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terça-feira, 24 de junho de 2025

O menino que escrevia versos - Mia Couto (conto)

O menino que escrevia versos



De que vale ter voz
se só quando não falo é que me entendem?
De que vale acordar
se o que vivo é menos do que o que sonhei?

(VERSOS DO MENINO QUE FAZIA VERSOS)

 


— Ele escreve versos!

Apontou o filho, como se entregasse criminoso na esquadra. O médico levantou os olhos, por cima das lentes, com o esforço de alpinista em topo de montanha.

— Há antecedentes na família?

— Desculpe doutor?

O médico destrocou-se em tintins. Dona Serafina respondeu que não. O pai da criança, mecânico de nascença e preguiçoso por destino, nunca espreitara uma página. Lia motores, interpretava chaparias. Tratava bem, nunca lhe batera, mas a doçura mais requintada que conseguira tinha sido em noite de núpcias:

— Serafina, você hoje cheira a óleo Castrol.

Ela hoje até se comove com a comparação: perfume de igual qualidade qual outra mulher ousa sequer sonhar? Pobres que fossem esses dias, para ela, tinham sido lua-de-mel. Para ele, não fora senão período de rodagem. O filho fora confeccionado nesses namoros de unha suja, restos de combustível manchando o lençol. E oleosas  confissões de amor.


Tudo corria sem mais, a oficina mal dava para o pão e para a escola do miúdo. Mas eis que começaram a aparecer, pelos recantos da casa, papéis rabiscados com versos. O filho confessou, sem pestanejo, a autoria do feito.

— São meus versos, sim.

O pai logo sentenciara: havia que tirar o miúdo da escola. Aquilo era coisa de estudos a mais, perigosos contágios, más companhias. Pois o rapaz, em vez de se lançar no esfrega-refrega com as meninas, se acabrunhava nas penumbras e, pior ainda, escrevia versos. O que se passava: mariquice intelectual? Ou carburador entupido, avarias dessas que a vida do homem se queda em ponto morto?

Dona Serafina defendeu o filho e os estudos. O pai, conformado, exigiu: então, ele que fosse examinado.

— O médico que faça revisão geral, parte mecânica, parte eléctrica.

Queria tudo. Que se afinasse o sangue, calibrasse os pulmões e, sobretudo, lhe  espreitassem o nível do óleo na figadeira. Houvesse que pagar por sobressalentes, não importava. O que urgia era pôr cobro àquela vergonha familiar.

Olhos baixos, o médico escutou tudo, sem deixar de escrevinhar num papel. Aviava já a receita para poupança de tempo. Com enfado, o clínico se dirigiu ao menino:

— Dói-te alguma coisa?

—Dói-me a vida, doutor.

O doutor suspendeu a escrita. A resposta, sem dúvida, o surpreendera. Já Dona Serafina aproveitava o momento: Está a ver, doutor? Está ver? O médico voltou a erguer os olhos e a enfrentar o miúdo:

— E o que fazes quando te assaltam essas dores?

— O que melhor sei fazer, excelência.

— E o que é?

— É sonhar.

Serafina voltou à carga e desferiu uma chapada na nuca do filho. Não lembrava o que o pai lhe dissera sobre os sonhos? Que fosse sonhar longe! Mas o filho reagiu: longe, porquê? Perto, o sonho aleijaria alguém? O pai teria, sim, receio de sonho. E riu-se, acarinhando o braço da mãe.

O médico estranhou o miúdo. Custava a crer, visto a idade. Mas o moço, voz tímida, foi-se anunciando. Que ele, modéstia apartada, inventara sonhos desses que já nem há, só no antigamente, coisa de bradar à terra. Exemplificaria, para melhor crença. Mas nem chegou a começar. O doutor o interrompeu:

— Não tenho tempo, moço, isto aqui não é nenhuma clinica psiquiátrica.

A mãe, em desespero, pediu clemência. O doutor que desse ao menos uma vista de olhos pelo caderninho dos versos. A ver se ali catava o motivo de tão grave distúrbio. Contrafeito, o médico aceitou e guardou o manuscrito na gaveta. A mãe que viesse na próxima semana. E trouxesse o paciente.

Na semana seguinte, foram os últimos a ser atendi dos. O médico, sisudo, taciturneou: o miúdo não teria, por acaso, mais versos? O menino não entendeu.

— Não continuas a escrever?

— Isto que faço não é escrever, doutor. Estou, sim, a viver. Tenho este pedaço de vida
 — disse, apontando um novo caderninho — quase a meio.

O médico chamou a mãe, à parte. Que aquilo era mais grave do que se poderia pensar. O menino carecia de internamento urgente.

— Não temos dinheiro — fungou a mãe entre soluços.

— Não importa — respondeu o doutor.

Que ele mesmo assumiria as despesas. E que seria ali mesmo, na sua clínica, que o menino seria sujeito a devido tratamento. E assim se procedeu.

Hoje quem visita o consultório raramente encontra o médico. Manhãs e tardes ele se senta num recanto do quarto onde está internado o menino. Quem passa pode escutar a voz pausada do filho do mecânico que vai lendo, verso a verso, o seu próprio coração. E o médico, abreviando silêncios:

— Não pare, meu filho. Continue lendo...



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PRESTA ATENÇÃO NO QUE VOCÊ FEZ! - artigo



PRESTA ATENÇÃO NO QUE VOCÊ FEZ!

 

Uma cena comum: a criança deixa cair algum objeto no chão, por desatenção, inabilidade, distração, divagação, seja o que for e ouve a reprimenda: - Presta atenção no que você está fazendo! Às vezes revestido de uma explicação: - Parece até que tem duas mãos esquerdas! E uma previsão: - Você é muito desajeitado! E sim, essa prognose pode realmente acontecer porque essa criança acreditará que realmente é desastrada. Como se opor a uma determinação desse tipo, um vaticínio repetido muitas vezes durante os inúmeros equívocos que não foram poupados de críticas deixando evidente que a criança “não faz nada direito”.

E assim desse modo, talvez não intencional, mas lesivo do mesmo modo, vai se construindo esse “falso self” em que a criança vai formando a imagem deturpada de ser canhestra, inábil e não conseguir realizar algumas tarefas à contento de seus algozes a quem essa afirmação deveria ser dirigida: - Presta atenção no que você faz quando fala essas bobagens à criança!

A criança ainda não tem repertório psíquico suficiente para neutralizar as afirmações nem sempre incentivadoras de seus condutores, principalmente se forem seus pais, cuja fala tem um enorme poder. Aprende então, pela repetição e até pela aceitação de que realmente ela é desajeitada, esquisita, desastrada, distraída e por aí afora. Mas se entende que não faça nada direito, como encontrar um lugar no mundo que a acolha e que possa realizar algum trabalho?

Muitas falas podem ser extremamente cruéis, nem todas são premeditadas ou intencionais, mas não diminuem o grande poder destrutivo que acabam fazendo na cabeça das crianças. Muitos pais se justificam: - Não quis dizer aquilo! – Estava nervoso e saiu... – Meu filho sabe que eu gosto dele... Pois é, o fato de não querer dizer isso ou aquilo não impediu a fala atravessada ou ataques de fúria e nervosismo causam sim muitos temores e, às vezes, ficam permeados na memória durante anos.

Na memória infantil ficam guardadas experiências significativas e marcantes, especialmente aquelas carregadas de emoção e afeto. O que mais permanece são as relações, as brincadeiras, as descobertas, os momentos de conexão com os cuidadores e o ambiente em que a criança está inserida. Cheiros, sons e sabores associados a momentos felizes, as relações afetivas que estabeleceram com outras pessoas, incluindo a forma com que foram tratados e como sentiram essas interações, viagens, festas, momentos marcantes e pequenas situações do cotidiano que ficaram gravadas na memória.

Mas, também existem as lembranças ruins do passado que podem ser perturbadoras e impactar negativamente o presente.  Lembranças ruins podem variar desde pequenos momentos constrangedores até experiências traumáticas. Elas podem ser desencadeadas por eventos específicos ou surgir de forma espontânea, afetando o bem-estar emocional e mental. Isso acontece porque o cérebro tende a dar mais destaque às experiências negativas, pois elas são vistas como ameaças potenciais que precisam ser lembradas para evitar que se repitam, uma espécie de auto preservação. No entanto, essa tendência pode gerar sofrimento e ansiedade, especialmente quando as lembranças são muito fortes ou recorrentes.

Deveríamos ter consciência disso a fim de selecionar aquilo que falamos de maneira irrefletida e descompromissada, pois, certamente vai gerar consequências nem sempre superficiais, ao contrário, bastante perturbadoras.

Prestar atenção no que se fez, seja na fala como na atitude serve para o condutor do mesmo modo que para o conduzido. É natural que a criança erre, todos erramos de alguma forma, se adultos conseguimos alguma proeza em alguma coisa, foi, justamente porque erramos muitas vezes até conseguir lograr êxito, que muitas vezes é temporário exigindo novo esforço e novo aprendizado. Por exemplo, em relação ao uso da mídia eletrônica. Exceto os nativos digitais (geração Z, nascidos a partir de meados da década de 1990 e a geração Alpha, nascidos após 2010), que possuem uma fluência digital, com muita facilidade e familiaridade com tecnologias digitais, usando-as intuitivamente em diversas atividades, uma parcela imensa da sociedade teve de aprender manusear aparelhos e teclados para sobreviver minimamente em uma época que esse domínio se tornou necessidade. Os chamados migrantes digitais, sofrem com isso, mas tiveram de se adaptar, erram e persistem, conseguindo, mesmo que precariamente, fazer parte desse “novo mundo”. Mesmo os “deficientes virtuais” aqueles que pedem ajuda para ligar a TV ou se atrapalham com o teclado dos smartphones, sobrevivem de algum modo. Reclamam e tem saudade de outros tempos, erram e acabam aprendendo.

Então, porque as crianças também não podem errar sem receber as críticas e as definições de que precisam prestar atenção naquilo que fazem, sim, certamente é importante ficar atento e se esmerar em fazer bem feito, a superar suas dificuldades, mas com incentivo e apoio e não com desprezo e descrença. Falar para a criança que ela poderá se esforçar mais para conseguir um melhor desempenho é diferente de julgá-la e classifica-la como inábil e desastrada, assim como os mais velhos tiveram de se esforçar para adquirir desempenho em novas habilidades, errando e insistindo as crianças precisam desse mesmo incentivo. Não tem como conseguir um resultado pleno sem repetição, treino erro e correção. Faz parte da vida. É Preciso prestar atenção a isso.

                                                                                                       Dr. José Carlos Machado.



Médico Escolar – Dr. José Carlos Machado - www.mediconaescola.com acompanhe também nosso canal no YouTube: https://www.youtube.com/user/medicinaescolar  e Insta:  @anthttps://www.blogger.com/about/rhttps://www.blogger.com/about/antroposofiaemdia / @antroposofiaemdia / podcast (spotify) “Tudo Aquilo que as Crianças Gostariam que seus Pais Soubessem”/mediconaescola.blogspot.com.br.


O PRESENTE VALIOSO - conto

 




O PRESENTE VALIOSO.

 

 

Havia um povoado desolado pela guerra em que a população sobrevivia com o pouco de restara, as casas em ruínas, poucos móveis, o trabalho escasso, as pessoas viviam modestamente, com poucos recursos que encontravam e como o dinheiro também era insuficiente, os habitantes estabeleciam trocas de bens e de trabalho e tentavam resistir em uma época difícil.

Dois jovens sobreviventes viviam juntos e tentavam ser felizes. Acreditavam que o futuro seria melhor. Quando um esmorecia o outro animava e quando constatavam a dificuldade daquela vida árdua lembravam que tinham um ao outro e esse alento garantia a esperança que dias melhores haveriam de surgir.

Como dispunham de poucos objetos de valor e viviam com muita pobreza, nem sonhavam com presentes, mas ambos acalentavam em segredo o desejo de oferecer ao parceiro alguma coisa que demonstrasse um pouco da ternura e amor que sentiam.

A moça tinha um cabelo lindo que valorizava o seu rosto delicado e abrandava um pouco as feições de sofrimento da labuta diária, aquele era o seu maior tesouro, que penteava com suas próprias mãos, pois nem pente ela dispunha, tal a miséria que viviam.

O rapaz igualmente nada tinha de valor, exceto um velho relógio, herança de seu pai, que guardava com zelo, mas que nem mais funcionava, era o seu objeto mais valioso, o único que dispunha.

Um dia tiveram a ideia de presentearem um ao outro com alguma coisa que pudesse demonstrar o grande carinho que sentiam. Coincidentemente, mas em segredo pensaram em como realizar esse desejo.

A moça lembrou que na cidade havia uma mulher que talvez se interessasse pelos seus cabelos e foi ao encontro dela, imaginando que pudesse receber em troca alguma mercadoria para oferecer a seu amado e como todos eram muito pobres a única coisa que mulher tinha para oferecer em troca dos cabelos da jovem era uma corrente de ouro. A moça ficou feliz com aquela oferta, pois lembrou-se do relógio do marido e que complementaria perfeitamente. Sem dúvida, imediatamente aceitou a troca, deixou que seus cabelos fossem cortados e trouxe para casa a maravilhosa surpresa.

Por sua vez o rapaz também procurava algo que pudesse agradar sua esposa adorada e não pensou duas vezes em se desfazer de seu único bem em troca de algo especial. Encontrou um comerciante que fazia trocas em sua loja e no meio de tantas quinquilharias encontrou uma escova com cabo de madrepérola, desgastada pelo tempo, mas que seria valiosa para sua amada pentear seus lindos cabelos e sem pestanejar trocou o relógio do seu pai pela escova.

Ambos estavam felizes com suas escolhas e não viam a hora de oferecer a surpresa para seu amor.

Naquela noite quando se encontraram após o trabalho, ansiosos de como seria a admiração do companheiro ao receber o presente. A moça não se conteve e assim que o rapaz entrou em casa entregou-lhe a corrente de ouro e ele, comovido, ofertou-lhe a escova. Sorriram, então se abraçaram e comemoraram a alegria de estarem juntos.


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segunda-feira, 9 de junho de 2025

MEDICINA ESCOLAR - (artigo)





MEDICINA ESCOLAR

 

Já em 1919, em Stuttgard, atendendo a um convite do gerente da fábrica de cigarros Waldorf-Astória, para falar com seus funcionários a respeito dos princípios do organismo social e sobre uma nova proposta pedagógica, Rudolf Steiner (1861 – 1925) elaborou os primeiros passos de uma nova pedagogia cuja proposta, bastante inovadora à época logo (após à Primeira Guerra Mundial  1914 – 1918)  consistia em uma escola única com 12 séries para todas as classes sociais, para crianças de ambos os sexos que incluísse o ensino fundamental e o ensino médio e que fosse acessível a qualquer pessoa, independentemente de sua posição social, causando grande interesse do seu público que desejava essa escola descrita por Steiner para seus filhos. O início se deu em 23 de abril de 1919, em homenagem à essa iniciativa recebeu o nome de Pedagogia Waldorf e encontra-se presente em todos os continentes; no Brasil a primeira escola surgiu há 69 anos (Escola Higienópolis em 27/02/1956, hoje Escola Waldorf Rudolf Steiner), existem mais de 90 escolas Waldorf filiadas e outras 170 em processo de filiação, distribuídas em 21 estados, contabilizando mais de 20.000 alunos e aproximadamente 2.400 professores (segundo dados da FEWB – Federação das Escolas Waldorf do Brasil). No resto do mundo existem atualmente mais de 1.100 escolas em cerca de 64 países, além de cerca de 1.857 jardins de infância Waldorf em mais de 70 países. Além disso, existem associações Waldorf e centros de treinamento de professores para educadores e professores associados à essa pedagogia em todo o mundo. Resumindo, a pedagogia Waldorf, com suas escolas e jardins de infância, representa um dos maiores movimentos educacionais independentes do mundo, com grande expansão e influência em diferentes países e continentes (1).

Entre os primeiros 12 professores que inauguraram a escola para 256 alunos, em 1919, já se encontrava um médico, Eugen Kolisko (1893 – 1939), que participou ativamente desse processo atuando como médico dentro dela inaugurando o que, tempos depois, foi classificado como medicina escolar. Atualmente, depois de muitos anos sem essa valiosa parceria, acontece aqui no Brasil (desde 2018), um curso de formação de medicina pedagógica voltado especificamente para preencher essa lacuna importante dentro da escola: o médico escolar.

Muitas variações aconteceram desde então, a escola no que se entende como instituição de ensino também sofreu mudanças, embora os pilares que sustentam a pedagogia sejam razoavelmente mantidos, o outro elo disso, no caso a família e os alunos apresentam expectativas e comportamentos muito diferentes, portanto, a integração e o auxílio de outros profissionais dentro das instituições de ensino mostra-se de grande ajuda.

 

 

MÉDICO NA ESCOLA E O MÉDICO ESCOLAR

 

O papel do médico escolar se diferencia principalmente na sua atuação dentro da escola, em cujo cenário ele passa a frequentar. A começar pelo ambiente da sala de aula (setting), onde o médico é convidado (ou não) a participar da dinâmica escolar e o seu papel como observador e não como um crítico ou um prescritor, afinal a escola não é o seu consultório e, fundamentalmente, a atuação do médico está ligado às ações terapêutico-pedagógicas que ele poderá contribuir e desenvolver em parceria com os professores. Não se prescrevem medicamentos como habitualmente se imaginaria ou a realização de um exame clínico dos alunos e sim a indicação de várias estratégias que objetivam as mudanças que a criança precisa enfrentar afim de superar suas dificuldades e dentro de suas próprias potencialidades atingir seu objetivo.

A começar por avaliar seu comportamento no ambiente escolar. É significativo observar desde o momento em que o aluno chega à escola, sua atividade dentro da sala de aula, seu grau de interesse ou desatenção, sua interação com os colegas, funcionários e professores, suas atividades nos intervalos até o término do período letivo. Entre as várias maneiras de observação da criança, os temperamentos humanos, que definem características individuais podem servir como valiosas ferramentas pedagógicas.

Os temperamentos influenciam o comportamento e a forma como as pessoas interagem com o mundo, em suma, como o indivíduo observa o mundo à sua volta. A teoria clássica dos temperamentos, remonta à Grécia Antiga a partir de Empédocles que propôs que todos os objetos e seres vivos, incluindo os seres humanos, seriam compostos por quatro elementos básicos: terra, água, ar e fogo, que interagiriam e se combinariam de diversas formas.

Hipócrates, influenciado por Empédocles, relacionou esses elementos aos quatro temperamentos: melancólico (terra), fleumático (água), sanguíneo (ar) e colérico (fogo):

    • Melancólico (Terra): Predominância da terra, considerada fria e seca, levando a um temperamento caracterizado pela introspecção, reflexão, análise e melancolia, essas características acrescentam um traço de pessimismo e ansiedade conferindo a tendência por um adiamento de suas tarefas por não se considerar pronto para executá-las.
    • Fleumático (Água): Predominância da água, considerada fria e úmida, resultando em um temperamento calmo, pacífico e com pouca impulsividade, por apresentar ponderação e equilíbrio consegue realizar e terminar suas tarefas e tem a tendência de perseverar e persistir mesmo diante de dificuldades.
    • Sanguíneo (Ar): Predominância do ar, considerado quente e úmido, levando a um temperamento otimista, extrovertido e com fácil comunicação, podendo apresentar dificuldade em concluir suas tarefas e por ter uma tendência à desorganização e distração.
    • Colérico (Fogo): Predominância do fogo, considerado quente e seco, resultando em um temperamento impetuoso, impulsivo, determinado, às vezes agressivo e com tendência a explosões emocionais, com tendência a liderança e com pouca disposição para ouvir opiniões contrárias às suas.

Compreender os temperamentos poderá contribuir para entender a perspectiva com a qual esse sujeito se apresenta diante do mundo, assim como facilitar a comunicação, a produtividade e o trabalho pessoal do aluno e o seu desempenho social. Ao reconhecer os diferentes tipos de temperamento, é possível se adaptar melhor às interações com outras pessoas e entender melhor as suas próprias características. Os temperamentos podem ser extremamente úteis na observação das dinâmicas dentro da escola. Assim como a própria disposição do aluno dentro da sala de aula. Sanguíneos que, geralmente se impressionam facilmente e se distraem com facilidade, devem ficar próximos ao professor, de preferência longe das janelas que trazem informações que dificultarão sua atenção já comprometida, ao passo que crianças coléricas, ficam melhor acomodadas nas últimas fileiras onde podem “tomar conta da classe”. Exigir que uma criança melancólica se submeta a um desafio pode ser frustrante, pois o seu grau de exigência e ansiedade podem impedi-la de tentar experimentar situações que não se julgue capaz de realizar e, finalmente, fleumáticos não ficarão intimidados em realizar tarefas e trabalhos difíceis e monótonos, costumam terminar seus encargos com persistência e resignação.

Do mesmo modo que os temperamentos, que podem ser mais facilmente reconhecidos a partir dos 07 anos, a constituição infantil, que desde cedo já se manifesta, quando conhecida e devidamente trabalhada, pode também ser um aliado importante nas ações pedagógico-terapêuticas que o médico escolar venha a indicar determinando então duas possibilidades: a criança de cabeça grande e a criança de cabeça pequena.

A criança de cabeça grande se concentra e possui uma imaginação muito rica, é fantasiosa e por sonhar bastante tende a se dispersar em ilusões e devaneios. Se sua capacidade ideativa é sintética e construtiva seu pensamento analítico é fraco, pois mistura as coisas e sente dificuldade em distinguir os fatos. Sob o ponto de vista pedagógico no ensino artístico chega a se destacar, aprecia também as histórias, os contos e outras matérias onde o professor introduza uma narrativa ou uma imagem envolvente, mas em matérias como matemática e a gramática fica muito a desejar. Por sua vez, a criança de cabeça pequena tem dificuldade em se concentrar e se distrai com facilidade, chama atenção a grande pobreza no desenvolvimento de sua imaginação, pois lhe falta a inspiração. Essa criança tende a cismar e isso geralmente a torna irrequieta e irritada com o ambiente à sua volta. Nas matérias artísticas seu desenvolvimento é pobre e seus desenhos são geralmente desprovidos de fantasia, gosta de desenhar máquinas e bonecos sem expressividade. Na matemática, gramática e leitura apresenta bom desempenho, embora suas redações sejam destituídas de sensibilidade e criatividade. Rudolf Steiner recomenda intervenções dietéticas e escolares para essas crianças. Aquela que seja considerada de cabeça grande sugere lavar com água fria pela manhã sua cabeça e que seja acrescentado, cautelosamente, em sua dieta um pouco mais de sal, assim como a introdução de raízes. Por sua vez aquela de cabeça pequena prefere naturalmente o açúcar que deve ser permitido através de frutas doces, figos, tâmaras e receberem à noite compressas aquecidas na barriga. Medidas terapêuticas também podem ser sugeridas pelo médico. Essas impressões são perceptíveis até 17/18 anos de vida, o que justifica essas interferências o mais precocemente possível. Sob o ponto de vista dos temperamentos a criança de cabeça grande tende mais para o fleumático e sanguíneo e a de cabeça pequena com tendência ao melancólico e colérico. Para aquelas que são menos imaginativas e, portanto, mais terrenas, pedagogicamente estimular a fantasia através de histórias e brincadeiras é o desafio para pais e professores e ajudar àquelas mais fantasiosas, que possuem dificuldade de lidar com os problemas reais, através de uma análise mais concreta das coisas do mundo.

Se por um lado dispomos de um excesso de imaginação e facilidade de concentração, com a manutenção do tipo infantil, do outro lado existe um exagero de distração e irritabilidade com aceleração do tipo adulto, as medidas higiênicas precisam ser incentivadas e, desse modo, com esse olhar cuidadoso tentar ajudar a criança a sobrepor suas dificuldades. Nas crianças que apresentam características “cósmicas” (cabeça grande) por assim dizer, o polo cefálico encontra-se excessivamente vitalizado com irrigação sanguínea insuficiente e com reduzida capacidade de absorver o elemento salino, portanto esfriando a cabeça e, aumentando a oferta de sal, podemos ajudá-las a sair de si mesmas para que consigam ancorar. Para aquelas com características mais “terrenas” (cabeça pequena) cujo polo metabólico se mantém isolado do restante do corpo tornando o cérebro e toda cabeça enrijecidos, dando o aspecto de uma criança pálida e delgada, solidamente presa à terra, conseguimos através de calor e da oferta de açúcar (de frutas e doces não processados), um desprendimento dessa gravidade que a prende demais à terra. Nas observações descritas, segundo Steiner, podemos perceber nitidamente como a constituição infantil revela características do modo como a criança observa o mundo e isso também vale para os temperamentos e os sentidos. São elementos que ensinam ao observador atento a maneira que poderá ajudá-la a enfrentar suas dificuldades. A condução amorosa do adulto é o principal motivador dessa atitude, as peculiaridades apenas apresentam um aspecto da personalidade infantil, o desafio de pais e professores se encontra em acessar essas ferramentas utilizando-as com habilidade para que a criança promova suas potencialidades, sem julgamentos ou definições.

Desse modo o médico escolar em parceria com o professor poderá ajudar a que essas crianças consigam aproveitar o máximo de suas capacidades para vencer seus problemas e desempenhar, dentro de suas limitações, suas tarefas e obrigações.

 

A ESCOLA IDEAL

 

Nem sempre a escola escolhida corresponde à escola que as expectativas dos pais almejavam. A sonhada escola ideal vai dando lugar àquela mais viável que atenda as mais diversas necessidades, seja pela proximidade de casa, pela estrutura física ou por oferecer propostas pedagógicas satisfatórias. Se, a princípio encantam os pais, depois podem trazer grandes desacordos. A desidealização surge quando os desajustes começam a aparecer, quando os conflitos se tornam mais frequentes e a criança começa a apresentar distúrbios de conduta e comportamento e a relação escola-família tende a se desestabilizar. Muitos fatores aparecem nessa equação. Muitas vezes a escola exige que o aluno haja diferente quando apresenta um comportamento inadequado recorrente. Quando não acontece essa mudança ele passa a ser inicialmente advertido, depois suspenso e até que, como condição de permanência na escola, vem a exigência para que seja submetido à avaliação de um profissional (neuropsicólogo, por exemplo) que apresentará um diagnóstico ou uma explicação para a conduta desse aluno. Esse costuma ser o caminho adotado na maioria das escolas e a razão de muitas discussões nessa delicada relação da família com a escola, infelizmente com desgaste da comunicação entre corpo docente e os pais e sem atender, de fato, as demandas do aluno. Muitas escolas se queixam de que cada vez mais encontram-se reféns dos pais dos seus alunos e estes por sua vez, reclamam que a pedagogia não acolhe e não entende as atitudes de seus filhos, deixando-os sem atendimento.

A atualidade, os valores e a dinâmica das relações apresentam desafios cada vez maiores e o ponto de atrito acontece justamente no âmbito escolar, porque é um local onde a criança e o jovem passam uma parte significativa de seu tempo e onde os conflitos e as turbulências acontecem com muita frequência.

Os dilemas que se apresentam no âmbito da educação de crianças e adolescentes trazem muitas dúvidas e novos desafios para todos aqueles que se encontram envolvidos e interessados em promover um desenvolvimento integral, relativamente saudável, diante de questões complexas e provocadoras como desafio à autoridade, comportamentos autodestrutivos, bullying, abuso de telas, abuso de substâncias, sexualidade, autonomia e saúde mental. Nesse cenário preocupante a melhor estratégia seria que os conflitos fossem enfrentados com uma colaboração mútua, onde todas as partes, as quais poderíamos definir como os “condutores” da criança estabeleçam boas regras de convívio e de cooperação, sem disputas ou provocações, realizando um eficiente trabalho interdisciplinar (*).

Novamente o médico escolar aparece aqui como o elo agregador, cujo papel é o de conciliar e direcionar esforços e estratégias para que o ritmo se estabeleça. A escola, por menos adequada que seja, apresenta regras, ritmos, horários, normas de conduta que precisam ser respeitadas. Muitos dos conflitos surgem quando essas mesmas regras são questionadas pelos alunos e que adquirem uma proporção muito maior com anuência de seus pais, muitas vezes se solidarizando com seus filhos, sem entendimento real dos fatos, criam uma grande brecha nessa já custosa e difícil empreitada pedagógica. Regras simples são questionadas e isso compromete todo o ritmo escolar daquele dia. Como, por exemplo, respeitando o horário de entrada na sala de aula, esse deveria ser um ponto inquestionável, no entanto, muitas crianças chegam atrasadas, pelas mais diferentes justificativas e esse ritmo fica acomodado, da mesma maneira com os deveres e tarefas escolares não entregues, com a indisciplina, com os questionamentos e enfrentamentos de autoridade com os professores que, literalmente, “caem por terra” quando as duas posições (escola e família) tomam posições antagônicas e divergentes.

   

LIMITES POSSÍVEIS

 

Estabelecer limites não é uma tarefa fácil, embora seja simples. Mas, esse parece ser o maior desafio que se apresenta hoje nas relações entre pais e filhos. Suas implicações, consequências e ajustes irão se refletir nas atitudes e desempenhos de crianças e jovens, durante muito tempo, principalmente se essas demarcações não ficarem esclarecidas. Lidar com as frustrações, suportar o tédio, conviver com as adversidades tem sido cada vez mais difícil e desafiador, pois encontramos um grande contingente que entende (e aceita) que as dificuldades podem ser contornadas e as adversidades, postergadas. A questão é que até quando essa fronteira pode ser estendida e esse adiamento não trará, certamente, mais problemas futuros?

Limite pode ser sutil, mas precisa acontecer. E sobre o questionamento comum: - “a falta de limite”, tem solução? A resposta é “sim”, mas precisa se esforçar para obter algum sucesso. A criança não sabe até onde tem de ir, ela simplesmente vai. Cabe ao adulto esse papel regulador e desagradável para muitos, embora fundamental. São os pais, em primeiro lugar, aqueles que colocam uma barreira, um marco mostrando à criança que até ali ela pode chegar, dali para frente, não. Isso precisa ficar sinalizado nitidamente, o que não significa que precisa ser explicado com riqueza de detalhes. Argumentações e limites verbais podem e devem ser feitos com as crianças mais velhas e os adolescentes, mas gastar verborragia, insistir em uma conversa esperando que a criança pequena entenda o motivo porque não deve fazer isso ou aquilo, passa longe da explicação, o mais eficaz nesse caso é o exemplo, a postura. Para as crianças pequenas (dentro do primeiro setênio de vida) todo aprendizado deveria ser através do exemplo não verbal ou minimamente explicado e amplamente modelar.

As crianças descobrem no dia a dia no convívio com os adultos que alguns comportamentos surtem um determinado efeito, principalmente com seus pais e muitas manipulam isso com muita competência; no âmbito doméstico, as coisas se desenrolam até satisfatoriamente, pois os enfrentamentos, quando acontecem, são minimizados, as coisas costumam complicar em outros níveis de socialização que a criança irá passar. O primeiro deles é na escola, que por mais liberal ou humanista que seja, tem suas regras e esses confrontos serão inevitáveis. Crianças com baixo limiar de frustração apresentam desde cedo uma grande rejeição àqueles que impõem regras e limites, simplesmente porque não tiveram a experiência de passar pelo desconforto de não serem atendidas prontamente, surgindo então a crise, a birra, o conflito, a frustração.

Aqui também cabe uma experiência recorrente no trato com crianças dentro das escolas. No universo infantil as crianças são todas iguais, algumas mais extrovertidas, outras tímidas, têm as arrojadas e aquelas que são mais temerosas, mas todas as crianças são encantadoras, na verdade.

Aquelas mais vigorosas (vamos classificá-las assim, sem rótulos), geralmente dominam a cena e também dificilmente gostam de ceder ou de serem comandados pelos demais (incluindo os professores) e nesse momento surgem os primeiros confrontos. Talvez porque não recebam em casa o mesmo tipo de limite que a escola estabelece, ou por serem mesmo mais controladoras, competitivas e com difícil manejo por parte dos adultos, causam muitos enfrentamentos. Mesmo assim são crianças que precisam de condução, provavelmente com mais firmeza. Outras são mais dóceis e aceitem melhor os limites. Na diversidade das relações, crianças que não gostam de serem lideradas, sofrendo quando são isoladas em suas brincadeiras, por não admitirem perder o domínio, podem se tornar cruéis com as mais submissas, os professores realmente precisam ficar atentos com aqueles “reizinhos mandões”. A postura dos adultos diante da criança é o fator determinante, no sentido de contribuir ou não com a assimilação dessa autoridade, que pode ser adequada ou displicente.

Lembra daquela brincadeira do “café com leite”? A criança podia fazer tudo que era permitido: fazer gol, ganhar no jogo, mudar as regras, não valer penalidade quando errava, enfim tinha esse direito, pois bem, essa época precisa ter um limite também, precisamos mostrar para a criança que as regras existem, nem tudo pode ser feito e que é preciso também experimentar o outro lado e se contentar que o outro também pode brilhar. Não é estimular a competição, mas o prazer de brincar e saber perder. Compreender que o protagonismo um dia irá terminar é uma maneira de crescer psiquicamente saudável. Isso é um aprendizado que deve ser estimulado.

Existe um excesso na classificação diagnóstica para crianças que apresentam atitudes desafiadoras, quando superficialmente são rotuladas como “agitadas e inquietas”, ou portadoras de algum transtorno comportamental e desse modo o seu destino já está traçado. Esse diagnóstico deve ser feito com cuidado e por profissionais experientes. Nem todo idoso que esquece alguma coisa é necessariamente portador da “doença de Alzheimer”, assim como nem toda criança ativa e agitada   tem “TDAH – Transtorno e Déficit de Atenção e Hiperatividade”. Se o meu filho é mais quieto do que o primo, posso dizer que o outro é que é agitado e o meu é tímido, logico que eu como pai, projetando no meu filho toda minha representação narcísica, vou considerar minha criança adequada e meu sobrinho excessivo. Mas uma ajuda profissional isenta seria a melhor ajuda em casos assim. Ambas as crianças tem o seu espaço, a questão é tentar direcionar a timidez do filho para um arrebatamento maior, estimulando sua ousadia e de outro ponto ajudar que o primo ceda espaço e consiga ficar bem também em segundo plano. Esse é o desafio em casos desse tipo. Muito frequentes inclusive.

Aquilo que é absolutamente claro para alguns não é interpretado da mesma maneira por outros. O meu limite acaba onde começa o seu? Uma regra de civilidade, sensata e viável que pode ser combinado entre a maioria das pessoas, no entanto, demonstrar que uma pessoa deve se adequar a uma situação, pois, seu comportamento está em dissonância com os demais já é complicado, porque admitir a própria falta de limite exige reflexão e, lógico, mudança. Enfim, entender e aceitar que a nossa primazia tem o seu tempo e uma hora acaba é sair da infância. Nas questões que abordam esse excesso, a auto educação é a o principal ingrediente para uma mudança de postura na criança que observa e imita esse adulto indefinido e sem controle.

Observações e interações sobre “limites” fazem parte da lista de sugestões para palestras na quase totalidade das reuniões entre pais e professores. Na lida diária com os alunos na escola é natural que turbulências e desajustes envolvendo algumas fronteiras, aconteça e saber resolver esses percalços é uma das funções do médico escolar que poderá intervir e orientar estratégias para que em seu ambiente doméstico a criança também tenha suas tarefas e obrigações. O grande equivoco acontece quando os pais se apartam desse compromisso em demarcar para seus filhos que deveres e incumbências precisam ser executados e sofrerão consequências quando não realizados. A ausência de alguma correção, por mínima que seja, confere muito mais bônus e a criança desconhece cada vez mais o que significa ônus.

 

 

DISTÚRBIOS COMPORTAMENTAIS

 

Como se já não bastassem os distúrbios comportamentais dos alunos a própria escola também vive muitos dilemas, diante de questões complexas o ambiente de ensino precisa cada vez mais de reflexão e reformulação. A construção da autonomia e da aprendizagem, a própria questão da autoridade do professor e da escola, a saúde física e mental do professor e as situações de crise dentro do contexto escolar não podem passar despercebidas.

Por sua vez os alunos também apresentam problemas de aprendizagem, bullying, abuso de substâncias, comportamentos autodestrutivos e sofrem os impactos da tecnologia.

Mais do que nunca uma força-tarefa se faz necessária e a experiência interdisciplinar associando recursos da educação e da saúde mental (nas diversas inter-relações e apoio em diversas áreas de conhecimento, num trabalho multidisciplinar, gerando reflexões e novas respostas que favoreçam um modelo de escola mais condizente com a realidade atual), para enfrentar os problemas coletivos, de aprendizagem, transtornos mentais ou outras condições que afetam o desenvolvimento integral não somente do aluno, mas também do professor.

BULLYING:

·        FÍSICO: rasteiras, empurrões, puxões de cabelo, beliscões, socos e pontapés.

·        VERBAL: xingamentos, ameaças, provocações, apelidos pejorativos.

·        RELACIONAL: isolamento e exclusão do colega, difamações e calúnias.

·        CYBERBULLYING: com as mesmas características do verbal e relacional, mas acontece em ambientes on-line (grupos de wattszap, redes sociais, etc.)

 

 

 

 

Os adolescentes de hoje fazem parte da chamada primeira geração de nativos digitais, segundo pesquisadores, 79% dos jovens entre 15 e 24 anos no mundo todo utilizam a internet, superando em muito a proporção de outras faixas etárias. Essa pode ser uma explicação por trás da crise sem precedentes de transtornos mentais verificados na adolescência. Esses transtornos são considerados atualmente a principal causa de perda de anos de vida saudáveis e trazem como consequência desfechos desagradáveis e preocupantes ao longo da vida adulta como problemas na saúde física (alteração no ritmo de sono, ansiedade, angústia, depressão, alterações na dieta seja por perda ou aumento exagerado de peso, etc.), uso de substâncias, relações interpessoais conflituosas na escola, emprego, família. A conclusão que algumas pesquisas evidenciam é que a transição digital cria tanto novas oportunidades quanto danos potenciais, mas se observa cada vez mais que o adiar o quanto possível o uso de telas traz mais ganhos do que perdas na saúde mental de crianças e jovens.

Entre os pesquisadores já existe um consenso que indica que o uso de telas é absolutamente nocivo para as crianças, acarretando perda da capacidade de concentração, levando a uma experiência passiva de aprendizado, impedindo o pensamento crítico, aptidão em resolver problemas e prejuízo na criatividade. O que ainda não está claro é se esse efeito negativo em potencial é de curto ou longo prazo.

Em relação ao uso de mídia eletrônica como componente pedagógico, a Suécia (que detém o segundo maior índice de utilização digital da União Europeia, atrás somente da Dinamarca) decretou uma lei que proíbe o uso dos chamados smartphones para alunos até o nono ano (15 – 16 anos), após observarem um acentuado declínio em suas capacidades físicas e intelectuais como, por exemplo, equações básicas de matemática não estavam sendo mais assimiladas analogicamente, contas simples (uma a duas dezenas) de somar ou multiplicar, precisavam ser feitas com calculadoras,  incapacidades físicas como subir em árvores, andar de costas ou cortar com tesoura, também foram atribuídas ao tempo excessivo diante de telas. A falta de atividade física, devido ao tempo excessivo diante das telas, estaria fazendo com que os jovens tivessem cada vez mais doenças que normalmente acontecem somente em adultos e idosos. A privação do sono, devido ao fato de não conseguirem desligar os aparelhos, dormindo menos de seis horas por dia, também os tornam menos resistentes ao estresse ocasionando aquilo que as autoridades suecas relataram como sendo um maior risco de depressão, pensamentos suicidas e altos níveis de ansiedade, especialmente as meninas que são mais afetadas pela exposição que as redes sociais apresentam em relação aos transtornos alimentares, fazendo com que se sintam mal com o seu próprio corpo que não se compara àquela configuração que a mídia oferece como padrão de beleza.

Outro comportamento incomodo se relaciona à prática do bullying quando as meninas são alvo da perversidade de colegas que as fotografam indiscriminadamente no vestiário esportivo da escola e depois espalham suas fotos pela internet.

Instituições de ensino devem se concentrar em como desenvolver indivíduos com seus próprios interesses e talentos, ajudando-os a superar suas dificuldades para que possam conquistar seus objetivos e também torná-los funcionais fazendo parte da sociedade.

 

 

ESTRATÉGIAS

 

Uma das ocupações do médico escolar é desenvolver dentro da escola o papel de transitar entre a instituição de ensino e a família, dando voz à criança, protegendo-a e salvaguardando-a de ambas as instâncias. É comum a escola (professor) apresentar uma queixa sobre determinado aluno, que poderá ser coerente e que realmente necessita de ajustes, em oposição a isso, a família não reconhece esse perfil e acaba gerando um impasse em relação ao problema inicial: - O que fazer e como resolver esse conflito?

Como anteriormente exposto, a imensa maioria dos embates, são de natureza comportamental, envolvendo o aluno, seus colegas, a sala, os professores, enfim, determinadas situações precisam de combinações assertivas e, preferencialmente, que tenham anuência e participação da família para que ofereçam resultado produtivo. Nesse caso é o médico que pode e deve intervir, estabelecendo acordos e propondo modificações na condução das crianças e jovens, encaminhando para especialistas, quando necessário, mas, sobretudo, acolher e assistir o aluno e sua família, como que a partir de então, todos os envolvidos com esse aluno (professores, terapeutas, pais e médico), estabeleçam uma mesma norma de conduta afim de que essa ação pedagógica-terapêutica atinja um objetivo comum. Levantar o problema, diagnosticá-lo, procurando explicações e justificativas, não produzirão efeito se não acontecerem mudanças.

É contraproducente, não tem validade e, realmente, é decepcionante, sob o ponto de vista pedagógico, quando a criança matriculada em uma escola onde a estruturação didática é calcada em imagens, não se adequar a essa metodologia em casa, por exemplo, oferecendo telas e jogos eletrônicos no período que o aluno não está em aula, são atitudes que não se coadunam com a proposta oferecida e o pior é que são completamente excludentes. As crianças e jovens não encontram a harmonia necessária para um aprendizado minimamente satisfatório. Não significa defender essa ou aquela metodologia de ensino, mas sim a coerência e garantir essa continuidade na vida diária do aluno.

Esse fluxo nem sempre é fácil, mas é fundamental.  Como já mencionado anteriormente, chega a ser desagradável para os pais constatar que seu filho causa problemas na escola, é uma exposição, uma ferida narcísica que incomoda e que provoca, inicialmente, incredulidade e negação. É lógico que interiormente todo pai sabe o filho que têm, sabe que muitos relatos feitos pelo professor, de fato são verdadeiros; assim como sair em defesa e justificar essas atitudes são pertinentes aos pais, mas volta-se à primeira questão: - O que afinal pode ser feito para que isso se modifique? E a resposta mais óbvia, sem partidarismos é somente uma: - Oferecer mudanças. Sem isso não existe a mínima chance de melhora e as coisas simplesmente se cristalizam.

Algumas atitudes ainda têm um efeito salutogênico (*) que deveria ser experimentado, trata-se das tarefas dentro de casa, algo muito antigo ligado à educação doméstica básica onde a criança desenvolve desde cedo o senso de responsabilidade e fundamentalmente significa cuidar do que é seu e ter o seu papel dentro da sua família, a chamada função familiar. Isso é um aprendizado que se promove e se ensina no dia a dia, desde muito cedo, a autonomia (**). Que é uma forma de mostrar à criança que ela pode se independer e poder atuar no mundo, não sem proteção, sem orientação, mas com estímulo e persistência. Para que isso aconteça precisa antes de mais nada cuidar das suas coisas, arrumar seu quarto, guardar seus brinquedos, saber usar o banheiro, entender que o ambiente que não é comum deve ser respeitado, assim como considerar, aprender a reverenciar os mais velhos e as coisas que ela ainda não conhece. Enfim, a árdua tarefa de inserir a criança no mundo diante de todas as adversidades e possíveis percalços que ela pode encontrar, mas que encontrará dentro de si uma condição humana que lhe foi ensinada na família, também corroborada na escola, onde também terá de desempenhar suas obrigações. Esse indivíduo então, poderá atuar no mundo com esses aprendizados ensinados desde muito cedo por seus pais e dentro de suas limitações, que aprenderá a superar e com dignidade e confiança conquistar o seu lugar.

Esse talvez seja o papel mais relevante que o médico escolar possa realmente transmitir aos pais e professores, a determinação de que o trabalho com a criança e o jovem é importante, válido, causa impacto e pode sim ajudá-los a enfrentar o que virá pela frente.

 

 

 

 

 

 

(*) Trabalho interdisciplinar refere-se à colaboração entre diferentes disciplinas ou áreas de conhecimento para abordar um determinado tema ou problema de forma mais abrangente e integrada. Em vez de analisar a situação isoladamente em cada área, o trabalho interdisciplinar busca combinar os conhecimentos e perspectivas de várias áreas para obter uma compreensão mais completa e aprofundada. 

(*) Salutogênese (do latim: salus = saúde; e do grego: genesis = origem) é um termo cunhado por Aaron Antonovsky (1923 - 1994) para designar a busca das razões que levam alguém a estar saudável. Esse conceito representou uma mudança de paradigma nas ciências de saúde, que até então buscavam uma explicação apenas para a razão de alguém estar doente (patogênese)."Salutogênese" é um processo que desperta o potencial do ser humano de viver a vida de forma mais satisfatória, promovendo a capacidade de superação e recuperação das adversidades, estabelecendo como foco principal a promoção da saúde positiva ao incentivar a autonomia e a habilidade dos indivíduos em administrarem suas vidas, fazendo escolhas conscientes e mantendo-se saudáveis. É a compreensão de que a saúde é um recurso para a vida e não um objetivo do viver. 

(**) Autonomia é um termo de origem grega cujo significado está relacionado com independência, liberdade ou autossuficiência. A contradição disso (antônimo) é heteronomia, palavra que indica dependência, submissão ou subordinação.

 

 

 

 

 

BIBLIOGRAFIA E LEITURA COMPLEMENTAR

 

fewb.org.br/pw fontes históricas / https://wwwfewb.org.br

DILEMAS NA EDUCAÇÃO – Novas Gerações, Novos Desafios - Alcione Marques e Gustavo M. Estanislau – Grupo Autêntica – São Paulo, 2023

SAÚDE MENTAL NA ESCOLA – O Que os Educadores Devem Saber – Gustavo M. Estanislau e Rodrigo Affonseca Bressan (organizadores) – ed. ARTMED – Porto Alegre, 2014

CONVERSANDO COM OS PAIS – Questionamentos, Desafios, Propostas e Provocações na Condução das Crianças na Vida Atual – José Carlos Neves Machado – ed. Do autor – São Paulo, 2024.

EDUCAÇÃO PARA A LIBERDADE – A pedagogia de Rudolf Steiner – Frans Carlgren e Arne Klingborg [tradução de Edith Kunze e Kurt O. Kunzel] – Escola Waldorf Rudolf Steiner – São Paulo, 2006.

A ESCOLA QUE SEMPRE SONHEI SEM IMAGINAR QUE PUDESSE EXISTIR – Rubem Alves – Papirus Editora – Campinas, 2012.

NÓS E A ESCOLA – Agonias e Alegrias – Mário Sergio Cortella – ed. Vozes – Petrópolis, 2018.

NÃO NASCEMOS PRONTOS – Provocações Filosóficas – Mário Sergio Cortella – ed. Vozes – São Paulo, 2017.

OS BEBÊS E SUAS MÃES – Donald Woods WINNICOTT [tradução de Jefferson L. Camargo] – ed. Martins Fontes – São Paulo, 1988.

VÍNCULO, MOVIMENTO E AUTONOMIA – Suzana Macedo Soares – Omnisciência – São Paulo, 2017.

De PUERIS – Erasmo de Rotterdam [tradução, introdução e notas de Luiz Ferracinel] – ed. Escala – São Paulo, 2008.  

OS TIPOS CONSTITUCIONAIS DAS CRIANÇAS – Três palestras de Rudolf Steiner comentadas em três conferências da Dra. Michaella Glöckler. Terceira edição – ed. João de Barro – São Paulo, 2007.

O MISTÉRIO DOS TEMPERAMENTOS – Rudolf Steiner – textos escolhidos – ed. Antroposófica – São Paulo, 2017.

FUNDAMENTOS DA ANTROPOSOFIA APLICADA À SAÚDE – Nilo E. Gardin e colaboradores – editora Liber Vitae – São Paulo, 2021.

A FÁBRICA DE CRETINOS DIGITAIS – Os Perigos das Telas para Nossas Crianças – Michel Desmurget [tradução de Mauro Pinheiro] – ed. Vestígio – São Paulo, 2023.

A GERAÇÃO ANSIOSA – Como a Infância Hiper Conectada está Causando uma Epidemia de Transtornos Mentais – Jonathan Haidt – [tradução de Lígia Azevedo] – Companhia das Letras – São Paulo, 2024.



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terça-feira, 3 de junho de 2025

WAGNER (conto)




WAGNER

 

O pai deu ao filho único o nome de Wagner, fez questão do dábliu, se tivesse outro se chamaria Wilson e se fosse menina Waleska, pois gostava da letra. Ele José, filho de João e neto de Francisco quis fazer diferente e desde cedo traçou para o menino uma trajetória de vida que ele próprio jamais conseguira trilhar a começar pelo nome que fazia questão de registrar é Wagner com dábliu e vai ser um escritor, um poeta. Pronto, estava traçado o seu destino.

O pai incentivava ou melhor exigia do menino que colocasse no papel alguma coisa, uma poesia, um verso pequeno que fosse, tantos livros comprados, nada lhe inspirava? José insistia: - Faz um versinho aí Wagner.

O menino se esforçava escreveu em um papelzinho, caprichando na letra, um versinho para agradar o pai. Aquilo emocionou José que mesmo não entendendo o significado, considerou que o dinheiro investido nos livros tinha valido a pena e o filho estava no caminho certo, seria um poeta, sem dúvida.

José não mediu esforços e ofereceu ao filho o melhor estudo que seu salário de pedreiro poderia dar, nunca lhe faltaram livros, incentivos e também cobranças e quando o menino, dentro de casa, espichava o olho para ver o jogo de bola que as crianças brincavam na rua, o pai atento reclamava:

- Concentra no livro Wagner e me conta o que está escrito aí.

Se o pai acalentava para o filho um futuro cercado de livros e letras o menino por sua vez imaginava jogar em um grande clube, fazer muitos gols, viajar pelo mundo, viver no estrangeiro e ouvir o seu nome ser gritado nos estádios como um grande craque. Mas nada disso aconteceu, a vida tem seus próprios caminhos. O pai morreu antes de ver o filho se tornar um poeta e este por sua vez também não foi um jogador famoso, resolveu fazer outra coisa, talvez para agradar o pai escolheu ser professor de literatura. Apreciava os versos de Drummond e Fernando Pessoa e rabiscava no papel alguma coisa, mas nunca superou o versinho escrito na infância, gostava de seu ofício e estimulava a leitura de seus alunos apresentando autores e incentivando as crianças a tomarem gosto pelas palavras dizendo:

- Livros podem ser os seus grandes amigos!

Certa vez, depois da aula, recebeu de um aluno um papelzinho dobrado.

- O que é isso? (perguntou ao aluno).

 – É um presente que fiz prá você professor.

Wagner abriu o papel dobrado e leu o verso: "O Pássaro Preferiu Permanecer Preso, Próximo, Perto, Porque a Prisão o Protegia de Prováveis Possibilidades de Partir Podendo Praticar Pecados". Não acreditava que uma criança de sete anos havia escrito aquilo, duvidou:

- Foi você mesmo que escreveu isso?

– Fui eu mesmo professor (respondeu o menino).

Aquilo só podia ser obra do pai que colocou justamente no seu caminho um poeta promissor. O professor riu e perguntou se o menino gostava de ler.

- Eu adoro professor.

- E de futebol, você gosta? (quis saber).

- Prefiro ler. (disse o menino).

Foi buscar um livro de poesias e deu de presente para o menino que sorriu de alegria. O professor satisfeito também sorriu com as voltas que o destino trás e disse ao garoto:

- Continue escrevendo e leia bastante, você tem talento para ser um poeta.

E o menino foi embora feliz, um pequeno aprendiz de poeta chamado Walter assim mesmo com com dábliu, José deveria também gostar.



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CONSIDERAÇÕES JOANINAS (crônica)



CONSIDERAÇÕES JOANINAS

 

“As pessoas que querem ser as portadoras do futuro têm de desenvolver a possibilidade de transformar os conceitos rígidos, dogmáticos, em conceitos móveis, porque assim como mudam os tempos, também têm de mudar nossos conceitos, se quisermos compreender o mundo”

(Rudolf Steiner)

 

“JOÃO foi aquele que veio redimir o amor e salvar o homem do egoísmo causado pela ação de forças destrutivas em sua natureza, chamando-o para uma outra realidade, para um novo comportamento ético”.

Os pais precisam indicar um novo caminho através da autonomia, abrindo mão de sua presença afim de que a criança se transforme, saindo da esfera egóica e resgatando esse amor que será apresentado de outra forma, não servindo, mas conduzindo amorosamente para que aconteça a mudança, as forças destrutivas deixam de existir apenas através da transformação.

“LUZ irradiava na escuridão, mas a escuridão não a compreendia e essa luz estava no mundo entre os homens, mas destes apenas poucos eram capazes de compreendê-la”.

Observar o comportamento da criança e indicar o caminho, deixando-a caminhar com suas próprias pernas é uma tarefa difícil para muitos pais, pois a incredulidade de que a criança alcance essa conquista é maior do que o desejo de que ela possa acabar se independendo dessa ajuda, que deve ser temporária e estimulada na medida adequada.

JOÃO BAPTISTA como precursor de JESUS CRISTO, pode dizer: “Eu vim ao mundo e fui aquele que preparou o caminho para um ser superior. Com minha boca exterior anunciei que o reino de DEUS, o reino dos Céus está próximo e que os homens devem modificar sua atitude interior”.

A criança preenche um grande vazio na vida dos pais, um desejo inconsciente de perpetuação, de deixar uma continuidade, uma semente, vêm de encontro à uma completude que é passageira e ilusória, pois na verdade, nossos filhos não nos pertencem, apenas convivemos uma fase de sua vida com eles e a nossa missão é prepará-los para agir no mundo, ajeitamos “joaninamente” o momento em que eles aparecerão e nós, então, poderemos nos recolher.

“Agora decrescerei (disse JOÃO), mas, Ele, o SOL ESPIRITUAL crescerá e sua LUZ irradiará na escuridão”. (O Evangelho segundo João – Rudolf Steiner – ed. Antroposófica – São Paulo, 1996).

Saber o momento de se retirar e deixar que a criança demonstre esse aprendizado com suas próprias características costuma ser algo adiado por muitos pais, por diversos motivos, mas que inconscientemente revelam a fragilidade e a incapacidade dessa exibição, afinal os filhos são a referência narcísica dos pais e nem sempre a exposição dessas fraquezas é suportável, será geralmente preferível que essa demonstração seja retardada mais um pouco. Na verdade, é um engano pois, mais cedo do que imaginávamos os filhos crescem, batem as asas e sem permissão voam para longe do ninho, independente de nosso desejo ou vontade.

Somente poderemos observar o reino dos céus se modificarmos nossa atitude interior diante dos outros e diante de nós mesmos. O aprendizado que João Baptista nos ensina é que devemos saber que algum dia outro irá se apresentar e, certamente, nos substituir. Esse entendimento, aparentemente simples, apresenta muitas consequências em nosso psiquismo e modo de agir, a começar pela própria referência narcísica que deve ser desconstruída já que o objetivo é sairmos do foco, cedendo lugar a outro e, nesse caso, ceder, significa literalmente transferir, doar, transmitir, abrir mão desse poder, simplesmente dar o seu lugar ao outro.

Quando relacionamos a atitude joanina com a vida prática (esse é o exercício difícil de vivenciar), aceitar a opinião de outra pessoa já seria um primeiro passo. No entanto, nossa esfera egocêntrica geralmente não oferece obstáculos e costuma aceitar os pontos de vistas, as ideias e teorias que se coadunam com as nossas convicções, o problema surge na oposição, ou seja, nas contradições e opiniões contrárias às nossas. Uma predisposição nesse sentido, uma tolerância inicial já seria promissora, respeitar a ideia do outro com acolhimento sem rejeitá-la a princípio, já é um alento, uma conquista, nem sempre fácil. Desse modo a intenção já adquire um outro aspecto totalmente diferente.

Sob o ponto de vista da educação infantil, a autonomia serviria como um bom exemplo. Ensinar à criança a fazer uma determinada tarefa, promovendo seu aprendizado e tornando-nos cada vez mais desnecessários para nossos filhos é um trabalho, às vezes muito custoso, mas absolutamente necessário. Sair de cena, de maneira gradual e em confiança, deixar que a criança, dentro de suas limitações, possa executar também as suas incumbências, com incentivo, paciência e persistência é imensamente produtivo. Tendo em mente que haverá o tempo de entrega e todo o esforço empregado em ensinar foi feito e a partir daí, um novo processo se inicia.

Quando lembramos da contribuição de Steiner a respeito dos Doze Sentidos, em que diversifica e classifica os sentidos em três grupos (Sentidos Primários, Corpóreos ou Volitivos: TATO, VITAL, EQUILÍBRIO e MOVIMENTO – Sentidos Afetivos, Intermediários, Emotivos ou Anímicos: OLFATO, PALADAR, VISÃO e TÉRMICO – Sentidos Superiores, Espirituais ou Cognitivos: AUDIÇÃO, LINGUAGEM, PENSAMENTO e EU ALHEIO), como possibilidades da individualidade humana interagir e se expressar no mundo, novamente poderemos lembrar desse princípio ensinado na atitude de João Baptista. Para que o sentido do EU ALHEIO, cujo mérito é exatamente o de acolher a opinião contrária, o que não significa aceita-la de forma integral, mas como disponibilidade afetiva, possa realmente acontecer é necessário o desenvolvimento do sentido mais primário (TATO) que então irá se metamorfosear naquele mais espiritualizado (EU ALHEIO).

O TATO primário irá se transformar em algo mais sutil, saindo da esfera física, volitiva e se direcionando para algo mais cognitivo e espiritual, o EU ALHEIO, onde a opinião do outro terá a mesma dimensão e valor que a nossa própria e assim, desse modo, poderemos evoluir como seres humanos. Porém, esse esforço requer que a atitude joanina seja trabalhada interna e incansavelmente dentro de cada um de nós.

 

Leitura complementar (livros de Rudolf Steiner - editora Antroposófica):

*O EVANGELHO SEGUNDO JOÃO

*O APOCALIPSE DE JOÃO

*TEOSOFIA

*O CONHECIMENTO DOS MUNDOS SUPERIORES

*CIÊNCIA OCULTA

*A EDUCAÇÃO DA CRIANÇA SEGUNDO A CIÊNCIA ESPIRITUAL



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