MEDICINA ESCOLAR
Já em 1919, em
Stuttgard, atendendo a um convite do gerente da fábrica de cigarros
Waldorf-Astória, para falar com seus funcionários a respeito dos princípios do
organismo social e sobre uma nova proposta pedagógica, Rudolf Steiner (1861 –
1925) elaborou os primeiros passos de uma nova pedagogia cuja proposta,
bastante inovadora à época logo (após à Primeira Guerra Mundial 1914 – 1918) consistia em uma escola única com 12 séries
para todas as classes sociais, para crianças de ambos os sexos que incluísse o
ensino fundamental e o ensino médio e que fosse acessível a qualquer pessoa, independentemente
de sua posição social, causando grande interesse do seu público que desejava
essa escola descrita por Steiner para seus filhos. O início se deu em 23 de
abril de 1919, em homenagem à essa iniciativa recebeu o nome de Pedagogia
Waldorf e encontra-se presente em todos os continentes; no Brasil a primeira
escola surgiu há 69 anos (Escola Higienópolis em 27/02/1956, hoje Escola
Waldorf Rudolf Steiner), existem mais de 90 escolas Waldorf filiadas e outras
170 em processo de filiação, distribuídas em 21 estados, contabilizando mais de
20.000 alunos e aproximadamente 2.400 professores (segundo dados da FEWB –
Federação das Escolas Waldorf do Brasil). No resto do mundo existem
atualmente mais de 1.100 escolas em cerca de 64 países, além de cerca de 1.857
jardins de infância Waldorf em mais de 70 países. Além disso, existem
associações Waldorf e centros de treinamento de professores para educadores e
professores associados à essa pedagogia em todo o mundo. Resumindo, a
pedagogia Waldorf, com suas escolas e jardins de infância, representa um dos
maiores movimentos educacionais independentes do mundo, com grande expansão e
influência em diferentes países e continentes (1).
Entre os primeiros
12 professores que inauguraram a escola para 256 alunos, em 1919, já se encontrava
um médico, Eugen Kolisko (1893 – 1939), que participou ativamente desse
processo atuando como médico dentro dela inaugurando o que, tempos depois, foi classificado
como medicina escolar. Atualmente, depois de muitos anos sem essa valiosa parceria,
acontece aqui no Brasil (desde 2018), um curso de formação de medicina
pedagógica voltado especificamente para preencher essa lacuna importante dentro
da escola: o médico escolar.
Muitas
variações aconteceram desde então, a escola no que se entende como instituição
de ensino também sofreu mudanças, embora os pilares que sustentam a pedagogia
sejam razoavelmente mantidos, o outro elo disso, no caso a família e os alunos
apresentam expectativas e comportamentos muito diferentes, portanto, a
integração e o auxílio de outros profissionais dentro das instituições de
ensino mostra-se de grande ajuda.
MÉDICO
NA ESCOLA E O MÉDICO ESCOLAR
O papel do
médico escolar se diferencia principalmente na sua atuação dentro da escola, em
cujo cenário ele passa a frequentar. A começar pelo ambiente da sala de aula
(setting), onde o médico é convidado (ou não) a participar da dinâmica escolar
e o seu papel como observador e não como um crítico ou um prescritor, afinal a
escola não é o seu consultório e, fundamentalmente, a atuação do médico está
ligado às ações terapêutico-pedagógicas que ele poderá contribuir e desenvolver
em parceria com os professores. Não se prescrevem medicamentos como
habitualmente se imaginaria ou a realização de um exame clínico dos alunos e
sim a indicação de várias estratégias que objetivam as mudanças que a criança
precisa enfrentar afim de superar suas dificuldades e dentro de suas próprias potencialidades
atingir seu objetivo.
A começar por
avaliar seu comportamento no ambiente escolar. É significativo observar desde o
momento em que o aluno chega à escola, sua atividade dentro da sala de aula,
seu grau de interesse ou desatenção, sua interação com os colegas, funcionários
e professores, suas atividades nos intervalos até o término do período letivo. Entre
as várias maneiras de observação da criança, os temperamentos humanos, que
definem características individuais podem servir como valiosas ferramentas
pedagógicas.
Os
temperamentos influenciam o comportamento e a forma como as pessoas interagem
com o mundo, em suma, como o indivíduo observa o mundo à sua volta. A teoria
clássica dos temperamentos, remonta à Grécia Antiga a partir de Empédocles que
propôs que todos os objetos e seres vivos, incluindo os seres humanos, seriam
compostos por quatro elementos básicos: terra, água, ar e fogo, que
interagiriam e se combinariam de diversas formas.
Hipócrates,
influenciado por Empédocles, relacionou esses elementos aos quatro
temperamentos: melancólico (terra), fleumático (água), sanguíneo (ar) e
colérico (fogo):
- Melancólico (Terra): Predominância da
terra, considerada fria e seca, levando a um temperamento caracterizado
pela introspecção, reflexão, análise e melancolia, essas características
acrescentam um traço de pessimismo e ansiedade conferindo a tendência por
um adiamento de suas tarefas por não se considerar pronto para
executá-las.
- Fleumático (Água): Predominância da
água, considerada fria e úmida, resultando em um temperamento calmo,
pacífico e com pouca impulsividade, por apresentar ponderação e
equilíbrio consegue realizar e terminar suas tarefas e tem a tendência de
perseverar e persistir mesmo diante de dificuldades.
- Sanguíneo (Ar): Predominância do ar,
considerado quente e úmido, levando a um temperamento otimista,
extrovertido e com fácil comunicação, podendo apresentar dificuldade em concluir
suas tarefas e por ter uma tendência à desorganização e distração.
- Colérico (Fogo): Predominância do
fogo, considerado quente e seco, resultando em um temperamento impetuoso,
impulsivo, determinado, às vezes agressivo e com tendência a explosões
emocionais, com tendência a liderança e com pouca disposição para ouvir
opiniões contrárias às suas.
Compreender os
temperamentos poderá contribuir para entender a perspectiva com a qual esse
sujeito se apresenta diante do mundo, assim como facilitar a comunicação, a
produtividade e o trabalho pessoal do aluno e o seu desempenho social. Ao
reconhecer os diferentes tipos de temperamento, é possível se adaptar melhor às
interações com outras pessoas e entender melhor as suas próprias
características. Os temperamentos podem ser extremamente úteis na observação
das dinâmicas dentro da escola. Assim como a própria disposição do aluno dentro
da sala de aula. Sanguíneos que, geralmente se impressionam facilmente e se
distraem com facilidade, devem ficar próximos ao professor, de preferência
longe das janelas que trazem informações que dificultarão sua atenção já comprometida,
ao passo que crianças coléricas, ficam melhor acomodadas nas últimas fileiras
onde podem “tomar conta da classe”. Exigir que uma criança melancólica
se submeta a um desafio pode ser frustrante, pois o seu grau de exigência e ansiedade
podem impedi-la de tentar experimentar situações que não se julgue capaz de
realizar e, finalmente, fleumáticos não ficarão intimidados em realizar tarefas
e trabalhos difíceis e monótonos, costumam terminar seus encargos com persistência
e resignação.
Do mesmo modo
que os temperamentos, que podem ser mais facilmente reconhecidos a partir dos
07 anos, a constituição infantil, que desde cedo já se manifesta, quando
conhecida e devidamente trabalhada, pode também ser um aliado importante nas ações
pedagógico-terapêuticas que o médico escolar venha a indicar determinando então
duas possibilidades: a criança de cabeça grande e a criança de cabeça pequena.
A criança de
cabeça grande se concentra e possui uma imaginação muito rica, é fantasiosa e
por sonhar bastante tende a se dispersar em ilusões e devaneios. Se sua
capacidade ideativa é sintética e construtiva seu pensamento analítico é fraco,
pois mistura as coisas e sente dificuldade em distinguir os fatos. Sob o ponto
de vista pedagógico no ensino artístico chega a se destacar, aprecia também as histórias,
os contos e outras matérias onde o professor introduza uma narrativa ou uma
imagem envolvente, mas em matérias como matemática e a gramática fica muito a
desejar. Por sua vez, a criança de cabeça pequena tem dificuldade em se
concentrar e se distrai com facilidade, chama atenção a grande pobreza no
desenvolvimento de sua imaginação, pois lhe falta a inspiração. Essa criança
tende a cismar e isso geralmente a torna irrequieta e irritada com o ambiente à
sua volta. Nas matérias artísticas seu desenvolvimento é pobre e seus desenhos
são geralmente desprovidos de fantasia, gosta de desenhar máquinas e bonecos
sem expressividade. Na matemática, gramática e leitura apresenta bom desempenho,
embora suas redações sejam destituídas de sensibilidade e criatividade. Rudolf
Steiner recomenda intervenções dietéticas e escolares para essas crianças.
Aquela que seja considerada de cabeça grande sugere lavar com água fria pela
manhã sua cabeça e que seja acrescentado, cautelosamente, em sua dieta um pouco
mais de sal, assim como a introdução de raízes. Por sua vez aquela de cabeça
pequena prefere naturalmente o açúcar que deve ser permitido através de frutas
doces, figos, tâmaras e receberem à noite compressas aquecidas na barriga.
Medidas terapêuticas também podem ser sugeridas pelo médico. Essas impressões
são perceptíveis até 17/18 anos de vida, o que justifica essas interferências o
mais precocemente possível. Sob o ponto de vista dos temperamentos a criança de
cabeça grande tende mais para o fleumático e sanguíneo e a de cabeça pequena
com tendência ao melancólico e colérico. Para aquelas que são menos
imaginativas e, portanto, mais terrenas, pedagogicamente estimular a fantasia
através de histórias e brincadeiras é o desafio para pais e professores e
ajudar àquelas mais fantasiosas, que possuem dificuldade de lidar com os
problemas reais, através de uma análise mais concreta das coisas do mundo.
Se por um lado
dispomos de um excesso de imaginação e facilidade de concentração, com a
manutenção do tipo infantil, do outro lado existe um exagero de distração e
irritabilidade com aceleração do tipo adulto, as medidas higiênicas precisam
ser incentivadas e, desse modo, com esse olhar cuidadoso tentar ajudar a
criança a sobrepor suas dificuldades. Nas crianças que apresentam
características “cósmicas” (cabeça grande) por assim dizer, o polo cefálico
encontra-se excessivamente vitalizado com irrigação sanguínea insuficiente e
com reduzida capacidade de absorver o elemento salino, portanto esfriando a
cabeça e, aumentando a oferta de sal, podemos ajudá-las a sair de si mesmas
para que consigam ancorar. Para aquelas com características mais “terrenas”
(cabeça pequena) cujo polo metabólico se mantém isolado do restante
do corpo tornando o cérebro e toda cabeça enrijecidos, dando o aspecto de uma
criança pálida e delgada, solidamente presa à terra, conseguimos através de
calor e da oferta de açúcar (de frutas e doces não processados), um
desprendimento dessa gravidade que a prende demais à terra. Nas observações
descritas, segundo Steiner, podemos perceber nitidamente como a constituição
infantil revela características do modo como a criança observa o mundo e isso
também vale para os temperamentos e os sentidos. São elementos que ensinam ao
observador atento a maneira que poderá ajudá-la a enfrentar suas dificuldades.
A condução amorosa do adulto é o principal motivador dessa atitude, as
peculiaridades apenas apresentam um aspecto da personalidade infantil, o
desafio de pais e professores se encontra em acessar essas ferramentas
utilizando-as com habilidade para que a criança promova suas potencialidades,
sem julgamentos ou definições.
Desse modo
o médico escolar em parceria com o professor poderá ajudar a que essas crianças
consigam aproveitar o máximo de suas capacidades para vencer seus problemas e
desempenhar, dentro de suas limitações, suas tarefas e obrigações.
A ESCOLA
IDEAL
Nem sempre
a escola escolhida corresponde à escola que as expectativas dos pais almejavam.
A sonhada escola ideal vai dando lugar àquela mais viável que atenda as mais
diversas necessidades, seja pela proximidade de casa, pela estrutura física ou por
oferecer propostas pedagógicas satisfatórias. Se, a princípio encantam os pais,
depois podem trazer grandes desacordos. A desidealização surge quando os
desajustes começam a aparecer, quando os conflitos se tornam mais frequentes e a
criança começa a apresentar distúrbios de conduta e comportamento e a relação
escola-família tende a se desestabilizar. Muitos fatores aparecem nessa equação.
Muitas vezes a escola exige que o aluno haja diferente quando apresenta um
comportamento inadequado recorrente. Quando não acontece essa mudança ele passa
a ser inicialmente advertido, depois suspenso e até que, como condição de
permanência na escola, vem a exigência para que seja submetido à avaliação de
um profissional (neuropsicólogo, por exemplo) que apresentará um diagnóstico ou
uma explicação para a conduta desse aluno. Esse costuma ser o caminho adotado
na maioria das escolas e a razão de muitas discussões nessa delicada relação da
família com a escola, infelizmente com desgaste da comunicação entre corpo
docente e os pais e sem atender, de fato, as demandas do aluno. Muitas escolas
se queixam de que cada vez mais encontram-se reféns dos pais dos seus alunos e
estes por sua vez, reclamam que a pedagogia não acolhe e não entende as
atitudes de seus filhos, deixando-os sem atendimento.
A
atualidade, os valores e a dinâmica das relações apresentam desafios cada vez
maiores e o ponto de atrito acontece justamente no âmbito escolar, porque é um
local onde a criança e o jovem passam uma parte significativa de seu tempo e
onde os conflitos e as turbulências acontecem com muita frequência.
Os dilemas
que se apresentam no âmbito da educação de crianças e adolescentes trazem
muitas dúvidas e novos desafios para todos aqueles que se encontram envolvidos e
interessados em promover um desenvolvimento integral, relativamente saudável,
diante de questões complexas e provocadoras como desafio à autoridade, comportamentos
autodestrutivos, bullying, abuso de telas, abuso de substâncias, sexualidade,
autonomia e saúde mental. Nesse cenário preocupante a melhor estratégia seria que
os conflitos fossem enfrentados com uma colaboração mútua, onde todas as
partes, as quais poderíamos definir como os “condutores” da criança
estabeleçam boas regras de convívio e de cooperação, sem disputas ou
provocações, realizando um eficiente trabalho interdisciplinar (*).
Novamente
o médico escolar aparece aqui como o elo agregador, cujo papel é o de conciliar
e direcionar esforços e estratégias para que o ritmo se estabeleça. A escola,
por menos adequada que seja, apresenta regras, ritmos, horários, normas de
conduta que precisam ser respeitadas. Muitos dos conflitos surgem quando essas
mesmas regras são questionadas pelos alunos e que adquirem uma proporção muito
maior com anuência de seus pais, muitas vezes se solidarizando com seus filhos,
sem entendimento real dos fatos, criam uma grande brecha nessa já custosa e
difícil empreitada pedagógica. Regras simples são questionadas e isso
compromete todo o ritmo escolar daquele dia. Como, por exemplo, respeitando o
horário de entrada na sala de aula, esse deveria ser um ponto inquestionável,
no entanto, muitas crianças chegam atrasadas, pelas mais diferentes
justificativas e esse ritmo fica acomodado, da mesma maneira com os deveres e
tarefas escolares não entregues, com a indisciplina, com os questionamentos e
enfrentamentos de autoridade com os professores que, literalmente, “caem por
terra” quando as duas posições (escola e família) tomam posições
antagônicas e divergentes.
LIMITES
POSSÍVEIS
Estabelecer
limites não é uma tarefa fácil, embora seja simples. Mas, esse parece ser o maior
desafio que se apresenta hoje nas relações entre pais e filhos. Suas
implicações, consequências e ajustes irão se refletir nas atitudes e desempenhos
de crianças e jovens, durante muito tempo, principalmente se essas demarcações
não ficarem esclarecidas. Lidar com as frustrações, suportar o tédio, conviver
com as adversidades tem sido cada vez mais difícil e desafiador, pois
encontramos um grande contingente que entende (e aceita) que as dificuldades
podem ser contornadas e as adversidades, postergadas. A questão é que até
quando essa fronteira pode ser estendida e esse adiamento não trará,
certamente, mais problemas futuros?
Limite pode ser sutil, mas precisa acontecer. E
sobre o questionamento comum: - “a falta de limite”,
tem solução? A resposta é “sim”,
mas precisa se esforçar para obter algum sucesso. A criança não sabe até onde tem de ir,
ela simplesmente vai. Cabe ao adulto esse papel regulador e desagradável
para muitos, embora fundamental. São os pais, em primeiro lugar, aqueles que
colocam uma barreira, um marco mostrando à criança que até ali ela pode chegar, dali para frente,
não. Isso precisa
ficar sinalizado nitidamente, o que não significa que
precisa ser explicado com riqueza de detalhes. Argumentações e limites verbais
podem e devem ser feitos com as crianças mais velhas e os adolescentes, mas
gastar verborragia, insistir em uma conversa esperando que a criança pequena
entenda o motivo porque não deve fazer isso ou aquilo, passa longe da
explicação, o mais eficaz nesse caso é o exemplo, a postura. Para as crianças
pequenas (dentro do primeiro setênio de vida) todo aprendizado deveria ser
através do exemplo não verbal ou minimamente explicado e amplamente modelar.
As crianças descobrem no dia a dia no convívio com
os adultos que alguns comportamentos surtem um determinado efeito,
principalmente com seus pais e muitas manipulam isso com muita competência; no
âmbito doméstico, as coisas se desenrolam até satisfatoriamente, pois os
enfrentamentos, quando acontecem, são minimizados, as coisas costumam complicar
em outros níveis de socialização que a criança irá passar. O primeiro deles é
na escola, que por mais liberal ou humanista que seja, tem suas regras e esses
confrontos serão inevitáveis. Crianças com baixo limiar de frustração
apresentam desde cedo uma grande rejeição àqueles que impõem regras e limites,
simplesmente porque não tiveram a experiência de passar pelo desconforto de não
serem atendidas prontamente, surgindo então a crise, a birra, o conflito, a
frustração.
Aqui também cabe uma experiência recorrente no trato
com crianças dentro das escolas. No universo infantil as crianças são todas
iguais, algumas mais extrovertidas, outras tímidas, têm as arrojadas e aquelas
que são mais temerosas, mas todas as crianças são encantadoras, na verdade.
Aquelas mais vigorosas (vamos classificá-las assim,
sem rótulos), geralmente dominam
a cena e também dificilmente gostam de ceder ou de serem comandados pelos demais (incluindo
os professores) e nesse momento surgem os primeiros confrontos. Talvez porque não recebam em casa o mesmo
tipo de limite que a escola estabelece, ou por serem mesmo mais controladoras,
competitivas e com difícil manejo por parte dos adultos, causam muitos
enfrentamentos. Mesmo assim são crianças que precisam de condução,
provavelmente com mais firmeza. Outras
são mais dóceis
e aceitem melhor os limites.
Na diversidade das relações, crianças que não gostam de serem lideradas,
sofrendo quando são isoladas em suas brincadeiras, por não admitirem perder o
domínio, podem se tornar cruéis com as mais submissas, os professores realmente
precisam ficar atentos com aqueles “reizinhos mandões”. A postura dos adultos diante da criança é o fator determinante, no
sentido de contribuir ou não com a assimilação dessa autoridade, que pode ser
adequada ou displicente.
Lembra daquela brincadeira do “café com leite”? A criança podia fazer tudo que era permitido:
fazer gol, ganhar no jogo, mudar as regras, não valer penalidade quando errava,
enfim tinha esse direito, pois bem, essa época precisa ter um limite também,
precisamos mostrar para a criança que as regras existem, nem tudo pode ser
feito e que é preciso também experimentar o outro lado e se contentar que o
outro também pode brilhar. Não é estimular a competição, mas o prazer de
brincar e saber perder. Compreender que o protagonismo um dia irá terminar é
uma maneira de crescer psiquicamente saudável. Isso é um aprendizado que deve
ser estimulado.
Existe um excesso na classificação diagnóstica para
crianças que apresentam atitudes desafiadoras, quando superficialmente
são rotuladas como “agitadas e inquietas”,
ou portadoras de algum transtorno comportamental e desse modo o seu destino já
está traçado. Esse diagnóstico deve ser
feito com cuidado e por profissionais experientes. Nem todo idoso que esquece
alguma coisa é necessariamente portador da “doença
de Alzheimer”, assim como nem toda criança ativa e agitada tem “TDAH
– Transtorno e Déficit de Atenção e Hiperatividade”. Se o meu filho é mais
quieto do que o primo, posso dizer que o outro é que é agitado e o meu é
tímido, logico que eu como pai, projetando no meu filho toda minha
representação narcísica, vou considerar minha criança adequada e meu sobrinho
excessivo. Mas uma ajuda
profissional isenta seria a melhor ajuda em casos assim. Ambas as crianças tem
o seu espaço, a questão é tentar direcionar a timidez do filho para um
arrebatamento maior, estimulando sua ousadia e de outro ponto ajudar que o
primo ceda espaço e consiga ficar bem também em segundo plano. Esse é o desafio
em casos desse tipo. Muito frequentes inclusive.
Aquilo que é absolutamente claro
para alguns não é interpretado da mesma maneira por outros.
O meu limite acaba onde começa o seu? Uma regra de civilidade, sensata e viável
que pode ser combinado entre a maioria das pessoas, no entanto, demonstrar que
uma pessoa deve se adequar a uma situação, pois, seu comportamento está em
dissonância com os demais já é complicado,
porque admitir a própria falta de limite exige reflexão e, lógico, mudança. Enfim,
entender e aceitar que a nossa primazia tem o seu tempo e uma hora acaba é sair
da infância. Nas questões que abordam esse excesso, a auto educação é a o
principal ingrediente para uma mudança de postura na criança que observa e
imita esse adulto indefinido e sem controle.
Observações e interações sobre “limites” fazem parte
da lista de sugestões para palestras na quase totalidade das reuniões entre
pais e professores. Na lida diária com os alunos na escola é natural que
turbulências e desajustes envolvendo algumas fronteiras, aconteça e saber
resolver esses percalços é uma das funções do médico escolar que poderá
intervir e orientar estratégias para que em seu ambiente doméstico a criança
também tenha suas tarefas e obrigações. O grande equivoco acontece quando os
pais se apartam desse compromisso em demarcar para seus filhos que deveres e incumbências
precisam ser executados e sofrerão consequências quando não realizados. A ausência
de alguma correção, por mínima que seja, confere muito mais bônus e a criança
desconhece cada vez mais o que significa ônus.
DISTÚRBIOS
COMPORTAMENTAIS
Como se já não
bastassem os distúrbios comportamentais dos alunos a própria escola também vive
muitos dilemas, diante de questões complexas o ambiente de ensino precisa cada
vez mais de reflexão e reformulação. A construção da autonomia e da
aprendizagem, a própria questão da autoridade do professor e da escola, a saúde
física e mental do professor e as situações de crise dentro do contexto escolar
não podem passar despercebidas.
Por sua vez os
alunos também apresentam problemas de aprendizagem, bullying, abuso de
substâncias, comportamentos autodestrutivos e sofrem os impactos da tecnologia.
Mais do que
nunca uma força-tarefa se faz necessária e a experiência interdisciplinar
associando recursos da educação e da saúde mental (nas diversas inter-relações
e apoio em diversas áreas de conhecimento, num trabalho multidisciplinar,
gerando reflexões e novas respostas que favoreçam um modelo de escola mais
condizente com a realidade atual), para enfrentar os problemas coletivos, de
aprendizagem, transtornos mentais ou outras condições que afetam o
desenvolvimento integral não somente do aluno, mas também do professor.
BULLYING:
·
FÍSICO: rasteiras, empurrões, puxões de
cabelo, beliscões, socos e pontapés.
·
VERBAL: xingamentos, ameaças,
provocações, apelidos pejorativos.
·
RELACIONAL: isolamento e exclusão do
colega, difamações e calúnias.
·
CYBERBULLYING: com as
mesmas características do verbal e relacional, mas acontece em ambientes on-line
(grupos de wattszap, redes sociais, etc.)
Os
adolescentes de hoje fazem parte da chamada primeira geração de nativos
digitais, segundo pesquisadores, 79% dos jovens entre 15 e 24 anos no mundo
todo utilizam a internet, superando em muito a proporção de outras faixas
etárias. Essa pode ser uma explicação por trás da crise sem precedentes de
transtornos mentais verificados na adolescência. Esses transtornos são
considerados atualmente a principal causa de perda de anos de vida saudáveis e
trazem como consequência desfechos desagradáveis e preocupantes ao longo da
vida adulta como problemas na saúde física (alteração no ritmo de sono,
ansiedade, angústia, depressão, alterações na dieta seja por perda ou aumento
exagerado de peso, etc.), uso de substâncias, relações interpessoais
conflituosas na escola, emprego, família. A conclusão que algumas pesquisas
evidenciam é que a transição digital cria tanto novas oportunidades quanto
danos potenciais, mas se observa cada vez mais que o adiar o quanto possível o
uso de telas traz mais ganhos do que perdas na saúde mental de crianças e
jovens.
Entre os
pesquisadores já existe um consenso que indica que o uso de telas é
absolutamente nocivo para as crianças, acarretando perda da capacidade de
concentração, levando a uma experiência passiva de aprendizado, impedindo o
pensamento crítico, aptidão em resolver problemas e prejuízo na criatividade. O
que ainda não está claro é se esse efeito negativo em potencial é de curto ou
longo prazo.
Em relação ao
uso de mídia eletrônica como componente pedagógico, a Suécia (que detém o
segundo maior índice de utilização digital da União Europeia, atrás somente da
Dinamarca) decretou uma lei que proíbe o uso dos chamados smartphones
para alunos até o nono ano (15 – 16 anos), após observarem um acentuado
declínio em suas capacidades físicas e intelectuais como, por exemplo, equações
básicas de matemática não estavam sendo mais assimiladas analogicamente, contas
simples (uma a duas dezenas) de somar ou multiplicar, precisavam ser feitas com
calculadoras, incapacidades físicas como
subir em árvores, andar de costas ou cortar com tesoura, também foram
atribuídas ao tempo excessivo diante de telas. A falta de atividade física,
devido ao tempo excessivo diante das telas, estaria fazendo com que os jovens
tivessem cada vez mais doenças que normalmente acontecem somente em adultos e
idosos. A privação do sono, devido ao fato de não conseguirem desligar os
aparelhos, dormindo menos de seis horas por dia, também os tornam menos resistentes
ao estresse ocasionando aquilo que as autoridades suecas relataram como sendo
um maior risco de depressão, pensamentos suicidas e altos níveis de ansiedade,
especialmente as meninas que são mais afetadas pela exposição que as redes
sociais apresentam em relação aos transtornos alimentares, fazendo com que se sintam
mal com o seu próprio corpo que não se compara àquela configuração que a mídia
oferece como padrão de beleza.
Outro
comportamento incomodo se relaciona à prática do bullying quando as
meninas são alvo da perversidade de colegas que as fotografam
indiscriminadamente no vestiário esportivo da escola e depois espalham suas
fotos pela internet.
Instituições
de ensino devem se concentrar em como desenvolver indivíduos com seus próprios
interesses e talentos, ajudando-os a superar suas dificuldades para que possam
conquistar seus objetivos e também torná-los funcionais fazendo parte da
sociedade.
ESTRATÉGIAS
Uma das ocupações
do médico escolar é desenvolver dentro da escola o papel de transitar entre a instituição
de ensino e a família, dando voz à criança, protegendo-a e salvaguardando-a de
ambas as instâncias. É comum a escola (professor) apresentar uma queixa sobre
determinado aluno, que poderá ser coerente e que realmente necessita de
ajustes, em oposição a isso, a família não reconhece esse perfil e acaba
gerando um impasse em relação ao problema inicial: - O que fazer e como
resolver esse conflito?
Como
anteriormente exposto, a imensa maioria dos embates, são de natureza
comportamental, envolvendo o aluno, seus colegas, a sala, os professores,
enfim, determinadas situações precisam de combinações assertivas e,
preferencialmente, que tenham anuência e participação da família para que
ofereçam resultado produtivo. Nesse caso é o médico que pode e deve intervir,
estabelecendo acordos e propondo modificações na condução das crianças e
jovens, encaminhando para especialistas, quando necessário, mas, sobretudo,
acolher e assistir o aluno e sua família, como que a partir de então, todos os
envolvidos com esse aluno (professores, terapeutas, pais e médico), estabeleçam
uma mesma norma de conduta afim de que essa ação pedagógica-terapêutica atinja
um objetivo comum. Levantar o problema, diagnosticá-lo, procurando explicações
e justificativas, não produzirão efeito se não acontecerem mudanças.
É contraproducente,
não tem validade e, realmente, é decepcionante, sob o ponto de vista
pedagógico, quando a criança matriculada em uma escola onde a estruturação didática
é calcada em imagens, não se adequar a essa metodologia em casa, por exemplo,
oferecendo telas e jogos eletrônicos no período que o aluno não está em aula,
são atitudes que não se coadunam com a proposta oferecida e o pior é que são
completamente excludentes. As crianças e jovens não encontram a harmonia
necessária para um aprendizado minimamente satisfatório. Não significa defender
essa ou aquela metodologia de ensino, mas sim a coerência e garantir essa
continuidade na vida diária do aluno.
Esse fluxo nem
sempre é fácil, mas é fundamental. Como já mencionado anteriormente,
chega a ser desagradável para os pais constatar que seu filho causa problemas
na escola, é uma exposição, uma ferida narcísica que incomoda e que provoca,
inicialmente, incredulidade e negação. É lógico que interiormente todo pai sabe
o filho que têm, sabe que muitos relatos feitos pelo professor, de fato são
verdadeiros; assim como sair em defesa e justificar essas atitudes são
pertinentes aos pais, mas volta-se à primeira questão: - O que afinal pode ser
feito para que isso se modifique? E a resposta mais óbvia, sem partidarismos é
somente uma: - Oferecer mudanças. Sem isso não existe a mínima chance de
melhora e as coisas simplesmente se cristalizam.
Algumas
atitudes ainda têm um efeito salutogênico (*) que deveria ser experimentado,
trata-se das tarefas dentro de casa, algo muito antigo ligado à educação
doméstica básica onde a criança desenvolve desde cedo o senso de
responsabilidade e fundamentalmente significa cuidar do que é seu e ter o seu
papel dentro da sua família, a chamada função familiar. Isso é um aprendizado
que se promove e se ensina no dia a dia, desde muito cedo, a autonomia (**). Que
é uma forma de mostrar à criança que ela pode se independer e poder atuar no
mundo, não sem proteção, sem orientação, mas com estímulo e persistência. Para que
isso aconteça precisa antes de mais nada cuidar das suas coisas, arrumar seu
quarto, guardar seus brinquedos, saber usar o banheiro, entender que o ambiente
que não é comum deve ser respeitado, assim como considerar, aprender a
reverenciar os mais velhos e as coisas que ela ainda não conhece. Enfim, a
árdua tarefa de inserir a criança no mundo diante de todas as adversidades e
possíveis percalços que ela pode encontrar, mas que encontrará dentro de si uma
condição humana que lhe foi ensinada na família, também corroborada na escola,
onde também terá de desempenhar suas obrigações. Esse indivíduo então, poderá
atuar no mundo com esses aprendizados ensinados desde muito cedo por seus pais e
dentro de suas limitações, que aprenderá a superar e com dignidade e confiança
conquistar o seu lugar.
Esse talvez
seja o papel mais relevante que o médico escolar possa realmente transmitir aos
pais e professores, a determinação de que o trabalho com a criança e o jovem é
importante, válido, causa impacto e pode sim ajudá-los a enfrentar o que virá
pela frente.
(*) Trabalho interdisciplinar refere-se à colaboração entre
diferentes disciplinas ou áreas de conhecimento para abordar um determinado
tema ou problema de forma mais abrangente e integrada. Em vez de analisar
a situação isoladamente em cada área, o trabalho interdisciplinar busca
combinar os conhecimentos e perspectivas de várias áreas para obter uma
compreensão mais completa e aprofundada.
(*) Salutogênese (do latim: salus = saúde;
e do grego: genesis = origem) é um termo cunhado por Aaron
Antonovsky (1923 - 1994) para designar a busca das razões que levam alguém a
estar saudável. Esse conceito representou uma mudança de paradigma nas
ciências de saúde, que até então buscavam uma explicação apenas para a razão de
alguém estar doente (patogênese)."Salutogênese" é um processo
que desperta o potencial do ser humano de viver a vida de forma mais
satisfatória, promovendo a capacidade de superação e recuperação das
adversidades, estabelecendo como foco principal a promoção da saúde positiva ao
incentivar a autonomia e a habilidade dos indivíduos em administrarem suas
vidas, fazendo escolhas conscientes e mantendo-se saudáveis. É a compreensão de
que a saúde é um recurso para a vida e não um objetivo do viver.
(**) Autonomia é um termo de origem grega cujo significado
está relacionado com independência, liberdade ou autossuficiência.
A contradição disso (antônimo) é heteronomia, palavra que indica dependência,
submissão ou subordinação.
BIBLIOGRAFIA E LEITURA COMPLEMENTAR
fewb.org.br/pw fontes históricas / https://wwwfewb.org.br
DILEMAS NA EDUCAÇÃO – Novas Gerações,
Novos Desafios - Alcione Marques e Gustavo M. Estanislau – Grupo Autêntica –
São Paulo, 2023
SAÚDE MENTAL NA ESCOLA – O Que os
Educadores Devem Saber – Gustavo M. Estanislau e Rodrigo Affonseca Bressan
(organizadores) – ed. ARTMED – Porto Alegre, 2014
CONVERSANDO COM OS PAIS – Questionamentos,
Desafios, Propostas e Provocações na Condução das Crianças na Vida Atual – José
Carlos Neves Machado – ed. Do autor – São Paulo, 2024.
EDUCAÇÃO PARA A LIBERDADE – A
pedagogia de Rudolf Steiner – Frans Carlgren e Arne Klingborg [tradução de
Edith Kunze e Kurt O. Kunzel] – Escola Waldorf Rudolf Steiner – São Paulo, 2006.
A ESCOLA QUE SEMPRE SONHEI SEM
IMAGINAR QUE PUDESSE EXISTIR – Rubem Alves – Papirus Editora – Campinas, 2012.
NÓS E A ESCOLA – Agonias e
Alegrias – Mário Sergio Cortella – ed. Vozes – Petrópolis, 2018.
NÃO NASCEMOS PRONTOS – Provocações
Filosóficas – Mário Sergio Cortella – ed. Vozes – São Paulo, 2017.
OS BEBÊS E SUAS MÃES – Donald Woods
WINNICOTT [tradução de Jefferson L. Camargo] – ed. Martins Fontes – São Paulo,
1988.
VÍNCULO, MOVIMENTO E AUTONOMIA –
Suzana Macedo Soares – Omnisciência – São Paulo, 2017.
De PUERIS – Erasmo de Rotterdam
[tradução, introdução e notas de Luiz Ferracinel] – ed. Escala – São Paulo, 2008.
OS TIPOS CONSTITUCIONAIS DAS
CRIANÇAS – Três palestras de Rudolf Steiner comentadas em três conferências da
Dra. Michaella Glöckler. Terceira edição – ed. João de Barro – São Paulo, 2007.
O MISTÉRIO DOS TEMPERAMENTOS –
Rudolf Steiner – textos escolhidos – ed. Antroposófica – São Paulo, 2017.
FUNDAMENTOS DA ANTROPOSOFIA APLICADA
À SAÚDE – Nilo E. Gardin e colaboradores – editora Liber Vitae – São Paulo, 2021.
A FÁBRICA DE CRETINOS DIGITAIS –
Os Perigos das Telas para Nossas Crianças – Michel Desmurget [tradução de Mauro
Pinheiro] – ed. Vestígio – São Paulo, 2023.
A GERAÇÃO ANSIOSA – Como a Infância
Hiper Conectada está Causando uma Epidemia de Transtornos Mentais – Jonathan
Haidt – [tradução de Lígia Azevedo] – Companhia das Letras – São Paulo, 2024.
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