravessam” esse limiar de descoberta que a criança necessita explorar através de seus próprios meios (leia mais no capítulo sobre Autonomia e Independência: Imprescindíveis!).

Nada mais decepcionante do que colocar nas mãozinhas do bebê um chocalho quando, na verdade, o grande prazer é a descoberta de seu próprio corpo. Muitos berços tem tantas “geringonças penduradas” e brinquedos espalhados, que estimulam demais e que alteram até a proposta desse local, que foi feito para descansar e dormir. Outro erro comum, esse com maiores consequências ainda, seria privar a criança de andar sozinha oferecendo andadores para facilitar essa conquista, interferindo não somente no andar, mas ainda na fala e na sequência também em seu pensamento. (1)

Ambientes apropriados para as crianças brincarem não precisam ser repletos de estímulos. Para estimular o potencial criativo podemos oferecer objetos de diferentes formas, tamanhos, cores, volumes, texturas, onde a criança pode explorar de forma curiosa e livremente exercitar sua motricidade, habilidades e autonomia. Quando respeitamos cada etapa do desenvolvimento infantil não impondo regras ou restrições, estamos de fato ajudando-a a ser livre e autossuficiente.

A criança pequena gosta de jogar a bola e recebe-la de volta, com esse gesto simples revela o prazer e a diversão da repetição, estimulando sua autonomia e movimento livre. Quando nos escondemos e de repente surgimos diante dela provocando uma gargalhada gostosa, estamos estimulando a criança a brincadeiras que trazem conforto e alegria que não se compara com o estímulo de bonecos de plástico ou bichinhos de pelúcia.

Crianças pequenas precisam ficar próximas, requerem a observação atenta dos adultos que, não precisam estimulá-las o tempo todo, mas, identificar suas aptidões deixando-as livres para descobrirem seu espaço.

Podemos observar que crianças que rapidamente se entediam de brincarem sozinhas necessitando da presença de um adulto por perto, reforça o sentimento de sua dependência, desse modo suas experimentações ficarão reduzidas àquelas que o adulto irá propor. Não tem curiosidade de explorar novos objetos e seu brincar é monótono, repetitivo e pouco criativo.

 Muitos pais conseguem conciliar suas atividades domésticas e profissionais ao lado de seus pequenos filhos, quando conseguem essa proeza e atendê-los, com paciência e amorosidade, as coisas costumam dar certo, acontece que as crianças também percebem quando esse nível de atenção tem ou não qualidade, ou seja, crianças requerem tempo, dedicação e paciência para não apressar o seu desenvolvimento que é absolutamente individual.

A criança precisa sentir essa disponibilidade do adulto que, antes de qualquer coisa, elege a prioridade de ficar com ela, abrindo mão de alguns afazeres, desse modo a criança vai confiando no adulto que está ao seu lado e aos poucos ganhando autonomia e independência podemos deixa-la mais distante, não significa abandoná-la, estimulando sua independência, então essa segurança vai sendo construída e se fortalecendo cada vez mais.

Geralmente incentivo os pais a cantarem, músicas infantis que ouviam quando eram crianças. São revestidas de afeto, com um sotaque amoroso e acalentador, isso faz toda diferença, a criança brinca ouvindo uma voz humana conhecida e que interage com ela. Os adultos também poderão dispor de algum tempo para lhe dar atenção, observando a atividade em que a criança se encontra envolvida, não fazendo por ela, nem estimulando-a

Desaprendemos a praticar coisas simples, como cantar ou assobiar enquanto estamos realizando nossas tarefas diárias ou não reclamar quando precisamos fazer outras coisas, talvez não tão agradáveis, mas que precisam ser feitas. Não devemos esquecer que as crianças nos observam com atenção e imitam nossos gestos e palavras, portanto, convém ficarmos atentos.

A médica húngara Emmi Pikler comentou a respeito do brincar infantil: “Recentemente tem ocorrido grandes discussões sobre se deixar uma criança brincar demasiadamente de forma livre poderia prejudicar seu desenvolvimento. Nós temos um ponto de vista oposto, o brincar livre, independente, sem ajuda ou incitação de quem a cuida (que no âmbito familiar significa sem a presença dos pais) é fundamental para o desenvolvimento. Porém isso só funciona se proporcionamos continuamente os elementos condutores externos e se a criança está ativa e ocupada, inclusive sem a presença do adulto. É um esforço considerável dar à criança a liberdade e a quietude que requer esse tipo de brincadeira dentro de um grupo de crianças. Pensamos que o esforço vale a pena.” (2)

A infância passa rapidamente e precisamos aproveitá-la da melhor forma possível.

 

 

(1)    ANDAR, FALAR, PENSAR / A ATIVIDADE LÚDICA / Rudolf Steiner [tradução de Jacira Cardoso] – nona edição – São Paulo: Ed. Antroposófica, 2014

(2)    AS ORIGENS DO BRINCAR LIVRE / Éva Kálló/Györgyi Balog – [tradução Susana Martínez] – São Paulo: Omnisciência, 2017. (Coleção primeira infância: educar de 0 a 6 anos)






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