A CRIANÇA E SEU BRINCAR
O ser humano só brinca
quando é um ser humano no sentido pleno da palavra e é plenamente ser humano
quando brinca. Schiller.
Estimular a criança pequena com brinquedos
educativos ajuda em seu desenvolvimento? Essa é uma dúvida comum de muitos pais
preocupados com os produtos que chegam às mãos de seus filhos.
A
primeira coisa que precisa ficar clara: - O que é um brinquedo educativo? Ou
talvez: - Existem brinquedos educativos? Tenho observado que a imensa maioria
dos chamados brinquedos “educativos”, são, na verdade, propaganda enganosa,
o fato de existir uma recomendação que aquele tipo de brinquedo é aconselhável
para crianças de determinada idade, não é garantia suficiente de que seja
adequado. A imensa maioria emite algum tipo de som, mesmo muitos daqueles
feitos de madeira, com alegada proposta natural, talvez menos excitantes,
embora tragam tantos elementos estimulantes que fico procurando como associar a
palavra “educativo” em algo tão excitante e antinatural.
Na
verdade, a criança gosta de brincar, de descobrir as coisas, crianças pequenas
se encantam mais com os embrulhos (e abri-los é uma grande brincadeira para
elas) do que propriamente com os seus conteúdos.
Comento com os pais que os pequenos se
divertem mais com o som que fazem com panelas e colheres de pau do que os
carrinhos eletrônicos, bonecas falantes ou os monstros e super-heróis que
ganham de presente.
Segundo
a médica Emmi Pikler (1902 – 1984) comentando a respeito da intervenção dos
adultos diante das iniciativas da criança descobrindo as coisas à sua volta: “É
crucial que a criança descubra por si mesma tanto quanto possível. Se a
ajudamos a finalizar cada tarefa, a estamos privando do mais importante aspecto
do seu desenvolvimento. Uma criança que consegue as coisas por meio da
experimentação independente adquire um tipo de conhecimento completamente
diferente daquela criança para qual são oferecidas soluções prontas”.
Objetos
com poucos estímulos artificiais deveriam ser privilegiados. Logicamente que a
criança é um excelente consumidor e a indústria e a publicidade voltados para
isso já perceberam esse público, nesse caso se justifica investir em um “trambolho”
para a criança com especificações técnicas atraentes: possui rodinhas e
direção, permitindo sua locomoção, cores vibrantes e ainda dispõe de vários
tipos de som. Importante que na etiqueta diz que não tem material tóxico, é
recomendada para determinada faixa etária, possui selo e certificação. Isso é
suficiente para motivar o pai investir nesse tipo de “brinquedo educativo”
que pode até interessar a criança por algum tempo, mas que rapidamente será
mais uma peça cara e inútil que ocupará espaço e arrependimento de quem o
comprou. A pergunta anterior a ser feita
seria: - Esse tipo de coisa é interessante para a criança, isso realmente vale
a pena, qual a vantagem? Exceto a referência narcísica ao dizer: - Meu filho
tem aquele brinquedo que buzina, tem rodinhas, parece um foguete, recomendado
para sua idade e custou muito caro! Perceber qual a utilidade para a criança desse
tipo de aquisição pouparia menos arrependimentos futuros.
Quando
a criança começa a descobrir o mundo à sua volta quer explorá-lo e
experimentá-lo, então os pais devem observar que a casa que antes era somente
de adultos agora comporta também uma pessoa curiosa, que vai querer enfiar o
dedo na tomada, que vai pôr a mão no cinzeiro, que vai colocar o dedo no
ventilador, então alguns cuidados precisam ser tomados e algumas coisas
retiradas de seu alcance. Aquele bibelô lindo de vidro que a mãe comprou quando
foi em uma viagem com o marido e que ela adora, deveria ser protegido das
mãozinhas velozes dos pequenos exploradores, porque a pergunta que fica é a
seguinte: - Caso essa peça se quebre a mãe vai entender ou vai brigar com a
criança que nem sabe seu valor? A exploração por esse mundo ainda desconhecido precisa
ser observada e não refreada, pois essa autonomia da criança acontece
naturalmente e deve ser estimulada.
O
mundo da criança agora é a sua casa, então também deve ser verificada com
atenção, pois, quando as crianças começam a explorá-la descobrem coisas
interessantes e perigosas (tesouras, produtos de limpeza, isqueiros, canetas,
objetos de vidro, cortantes ou pontiagudos, comida de cachorro e tudo que ficar
próximo de suas mãozinhas rápidas e espertas), nesse caso como gostam de
experimentar, levam as coisas à boca e, portanto, convém ficar atentos,
evitando acidentes.
Conheço
casas onde o lugar da criança brincar e onde ficam seus brinquedos é a própria
casa, ou seja: tudo! A criança domina todo o espaço. Nesses casos ela talvez
tenha dificuldade de organizar seus brinquedos, que ficam espalhados pela casa
toda e, em consequência disso, nem consegue brincar com todos eles e ainda não
distingue onde é o seu espaço, porque não tem limite físico para isso. O que
adianta o menino ter cinquenta carrinhos se ele não dá conta de brincar com
todos eles, a menina que tem um monte de bonecas, nem consegue lembrar o nome
de todas. Não seria o caso de evitar oferecer outro carrinho, ou evitar comprar
mais uma boneca?
Muitos
pais oferecem para a criança aquilo que não tiveram quando pequenos e desse
modo tentam compensar alguma falta que sentiram quando pequenos e preenchem
essa lacuna através da criança, quando de fato, esses presentes são oferecidos
para eles próprios.
Às
vezes, como mencionei anteriormente, coisas simples adquirem um significado
absolutamente maior que o excesso, nem a sofisticação não preenchem. Assim como
também não colabora em nada os aparelhos eletrônicos, os smartphones e os
tabletes que as crianças ganham de presente e que começam a fazer parte de suas
vidas já desde muito cedo. A pretexto de serem estimulantes ou de oferecer
joguinhos e brincadeiras que “toda criança adora”, são placidamente
aceitos e fazem parte do mundo infantil substituindo a criatividade por
estagnação, não contribuem em nada na descoberta da criança, ao contrário,
provocam um reducionismo muito grande, pois trazem elementos excitatórios pelos
quais a criança fica literalmente capturada (leia mais no capítulo A criança e
o Mundo Virtual).
É importante se questionar a esse respeito,
refletir e ter consciência da introdução desse tipo de “brinquedo” na vida da
criança. Quais as vantagens e as desvantagens? Alegar simplesmente que hoje
isso é normal pode parecer um argumento muito simplório, ou ficar passivo
diante dessa aquisição que foi oferecida pela avó, ou pela madrinha, quando falta
a força ou a coragem dos pais para amenizar ou impedir isso, as crianças ficam
sem a proteção daqueles que deveriam protege-las.
O
grande engano que considero é achar que todos esses elementos: monstros,
super-heróis, excesso de brinquedos e jogos eletrônicos são inócuos,
acreditando que a manipulação pelas crianças não interfere em nada, que não trará
consequências desagradáveis. Pois bem, infelizmente a má notícia é: trazem
muitos problemas sim! Mais do que gostaríamos. Porque começam a fazer parte da
vida infantil de maneira intensa. O “Homem Aranha”, por exemplo, que a
criança ganhou de presente chega até ela com todo o seu repertório e sua imagem
fica impressa em sua memória, passa a conviver com ela, às vezes ainda sobra
espaço para a fantasia, outras não, justamente porque esses personagens já tem
uma história pronta, um enredo e como foram elaborados para outro público, fica
no mínimo incongruente que faça parte do universo infantil tão precocemente.
Não
podemos deixar de pensar a respeito dessas aquisições e com maturidade decidir
o que é adequado para nossas crianças, mais uma vez o crivo deve ser dos pais.
Não se pode agir com indiferença porque haverá consequências dessa
displicência.
Quando
pequenas as crianças descobrem e se encantam com o ambiente à sua volta. Colocando
em suas mãos algum brinquedo, equivale a sugestão para que brinque e quanto
mais complicada for essa brincadeira, mais dependente de nós ela será. Essa
atitude é tão comum nos adultos que talvez isso passe completamente
despercebido pela maioria de nós. É intuitivo, porém pouco produtivo no aspecto
da autonomia, que façamos as coisas pela criança. Seja pelo pretexto de auxílio
ou de participação, geralmente os adultos “atravessam” esse limiar de
descoberta que a criança necessita explorar através de seus próprios meios
(leia mais no capítulo sobre Autonomia e Independência: Imprescindíveis!).
Nada
mais decepcionante do que colocar nas mãozinhas do bebê um chocalho quando, na
verdade, o grande prazer é a descoberta de seu próprio corpo. Muitos berços tem
tantas “geringonças penduradas” e brinquedos espalhados, que estimulam
demais e que alteram até a proposta desse local, que foi feito para descansar e
dormir. Outro erro comum, esse com maiores consequências ainda, seria privar a
criança de andar sozinha oferecendo andadores para facilitar essa conquista,
interferindo não somente no andar, mas ainda na fala e na sequência também em
seu pensamento. (1)
Ambientes
apropriados para as crianças brincarem não precisam ser repletos de estímulos.
Para estimular o potencial criativo podemos oferecer objetos de diferentes
formas, tamanhos, cores, volumes, texturas, onde a criança pode explorar de
forma curiosa e livremente exercitar sua motricidade, habilidades e autonomia.
Quando respeitamos cada etapa do desenvolvimento infantil não impondo regras ou
restrições, estamos de fato ajudando-a a ser livre e autossuficiente.
A
criança pequena gosta de jogar a bola e recebe-la de volta, com esse gesto
simples revela o prazer e a diversão da repetição, estimulando sua autonomia e
movimento livre. Quando nos escondemos e de repente surgimos diante dela
provocando uma gargalhada gostosa, estamos estimulando a criança a brincadeiras
que trazem conforto e alegria que não se compara com o estímulo de bonecos de
plástico ou bichinhos de pelúcia.
Crianças
pequenas precisam ficar próximas, requerem a observação atenta dos adultos que,
não precisam estimulá-las o tempo todo, mas, identificar suas aptidões deixando-as
livres para descobrirem seu espaço.
Podemos
observar que crianças que rapidamente se entediam de brincarem sozinhas
necessitando da presença de um adulto por perto, reforça o sentimento de sua
dependência, desse modo suas experimentações ficarão reduzidas àquelas que o
adulto irá propor. Não tem curiosidade de explorar novos objetos e seu brincar
é monótono, repetitivo e pouco criativo.
Muitos pais conseguem conciliar suas
atividades domésticas e profissionais ao lado de seus pequenos filhos, quando
conseguem essa proeza e atendê-los, com paciência e amorosidade, as coisas
costumam dar certo, acontece que as crianças também percebem quando esse nível
de atenção tem ou não qualidade, ou seja, crianças requerem tempo, dedicação e
paciência para não apressar o seu desenvolvimento que é absolutamente
individual.
A
criança precisa sentir essa disponibilidade do adulto que, antes de qualquer
coisa, elege a prioridade de ficar com ela, abrindo mão de alguns afazeres,
desse modo a criança vai confiando no adulto que está ao seu lado e aos poucos ganhando
autonomia e independência podemos deixa-la mais distante, não significa
abandoná-la, estimulando sua independência, então essa segurança vai sendo
construída e se fortalecendo cada vez mais.
Geralmente
incentivo os pais a cantarem, músicas infantis que ouviam quando eram crianças.
São revestidas de afeto, com um sotaque amoroso e acalentador, isso faz toda
diferença, a criança brinca ouvindo uma voz humana conhecida e que interage com
ela. Os adultos também poderão dispor de algum tempo para lhe dar atenção, observando
a atividade em que a criança se encontra envolvida, não fazendo por ela, nem
estimulando-a
Desaprendemos
a praticar coisas simples, como cantar ou assobiar enquanto estamos realizando
nossas tarefas diárias ou não reclamar quando precisamos fazer outras coisas, talvez
não tão agradáveis, mas que precisam ser feitas. Não devemos esquecer que as
crianças nos observam com atenção e imitam nossos gestos e palavras, portanto,
convém ficarmos atentos.
A
médica húngara Emmi Pikler comentou a respeito do brincar infantil: “Recentemente
tem ocorrido grandes discussões sobre se deixar uma criança brincar
demasiadamente de forma livre poderia prejudicar seu desenvolvimento. Nós temos
um ponto de vista oposto, o brincar livre, independente, sem ajuda ou incitação
de quem a cuida (que no âmbito familiar significa sem a presença dos pais) é
fundamental para o desenvolvimento. Porém isso só funciona se proporcionamos
continuamente os elementos condutores externos e se a criança está ativa e
ocupada, inclusive sem a presença do adulto. É um esforço considerável dar à
criança a liberdade e a quietude que requer esse tipo de brincadeira dentro de
um grupo de crianças. Pensamos que o esforço vale a pena.” (2)
A
infância passa rapidamente e precisamos aproveitá-la da melhor forma possível.
(1)
ANDAR, FALAR,
PENSAR / A ATIVIDADE LÚDICA / Rudolf Steiner [tradução de Jacira Cardoso] –
nona edição – São Paulo: Ed. Antroposófica, 2014
(2)
AS ORIGENS DO
BRINCAR LIVRE / Éva Kálló/Györgyi Balog – [tradução Susana Martínez] – São
Paulo: Omnisciência, 2017. (Coleção primeira infância: educar de 0 a 6 anos)
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