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domingo, 29 de setembro de 2013

OS TRÊS HOMENZINHOS NA FLORESTA - conto





OS TRÊS HOMENZINHOS NA FLORESTA
Irmãos Grimm

Havia um homem cuja mulher morrera, e uma mulher cujo marido morrera; e o homem tinha uma filha, e a mulher tinha uma filha também.

As meninas vieram a se conhecer, foram passear juntas e, mais tarde, chegaram à casa da mulher. Esta disse, então, à filha do homem:

- Escuta, dize a teu pai que eu gostaria de me casar com ele; terás, todas as manhãs, leite para te lavares e vinho para beber; minha filha porém, terá água para se lavar e água para beber.

A menina foi para casa e contou a seu pai o que a mulher havia dito.

- Que devo fazer? – disse o homem. – O casamento é uma alegria mas é, também um tormento.

Por fim, como não conseguisse tomar decisão alguma, descalçou sua bota e disse à filha:

- Pega esta bota, que tem um furo na sola, leva-a ao sótão, pendura-a no prego grande e despeja-lhe água dentro. Se ela contiver a água, decido que tomo de novo uma esposa, mas se a água escorrer, decido que não.

A menina fez como lhe fora ordenado, mas a água retraiu o furo, e a bota ficou cheia até a borda. Ela comunicou o resultado ao pai, e ele, então, subiu pessoalmente. Quando viu que a filha tinha razão, foi ter com a viúva, pediu-lhe a mão, e o casamento se realizou.

Na manhã seguinte, quando as duas meninas se levantaram, a filha do homem encontrou leite para se lavar e vinho para beber; para a filha da mulher, porém, havia água para se lavar e água para beber. Na segunda manhã, tanto a filha do homem como a filha da mulher encontraram água para se lavarem e água para beber. E, na terceira manhã, a filha do homem tinha água para se lavar e água para beber, e a filha da mulher tinha leite para se lavar e vinho para beber. E assim continuou dali por diante.

A mulher tomou ódio da enteada e, de dia para dia, não sabia mais o que fazer de pior para ela. Além disso, tinha-lhe inveja, pois a enteada era bela e graciosa, enquanto sua própria filha era feia e repugnante.

Certa vez, no inverno, quando tudo se congelara espessamente e a montanha e o vale jaziam cobertos de neve, a mulher fez um vestido de papel, chamou a menina e disse:

- Toma este vestido, veste-o e vai à floresta colher para mim um cestinho cheio de morangos. Estou ansiosa para comê-los.

- Meu bom Deus, – disse a menina – no inverno não crescem morangos, a terra está congelada, e a neve cobriu tudo! E por que devo ir com este vestido de papel? Lá fora está tão frio que chega a gelar o hálito. O vento passará através do vestido, e os espinhos o arrancarão do meu corpo.

- Ousas contradizer-me? – retrucou a madrasta. – Trata de ir e não me apareças antes de teres o cestinho cheio de morangos.

Deu-lhe ainda um pedacinho de pão duro e disse:

- Com isto, terás o que comer durante o dia.

E pensou: "Lá fora, acabará enregelando-se e morrendo de fome, e nunca mais aparecerá diante dos meus olhos."

A menina, então, obedeceu, pôs o vestido de papel e saiu com o cestinho. Por toda parte, não havia outra coisa a não ser neve, e não se enxergava um só talinho verde. Chegando à floresta, ela viu uma casinha onde três homenzinhos espiavam pela janela. Ela desejou-lhes bom-dia e bateu discretamente a porta. Eles chamaram-na para dentro, e ela entrou na salinha e sentou-se num banco junto ao fogão; queria aquecer-se e comer sua refeição. Os homenzinhos disseram:

- Dá-nos também um pouquinho!

- Com todo o prazer – respondeu ela, e partiu em dois seu pedacinho de pão, dando-lhes a metade.

Eles perguntaram:

- Que queres aqui na floresta, em pleno inverno, com esse vestidinho tão fino?

- Ah, – respondeu ela – preciso procurar morangos para encher este cestinho, e não posso voltar para casa sem levá-los comigo.

Tendo ela acabado de comer seu pão, eles deram-lhe uma vassoura, dizendo:

- Tira com ela a neve da porta dos fundos.

Enquanto ela estava lá fora, os homenzinhos puseram-se a conversar entre si:

- Que lhe devemos dar de presente por ser tão gentil e bondosa, e por ter repartido seu pão conosco?

Então, o primeiro disse:

- O meu presente é que ela se torne cada dia mais bela.

E disse o segundo:

- O meu presente é que lhe caia da boca uma moeda de ouro, sempre que pronunciar uma palavra.

E o terceiro disse:

- O meu presente é que venha um rei e a tome por esposa.

A menina fez como os homenzinhos lhe haviam mandado, tirou com a vassoura a neve que havia atrás da casa, e o que pensais que ela encontrou? Uma grande quantidade de morangos maduros, bem encarnados, que surgiam por entre a neve. Cheia de alegria, apressou-se em apanhá-los e encher seu cestinho, agradeceu aos homenzinhos, apertando a mão de cada um, e correu para casa, pois queria levar à madrasta o que ela lhe exigira. Quando entrou e disse "Boa-noite!," imediatamente caiu de sua boca uma moeda de ouro. Contou, então, o que lhe havia sucedido na floresta e, a cada palavra que pronunciava, caíam-lhe da boca moedas de ouro, de modo que logo toda a sala se cobria delas.

- Olha só que leviandade – exclamou a filha da madrasta – jogar dinheiro dessa maneira!

No intimo, porém, estava com inveja da irmã e também queria ir até a floresta procurar morangos e falou de sua intenção à mãe, que disse à filha:

- Não, minha querida filhinha, está frio demais e poderias ficar enregelada.

Como, no entanto, ela não lhe desse mais sossego, acabou consentindo. Fez-lhe um magnífico casaco de pele, que ela vestiu, e deu-lhe pão com manteiga e bolo para comer no caminho.

A menina entrou na floresta e foi direto à pequena casinha. Os três homenzinhos lá estavam de novo espiando pela janela; ela, porém, não os cumprimentou e, sem ao menos voltar o olhar para eles, entrou pela sala adentro, sentou-se ao fogão e começou a comer seu pão com manteiga e seu bolo.

- Dá-nos também um pouquinho! – exclamaram os homenzinhos.

Ela, porém, respondeu:

- Mal chega para mim, como posso dar aos outros?

Quando acabou de comer, disseram eles:

- Aqui tens uma vassoura. Vai lá fora, varre com ela diante da porta dos fundos e deixa tudo limpo.

- Ora, varrei vós mesmos! – respondeu ela – Eu não sou vossa criada.

E, vendo que eles não lhe queriam dar nada de presente, saiu pela porta afora.

- Que lhe devemos dar por ser tão descortês e malcriada, e por ter um coração mal e invejoso, e por não repartir nada com ninguém? Eles se perguntaram.

Disse o primeiro:

- O meu presente é que ela se torne cada dia mais feia.

E disse o segundo:

-O meu presente é que lhe salte da boca um sapo, a cada palavra que pronunciar.

E disse o terceiro:

- O meu presente é que morra de morte horrível.

Lá fora, a menina procurou morangos. Como não achou nenhum, foi para casa aborrecida. E, quando abriu a boca, querendo contar à mãe o que lhe sucedera na floresta, a cada palavra que proferia, saltava-lhe da boca um sapo, de modo que todos tomaram aversão por ela.

A madrasta, então, zangou-se mais ainda e só pensava na maneira de causar todo tipo de sofrimento à enteada, cuja beleza aumentava de dia para dia. Por fim, pegou um caldeirão, pôs no fogo e ferveu fios dentro dele. Depois de fervidos, pendurou-os nos ombros da pobre menina e lhe deu um machado, mandando-lhe que fosse até o rio congelado, fizesse um buraco no gelo e enxaguasse os fios.

Obedientemente, ela foi até lá e se pôs a dar machadadas no gelo para abrir um buraco; ainda estava ocupada nisso, quando apareceu uma suntuosa carruagem, dentro da qual estava um jovem rei. A carruagem se deteve, e o rei perguntou:

- Minha pequena, quem és tu e que fazes aí?

- Sou uma pobre menina e enxaguo fios.

Então, o rei teve pena e, vendo que ela era tão bela, disse:

- Queres vir comigo?

- Oh, sim, de todo o coração – respondeu ela, contente de poder ficar longe das vistas da mãe e da irmã.

Assim, subiu na carruagem e foi embora com o rei. Quando chegaram ao castelo, o casamento foi festejado com grande esplendor, pois o jovem já estava apaixonado pela aquela bela moça, conforme os homenzinhos lhe haviam desejado.

Passado um ano, a jovem rainha teve um filho. A madrasta, ouvindo falar de sua grande felicidade, foi com sua filha ao castelo, sob o pretexto de fazer uma visita. Mas como, em dado momento, o rei se ausentou e não havia mais ninguém por perto, a malvada mulher agarrou a rainha pela cabeça, e sua filha agarrou-a pelos pés, tiraram-na da cama e jogaram-na pela janela, na correnteza do rio que por ali passava. Em seguida, a filha feia deitou-se na cama, e a velha cobriu-a até a cabeça. Quando rei voltou e quis falar com sua mulher, a velha disse:

- Psiu... silêncio! Agora não é possível. A rainha está suando muito. Hoje deveis deixá-la repousar.

O rei não viu maldade nisso e voltou na manhã seguinte. Quando falou com sua mulher, a cada resposta que ela lhe dava, saltava-lhe um sapo da boca, quando antes caía uma moeda de ouro. Então, ele perguntou o que era aquilo, mas a velha respondeu que era conseqüência do forte suadouro e que logo passaria.

À noite, porém, o ajudante de cozinha viu uma pata que, nadando pela sarjeta, chegou e disse:

- Ó rei, que fazes aí?

Estás a velar ou estás a dormir?

E, como ele não lhe desse resposta alguma, ela perguntou:

- E como estão minhas visitas?

Então o ajudante de cozinha respondeu:

- Profundamente adormecidas.

E ela continuou:

- Que está fazendo o meu filhinho?

E ele respondeu:

- Está dormindo em seu bercinho.

Então, retomando o aspecto de rainha, ela subiu, amamentou o filhinho, ajeitou-lhe a caminha, cobriu-o bem e, retomando a forma de uma pata, foi-se embora de novo, nadando pela sarjeta. Assim, ela veio por duas noites. Na terceira, disse ao ajudante de cozinha:

-Vai, e dize ao rei para apanhar sua espada e, na soleira da porta, brandi-la três vezes sobre mim.

O ajudante de cozinha correu a falar com o rei, que veio com a espada e a brandiu três vezes sobre o espírito; na terceira vez, estava diante dele a sua esposa, radiante, cheia de vida e saúde como antes.

O rei sentiu grande alegria, mas conservou a rainha escondida num aposento até o domingo seguinte, quando a criança deveria ser batizada. Terminada a cerimônia, ele perguntou à mulher:

- Que merece uma pessoa que arranca outra da cama e a atira ao rio?

- Nada melhor – respondeu a velha – do que meter a malvada num barril crivado de pregos e rodá-lo montanha abaixo para dentro d'água.

O rei, então, disse:

- Proferiste tua própria sentença.

E mandou buscar um barril assim, e mandou meter dentro dele a velha com sua filha; e o fundo do barril foi pregado, e o barril foi posto a rolar montanha abaixo, até que rodou para dentro do rio.

RIP VAN WINKLE - conto




RIP VAN WINKLE 
Washington Irving


Um fazendeiro chamado Rip Van Winkle tinha um cachorro chamado Lobo, não gostava de trabalhar e vivia no bar. Um dia, para não ouvir mais as reclamações da sua esposa resolveu ir às montanhas, passou lá o dia todo com seu cachorro. Ao anoitecer, quando pensava em voltar, ele viu um anão subindo a montanha carregando um barril. Rip ofereceu ajuda ao homenzinho e subiu com o barril nas costas para ajudá-lo, até um local onde havia vários outros anões jogando e conversando animadamente, Rip sentiu-se muito bem naquele lugar rodeado de alegres personagens e animado começou a beber e se divertir até adormecer embaixo de uma árvore. 
Rip dormiu durante muito tempo e após acordar, procurou sua arma, mas esta estava tão enferrujada que se desfez nas suas mãos. Lembrou que já estava muito tempo fora de casa e desceu a montanha de volta à cidade. Ele vai até a sua casa e a encontra toda destruída, resolve ir então até o bar que sempre frequentava, entra e procura os amigos, mas não encontra ninguém mais conhecido, descobre ainda que houve uma guerra e que muitos morreram. 
Ao perguntar sobre si mesmo, é apresentado a um jovem, muito semelhante a ele mesmo, que é o jovem Rip, filho de um homem chamado Rip van Winkle, que vivia naquela cidade e que fora visto pela última vez subindo uma montanha e nunca mais havia voltado, a vinte anos atrás.
Rip percebe então que havia dormido por muito e muito tempo. Ele volta então para casa de sua filha e olhando no espelho percebe como havia envelhecido: seus cabelos ficaram grisalhos, sua pele enrugara e sua barba cresceu e ficou totalmente branca, ele estava muito velho, haviam se passado 20 anos e ele dormiu por todo esse tempo, agora brinca com as crianças e conta sua história a todos que encontra.


terça-feira, 17 de setembro de 2013

O APANHADOR DE DESPERDÍCIOS - Manoel de Barros (conto)






O APANHADOR DE DESPERDÍCIOS
Manoel de Barros
in, Memórias Inventadas (IX)
Editora Planeta
São Paulo, 2003

USO PALAVRAS PARA COMPOR OS MEUS SILÊNCIOS.
NÃO GOSTO DAS PALAVRAS FATIGADAS DE INFORMAR.
DOU MAIS RESPEITO ÀS QUE VIVEM DE BARRIGA NO CHÃO TIPO ÁGUA, PEDRA, SAPO.
ENTENDO BEM O SOTAQUE DAS ÁGUAS.
DOU RESPEITO ÀS COISAS DESIMPORTANTES E AOS SERES DESIMPORTANTES.
PREZO INSETOS MAIS QUE AVIÕES.
PREZO A VELOCIDADE DAS TARTARUGAS MAIS QUE A DOS MÍSSEIS.
TENHO EM MIM ESSE ATRASO DE NASCENÇA.
EU FUI APARELHADO PARA GOSTAR DE PASSARINHOS.
TENHO ABUNDÂNCIA DE SER FELIZ POR ISSO.
MEU QUINTAL É MAIOR DO QUE O MUNDO.
SOU UM APANHADOR DE DESPERDÍCIOS: AMO OS RESTOS COMO AS BOAS MOSCAS.
QUERIA QUE A MINHA VOZ TIVESSE UM FORMATO DE CANTO. 
PORQUE EU NÃO SOU DA INFORMÁTICA: EU SOU DA INVENCIONÁTICA.
SÓ USO A PALAVRA PARA COMPOR OS MEUS SILÊNCIOS.

CABELUDINHO - Manoel de Barros (conto)








CABELUDINHO
Manoel de Barros
in, Memórias Inventadas (VIII)
Editora Planeta
São Paulo, 2003.

Quando a Vó me recebeu nas férias, ela me apresentou aos amigos: - "Este é meu neto. Ele foi estudar no Rio e voltou de ateu". Ela disse que eu voltei de ateu. Aquela preposição deslocada me fantasiava de ateu.
Como quem dissesse no Carnaval: - "Aquele menino está fantasiado de palhaço!" Minha avó entendia de regências verbais. Ela falava de sério. Mas todo mundo riu. Porque aquela preposição deslocada podia fazer de ima informação um chiste. E fez. E mais: eu acho que buscar a beleza das palavras é uma solenidade de amor. E pode ser instrumento de rir. De outra feita, no meio da pelada um menino gritou: - "Desilimina esse, Cabeludinho" Eu não desiliminei ninguém. Mas aquele verbo novo trouxe um perfume de poesia à nossa quadra. Aprendi nessas férias a brincar de palavras mais do que trabalhar com elas. Comecei a não gostar de palavra engavetada. Aquela que não pode mudar de lugar. aprendi a gostar mais das palavras pelo que elas entoam do que pelo que elas informam. Por depois ouvi um vaqueiro a cantar com saudade: - "Ai morena, não me escreve, que eu não sei a ler". Aquele a preposto ao verbo ler, ao meu ouvir, ampliava a solidão do vaqueiro.

FRASEADOR - Manoel de Barros (conto)






FRASEADOR
Manoel de Barros
in, Memórias Inventadas (VII)
Editora Planeta
São Paulo, 2003


Hoje eu completei oitenta e cinco anos. O poeta nasceu de treze. Naquela ocasião escrevi uma carta aos meus pais, que moravam na fazenda, contando que já decidira o que queria ser no meu futuro. Que eu não queria ser doutor. Nem doutor de curar, nem doutor de fazer casas, nem doutor de medir terras. Que eu queria ser fraseador.
Meu pai ficou meio vago depois de ler a carta. Minha mãe inclinou a cabeça. Eu queria ser fraseador e não doutor. Então, o meu irmão insistiu: - "Mas se fraseador não bota alimento em casa, nós temos de botar uma enxada na mão desse menino prá ele deixar de variar".
A mãe baixou a cabeça um pouco mais. O pai continuou meio vago. Mas não botou enxada.

quinta-feira, 12 de setembro de 2013

BRINCADEIRAS - Manoel de Barros (conto)

BRINCADEIRAS
Manoel de Barros
in, Memórias Inventadas (X)
Editora Planeta
São Paulo, 2003


NO QUINTAL A GENTE GOSTAVA DE BRINCAR COM PALAVRAS MAIS DO QUE DE BICICLETA.
PRINCIPALMENTE PORQUE NINGUÉM POSSUÍA BICICLETA.
A GENTE BRINCAVA DE PALAVRAS DESCOMPARADAS.
TIPO ASSIM:
O CÉU TEM TRÊS LETRAS.
O SOL TEM TRÊS LETRAS.
O INSETO É MAIOR.
O QUE PARECIA UM DESPROPÓSITO. PARA NÓS NÃO ERA UM DESPROPÓSITO.
PORQUE O INSETO TEM SEIS LETRAS E O SOL SÓ TEM TRÊS.
LOGO O INSETO É MAIOR. (AQUI ENTRAVA A LÓGICA?)
MEU IRMÃO QUE ERA ESTUDADO FALOU QUE LÓGICA QUÊ NADA, ISSO É UM SOFISMA.
A GENTE BOIOU NO SOFISMA. ELE DISSE QUE SOFISMA É RISCO N'ÁGUA.
ENTENDEMOS TUDO.
DEPOIS CIPRIANO FALOU:
MAIS ALTO QUE EU SÓ DEUS E OS PASSARINHOS.
A DÚVIDA ERA SABER SE DEUS TAMBÉM AVOAVA. OU SE ELE ESTÁ EM TODA A PARTE COMO A MÃE ENSINAVA.
CIPRIANO ERA UM INDIOZINHO GUATÓ QUE APARECIA NO QUINTAL, NOSSO AMIGO.
ELE OBEDECIA A DESORDEM.
NISSO APARECEU MEU AVÔ. ELE ESTAVA DIFERENTE E ATÉ JOVIAL.
CONTOU-NOS QUE TINHA TROCADO O OCASO DELE POR DUAS ANDORINHAS.
A GENTE FICOU ADMIRADO DAQUELA TROCA. MAS NÃO CHEGAMOS A VER AS ANDORINHAS.
OUTRO DIA A GENTE DESTAMPAMOS A CABEÇA DO CIPRIANO.
LÁ DENTRO SÓ TINHA ÁRVORE, ÁRVORE, ÁRVORE...
NENHUMA IDÉIA SEQUER.
FALARAM QUE ELE TINHA PREDOMINÂNCIAS VEGETAIS DO QUE PLATÔNICAS.
ISSO ERA.


O LAVADOR DE PEDRA - Manoel de Barros (conto)







O LAVADOR DE PEDRA
Manoel de Barros
in, Memórias Inventadas (VI)
Editora Planeta
São Paulo, 2003

A GENTE MORAVA NO PATRIMÔNIO DE PEDRA LISA.
PEDRA LISA ERA UM ARRUADO DE 13 CASAS E O RIO POR DETRÁS.
PELO ARRUADO PASSAVAM COMITIVAS DE BOIADEIROS E MUITOS ANDARILHOS.
MEU AVÔ BOTOU UMA VENDA NO ARRUADO. VENDIA TOUCINHO, FREIOS, ARROZ, RAPADURA E TAIS. OS MANTIMENTOS QUE OS BOIADEIROS COMPRAVAM DE PASSAGEM. ATRÁS DA VENDA ESTAVA O RIO. E UMA PEDRA QUE AFLORAVA NO MEIO DO RIO. MEU AVÔ, DE TARDEZINHA, IA LAVAR A PEDRA ONDE AS GARÇAS POUSAVAM E CACARAVAM. NA PEDRA NÃO CRESCIA NEM MUSGO. PORQUE O CUSPE DAS GARÇAS TEM UM ÁCIDO QUE MATA NO NASCEDOURO QUALQUER ESPÉCIE DE PLANTA.
MEU AVÔ GANHOU O DESNOME DE LAVADOR DE PEDRA. PORQUE TODA TARDE ELE IA LAVAR AQUELA PEDRA. A VENDA FICOU NO TEMPO ABANDONADA. QUE NEM UMA CAMA FICASSE ABANDONADA.
É QUE OS BOIADEIROS AGORA FAZIAM ATALHOS POR OUTRAS ESTRADAS.
A VENDA FICOU POR ISSO NO ABANDONO DE MORRER. PELO ARRUADO SÓ PASSAVAM AGORA OS ANDARILHOS. E OS ANDARILHOS PARAVAM SEMPRE PARA UMA PROSA COM MEU AVÔ. E PARA DIVIDIR A VIANDA QUE A MÃE MANDAVA PARA ELE. 
AGORA O AVÔ MORAVA NA PORTA DA VENDA, DEBAIXO DE UM PÉ DE JATOBÁ.
DALI ELE VIA OS MENINOS RODANDO ARCOS DE BARRIL AO MODO QUE BICICLETA. 
VIA OS MENINOS EM CAVALO-DE-PAU CORRENDO AO MODO QUE MONTADOS EM EMA. VIA OS MENINOS QUE JOGAVAM BOLA DE MEIA AO MODO QUE DE COURO.
E CORRIAM VELOZES PELO ARRUADO AO MODO QUE TIVESSEM COMIDO CANELA DE CACHORRO.
TUDO ISSO MAIS OS PASSARINHOS E OS ANDARILHOS ERA A PAISAGEM DO MEU AVÔ.
CHEGOU QUE ELE DISSE UMA VEZ: OS ANDARILHOS, AS CRIANÇAS E OS PASSARINHOS TÊM O DOM DE SER POESIA. 
DOM DE SER POESIA É MUITO BOM!




quarta-feira, 11 de setembro de 2013

ANDAR/FALAR/PENSAR - Desenvolvimento Infantil Primeiro Setênio





Desenvolvimento Infantil (primeiros sete anos) - ANDAR/FALAR/PENSAR 

Observando a criança pequena, não devemos esquecer que muitos fenômenos ocorrem e outros muitos já ocorreram neste organismo e que várias influências já o permearam; é preciso saber “ler” nesta criança aquilo que já se passou e o que, frente a sua individualidade, se apresenta diante de nós, desse modo poderemos tentar auxiliar para que ela obtenha a maior expressão de sua potencialidade, interferindo e ajudando, naquilo que for possível e pertinente, em seu desenvolvimento bio-psíquico-social.
Ao completar 21 anos de idade o indivíduo passou por três fases de sete anos completamente distintas entre si; poderemos entender melhor o que se passa tanto em sua parte física, assim como em seu desenvolvimento integral, não apenas focando cada fase, mas observando o que um setênio determina e predispõe ao seguinte.
Os primeiros sete anos de vida da criança serão na verdade, decisivos em vários aspectos que se apresentarão a seguir e que, certamente, irão revelar muitas características a serem observadas no futuro, se observarmos atentamente para algumas características.
A criança quando nasce experimenta nos seus primeiros anos de vida três grandes conquistas que irão impregná-la exercendo uma influência decisiva no que virá a seguir. Ao vencer as forças da gravidade, ficando de pé sem apoio e ensaiando seus primeiros passos a criança conquista a independência do seu ANDAR, desse modo, procura encontrar a sua própria direção espacial no mundo e dessa forma engajar o seu próprio organismo no ambiente que a cerca, ou seja, quando por seu próprio esforço ela mesma adquirir a posição vertical iniciando a marcha, conseguindo então coordenar seus movimentos cada vez mais firmes e determinados, poderá adquirir com mais segurança a próxima conquista que surge com a FALA, porque todo o matizado da fala é devido a sua organização motora, pois a vida se manifesta primeiramente em gestos e depois este gestual transforma-se interiormente no elemento motor da fala e é fácil se observar a dificuldade na fala em uma criança que tropeça comparada àquela que caminha firme, em outras palavras, o falar desenvolve-se a partir de uma orientação no espaço e em consequência direta disso temos a seguir o desenvolvimento do PENSAMENTO, que atinge o seu ápice quando estas outras atividades anteriores foram corretamente desenvolvidas e estimuladas; então naquelas crianças em que ao aprenderem as primeiras palavras, ouvem o adulto falar de maneira infantil e inapropriada, através da imitação irão desenvolver também um pensar totalmente errado, porque através da clareza da fala o desenvolvimento do pensamento pode também se tornar claro, pois a criança é toda ela um órgão sensorial e como tal reproduz interiormente no organismo físico, portanto, um andar seguro e firme auxilia em uma fala não vacilante e, em consequência disso, a capacidade de extrair dessa fala um pensamento correto.
Portanto, a Antroposofia chama a atenção para conduzir de maneira adequada e amorosa a criança no seu aprendizado do andar, também ficar atento e cuidar da veracidade no aprendizado da fala e observar a clareza durante o aprendizado do pensamento que essa criança começa a demonstrar. Essas situações que acontecem quase que simultaneamente durante os três primeiros anos de vida, são facilmente observáveis, principalmente por aqueles que se encontram fora do núcleo familiar.
A criança pequena que é muito cerceada em seus movimentos, ou porque fica muito no colo ou por frequentar somente carrinhos e andadores, tem sua motricidade limitada e restringida o que, certamente, irá dificultar a aquisição de sua expressão motora para se comunicar com o mundo, por sua vez os adultos que se utilizam de expressões inapropriadas e palavras sem sentido, acreditando que desse modo se farão entender pelas crianças, estimulam inapropriadamente essas crianças para que elas imitem esse mesmo equívoco no momento que a criança forma o pensamento através do reconhecimento de algo que foi denominado errado. Muitos pais insistem em falar errado com seus filhos porque acham que desse modo se farão entender por eles, inconscientemente também existe a compensação narcísica de que assim podem persistir no papel de eternos tradutores de seus filhos com o mundo. Os três primeiros anos de vida e em consequência os demais até o sétimo, são de suma importância para o desenvolvimento integral do homem e muito dos problemas que surgem nessa fase irão, certamente se manifestar mais tarde, pois tudo que nessa fase é de natureza emocional e está presente no meio ambiente em que vive a criança irá mais tarde manifestar-se fisicamente neste indivíduo ocasionando grandes consequências que poderiam ser evitadas.
Dr. José Carlos Neves Machado - médico escolar


leia mais:
 ANDAR, FALAR, PENSAR - Rudolf Steiner - Editora Antroposófica.
 O MISTÉRIO DOS TEMPERAMENTOS - Rudolf Steiner - Editora Antroposófica. http://casaderafael.blogspot.com.br














  

CRIANÇA DE CABEÇA GRANDE

CONSTITUIÇÃO INFANTIL:
A CRIANÇA DE CABEÇA GRANDE


PREPONDERÂNCIA DA CABEÇA EM RELAÇÃO AO CORPO COM MEMBROS PEQUENOS.
INSUFICIENTE PROCESSO SALINO.
INSUFICIENTE IRRIGAÇÃO SANGUÍNEA NAS EXTREMIDADES.
LATENTE ESTRABISMO DIVERGENTE.
CONCENTRAM-SE COM FACILIDADE.
"REPOUSAM" EM SI-MESMAS.
INTROVERTIDAS.
FORÇAS IMAGINATIVAS INTENSAS.
VIDA SENTIMENTAL CALOROSA.
PAIXÕES ILUSÓRIAS E DESCONTROLADAS.
SONHADORAS.
PERDEM-SE EM ILUSÕES.
PENSAMENTO ANALÍTICO FRACO.
DIFICULDADE EM DISTINGUIR OS FATOS.
POUCO OBJETIVAS.
MUITAS VEZES SUPERFICIAIS, EM SUAS DESCRIÇÕES.
CAPACIDADE DE CONSTRUIR IMAGENS.
DOTES ARTÍSTICOS DESENVOLVIDOS.
RENDIMENTO EM ARITMÉTICA E GRAMÁTICA GERALMENTE É FRACO.
PREFERÊNCIA PELO SAL.
O SALGADO NÃO É SUFICIENTEMENTE ELABORADO.
OFERECER RAÍZES E ALIMENTOS MODERADAMENTE SALGADOS.
PROCESSO DE ENVELHECIMENTO ENCONTRA-SE ATRASADO.
O EU E O CORPO ASTRAL SÃO DESVIADOS PELA ORGANIZAÇÃO NEUROSSENSORIAL.
LAVAR A CABEÇA PELA MANHÃ COM ÁGUA FRIA.
CONTOS DE FADA EM CAPÍTULOS, RESUMIR O QUE JÁ FOI CONTADO ANTES.
TENDÊNCIA PARA OS TEMPERAMENTOS: FLEUMÁTICO/SANGUÍNEO.
TERAPÊUTICA: FRIO/SAL/CHUMBO
EXCESSO - HIDROCEFALIA


CRIANÇA DE CABEÇA PEQUENA

 CONSTITUIÇÃO INFANTIL: 
A CRIANÇA DE CABEÇA PEQUENA


CABEÇA PEQUENA EM RELAÇÃO AO PRÓPRIO CORPO.
EXISTE UMA PREPONDERÂNCIA DOS MEMBROS.
POLO CEFÁLICO É FIRME, SÓLIDO, DENSO E SECO.
CRIANÇAS MAIS RESSECADAS.
PALIDEZ CUTÂNEO MUCOSA.
PRECOCIDADE INFANTIL.
APARÊNCIA DE CRIANÇAS MAIS VELHAS.
ANSIEDADE.
TENDÊNCIA A ESTRABISMO CONVERGENTE.
DIFICULDADE PARA CONCENTRAÇÃO.
TENDÊNCIA A "CISMAR" 
TEIMOSOS.
INQUIETOS.
DISTRAÇÃO POR IMPRESSÕES SENSORIAIS.
IRRITAÇÃO PELO MUNDO QUE ESTÁ À SUA VOLTA.
POUCA IMAGINAÇÃO.
POBREZA NA VOCAÇÃO ARTÍSTICA (DESENHOS POUCO DESENVOLVIDOS).
IMAGINAÇÃO ANALÍTICA EMPOBRECIDA.
OBJETIVOS, SINTÉTICOS.
METABOLISMO INSUFICIENTEMENTE CONTROLADO PELO EU E PELO CORPO ASTRAL.
INSUFICIENTE NUTRIÇÃO CÓSMICA.
FORÇAS HEREDITÁRIAS MAIS INTENSAS QUE AS FORÇAS INDIVIDUAIS.
PREFEREM AÇÚCAR (EVITAR DOCES E BALAS).
COMPRESSAS QUENTES NO ABDOME À NOITE.
OFERECER: FRUTAS DOCES, FIGOS, TÂMARAS, DAMASCO, MEL 
TRATAMENTO - CALOR/PRATA/AÇÚCAR.
CONTOS DE FADAS À NOITE.
TENDÊNCIA PARA O MELANCÓLICO/COLÉRICO.
EXCESSO - MICROCEFALIA.





quinta-feira, 5 de setembro de 2013

A VAQUINHA MAGRA (conto)





A VAQUINHA MAGRA
(conto)

Um monge viajava com seu discípulo pelo interior do país já haviam andado muito tempo e estavam muito cansados precisando repousar e comer alguma coisa quando avistaram um povoado muito pobre, com casebres miseráveis e pessoas que andavam nas ruas sujas, vestidas como mendigos. Esgotados como estavam, resolveram arriscar e pedir um pouco de comida e abrigo para descansarem até a manhã seguinte e prosseguir sua jornada.
Foram recebidos com muita devoção e hospitalidade pelos habitantes que dividiram com os viajantes o muito pouco que tinham a oferecer. Após se alimentarem com pão duro e um pouco de leite, o monge perguntou aos habitantes:
- Como conseguem viver aqui tão distantes e com tão poucos recursos, como fazem para sobreviver?
E as pessoas lhe explicaram que o muito pouco que dispunham era proveniente de uma única vaca que mesmo magra lhes fornecia ainda um pouco de leite e era disso e também de umas poucas verduras que plantavam e da colheita de arroz que sobreviviam, utilizando, inclusive as fezes do animal para adubar a terra árida que dispunham para plantar e assim resumiu o ancião mais velho da cidade:
- Essa vaquinha, mesmo em pele e osso é a nossa única fonte de sustento, dependemos dela para tudo! Sem ela não sobreviveríamos! – falou o homem.
O monge agradeceu a hospitalidade e se despediu de todos desejando-lhes sorte, continuando seu caminho com o discípulo; ao se afastarem da cidade, o monge ordenou ao discípulo:
- Volte até à cidade e mate aquela vaquinha!
- Mas como assim mestre? – perguntou o discípulo muito espantado 
– Aquele animal é a única fonte de sobrevivência daquela gente, se matá-la, como eles irão fazer?
- Isso não importa, apenas faça o que estou te dizendo! – o mestre falou.
E o discípulo obediente, voltou e fez o que o mestre havia mandado.
E continuaram sua jornada, depois de um ano de peregrinação, voltaram novamente pelos mesmos caminhos e foram dar naquela cidade que visitaram antes, mas tiveram dificuldade em reconhecê-la, no lugar dos casebres agora podia se ver casas bonitas e edifícios bem construídos, as pessoas nas ruas não andavam em andrajos como antes, mas com roupas vistosas e coloridas, os campos desertos que tinham visto da primeira vez deram lugar à muitas plantações e animais pastavam em grandes rebanhos. O mestre observou tudo e como da outra vez pediu hospedagem e abrigo para passarem a noite e novamente foram muito bem acolhidos; no entanto, dessa vez foram oferecidas comidas quentes, sopas e assados, frutas frescas e vários tipos de pães e doces, após se alimentarem e terem descansado da viagem o mestre perguntou aquela gente:
- Vejo que prosperaram muito desde a minha última visita, o que fizeram para transformar um lugar miserável em algo tão próspero?
Então lhe responderam:
- Ah Mestre! Depois de sua última visita, uma fatalidade se abateu sobre nós, a nossa única fonte de sustento, a nossa vaquinha que mesmo magrinha nos ajudava a sobreviver, foi morta e então precisamos continuar vivendo e saímos procurando por outras possibilidades e para não morrermos, conseguimos chegar até aqui.



quarta-feira, 4 de setembro de 2013

A BELA ADORMECIDA (conto)





A BELA ADORMECIDA
Irmãos Grimm


Era uma vez, há muito tempo, um rei e uma rainha jovens, poderosos e ricos, mas pouco felizes, porque não tinham concretizado maior sonho deles: terem filhos.
— Se pudéssemos ter um filho! — suspirava o rei.

— E se Deus quisesse, que nascesse uma menina! —animava-se a rainha.
— E por que não gêmeos? — acrescentava o rei.
Mas os filhos não chegavam, e o casal real ficava cada vez mais triste. Não se alegravam nem com os bailes da corte, nem com as caçadas, nem com os gracejos dos bufões, e em todo o castelo reinava uma grande melancolia, porque sentiam que faltava-lhes a alegria de ter uma criança nos braços.
Mas, numa tarde de verão, a rainha foi banhar-se no riacho que passava no fundo do parque real. E, de repente, pulou para fora da água uma rãzinha.
— Majestade, não fique triste, o seu desejo se realizará logo: Antes que passe um ano a senhora dará à luz uma menina - e voltou a mergulhar dentro d'água.
A rainha ficou muito animada com essa profecia que, realmente, se concretizou e meses depois ela deu à luz a uma linda menina.
O rei, que estava tão feliz, deu uma grande festa de batizado para a pequena princesa que se chamava Aurora. Convidou uma multidão de súditos: parentes, amigos, nobres do reino e, como convidadas de honra, as treze fadas que viviam nos confins do reino. Mas, quando os mensageiros iam saindo com os convites, o camareiro-mor correu até o rei, preocupadíssimo e lhe falou:
— Majestade, as fadas são treze, e nós só temos doze pratos de ouro. O que faremos? A fada que tiver de comer no prato de prata, como os outros convidados, poderá se ofender. E uma fada ofendida…é muito perigosa sua reação...- falou assustado o empregado. 
O rei refletiu longamente as observações do camareiro e decidiu:
— Não convidaremos a décima terceira fada — disse, resoluto. — Talvez nem saiba que nasceu a nossa filha e que daremos uma festa. Assim, não teremos complicações.
Partiram somente doze mensageiros, com convites para doze fadas, conforme o rei resolvera.
No dia da festa, cada uma das fadas chegou perto do berço em que dormia a princesa Aurora e ofereceu à recém-nascida um presente maravilhoso: uma dádiva.
— Será a mais bela moça do reino — disse a primeira fada, debruçando-se sobre o berço.
— E a de caráter mais justo — acrescentou a segunda.
— Terá riquezas a perder de vista — proclamou a terceira.
— Ninguém terá o coração mais caridoso que o seu — afirmou a quarta.
— A sua inteligência brilhará como um sol — comentou a quinta.
Onze fadas já tinham passado em frente ao berço e dado a pequena princesa um dom; faltava somente uma (entretida em tirar uma mancha do vestido, no qual um garçom desajeitado tinha virado uma taça de vinho tinto), quando chegou a vez dela ofertar seu presente, surge no meio do salão a décima terceira fada, justamente aquela que não tinha sido convidada por falta de pratos de ouro. 
Estava com a expressão muito sombria e ameaçadora, terrivelmente ofendida por ter sido excluída. Lançou um olhar maldoso para a princesa Aurora, que dormia tranquila em seu bercinho dourado, e disse:
— Eu também vou dar o meu presente à princesa, mesmo não tendo sido convidada para participar de sua festa. Aos quinze anos a princesa vai se ferir com o fuso de uma roca e morrerá.
E foi embora, deixando um silêncio desanimador pelo recinto e os pais desesperados.
Então aproximou-se a décima segunda fada, que devia ainda oferecer seu presente.
— Não posso cancelar a maldição que agora atingiu a princesa. Tenho poderes só para modificá-la um pouco. Por isso, Aurora não morrerá; dormirá por cem anos, até a chegada de um príncipe que a acordará com um beijo.
Passados os primeiros momentos de espanto e temor, o rei, decidiu tomar providências, mandou queimar todas as rocas do reino. E, daquele dia em diante, ninguém mais fiava, nem linho, nem algodão, nem lã. Ninguém além da torre do castelo. 
Aurora crescia, e os presentes das fadas, apesar da maldição, estavam dando resultados. Era bonita, boa, gentil, inteligente e caridosa, os súditos a adoravam. 
No dia em que completou quinze anos, o rei e a rainha estavam ausentes, ocupados numa partida de caça. Talvez, quem sabe, em todo esse tempo tivessem até esquecido a profecia da fada malvada. 
A princesa Aurora, porém, estava se aborrecendo por estar sozinha e começou a andar pelas salas do castelo. Chegando perto de um portãozinho de ferro que dava acesso à parte de cima de uma velha torre, abriu-o, subiu a longa escada e chegou, enfim, ao quartinho. 
Ao lado da janela estava uma velhinha de cabelos brancos, fiando com o fuso uma meada de linho. A garota olhou, maravilhada. Nunca tinha visto um fuso em toda sua vida e curiosa falou com a mulher: 
— Bom dia, vovozinha! 
— Bom dia a você, linda garota - a velha respondeu. 
— O que a senhora está fazendo? Que instrumento é esse que eu nunca vi? 
Sem levantar os olhos do seu trabalho, a velhinha respondeu com ar bonachão: 
— Não está vendo? Estou fiando! 
A princesa, fascinada, olhava o fuso que girava rapidamente entre os dedos da velhinha. 
— Parece mesmo divertido esse estranho pedaço de madeira que gira assim rápido. Posso experimentá-lo também?
Sem esperar resposta, pegou o fuso. E, naquele instante, cumpriu-se o feitiço. Aurora furou o dedo e sentiu um grande sono. Deu tempo apenas para deitar-se na cama que havia no aposento, e seus olhos se fecharam. 
Na mesma hora, aquele sono estranho se difundiu por todo o palácio. 
Adormeceram no trono o rei e a rainha, recém-chegados da partida de caça. 
Adormeceram os cavalos na estrebaria, as galinhas no galinheiro, os cães no pátio e os pássaros no telhado.
Adormeceu o cozinheiro que assava a carne e o servente que lavava as louças; adormeceram os cavaleiros com as espadas na mão e as damas que enrolavam seus cabelos. 
Também o fogo que ardia nos braseiros e nas lareiras parou de queimar, parou também o vento que assobiava na floresta. Nada e ninguém se mexia no palácio, mergulhado em profundo silêncio. 
Em volta do castelo surgiu rapidamente uma extensa mata. Tão extensa que, após alguns anos, o castelo ficou oculto. 
Nem os muros apareciam, nem a ponte levadiça, nem as torres, nem a bandeira hasteada que pendia na torre mais alta. 
Nas aldeias vizinhas, passava de pai para filho a história da princesa Aurora, a Bela Adormecida que descansava, protegida pelo bosque cerrado. A princesa Aurora, a mais bela, a mais doce das princesas, injustamente castigada por um destino cruel. 

Alguns cavalheiros, mais audaciosos, tentaram sem êxito chegar ao castelo. A grande barreira de mato e espinheiros, cerrada e impenetrável, parecia animada por vontade própria: os galhos avançavam para cima dos coitados que tentavam passar: seguravam-nos, arranhavam-nos até fazê-los sangrar, e fechavam as mínimas frestas impedindo qualquer aproximação.
Aqueles que tinham sorte conseguiam escapar, voltando em condições lastimáveis, machucados e sangrando. Outros, mais teimosos, sacrificavam a própria vida. Tudo em vão e os anos foram se passando sem ninguém conseguir chegar até a princesa que dormia profundamente. 

Um dia, chegou nas redondezas um jovem príncipe, bonito e corajoso. Soube pelo bisavô a história da bela adormecida que, desde muitos anos, tantos jovens a procuravam e não conseguiram nem chegar perto da princesa Aurora. 
— Quero tentar também! — disse o príncipe aos habitantes de uma aldeia pouco distante do castelo. 
Aconselharam-no a não ir e lhe disseram:
— Ninguém nunca conseguiu! 
— Outros jovens, fortes e corajosos como você, falharam…
— Alguns morreram entre os espinheiros…
— Desista! Aquele castelo é inexpugnável!
Muitos foram, os que tentarem desanimá-lo. Mas o jovem era determinado e no dia em que o príncipe decidiu satisfazer a sua vontade se completavam justamente os cem anos da festa do batizado e das predições das fadas. Chegara, finalmente, o dia em que a Bela Adormecida poderia finalmente despertar.
Quando o príncipe se encaminhou para o castelo viu que, no lugar das árvores e galhos cheios de espinhos, se estendiam aos milhares, bem espessas, enormes carreiras de flores perfumadas. E mais, aquela mata de flores cheirosas se abriu diante dele, como para encorajá-lo a prosseguir; e voltou a se fechar logo, após sua passagem. 
O príncipe chegou em frente ao castelo. A ponte levadiça estava abaixada e dois guardas dormiam ao lado do portão, apoiados nas armas. No pátio havia um grande número de cães, alguns deitados no chão, outros encostados nos cantos; os cavalos que ocupavam as estrebarias dormiam em pé. 
Nas grandes salas do castelo reinava um silêncio tão profundo que o príncipe ouvia sua própria respiração, um pouco ofegante, ressoando naquela quietude. A cada passo do príncipe se levantavam nuvens de poeira. 
Salões, escadarias, corredores, cozinha… Por toda parte, o mesmo espetáculo: gente que dormia nas mais estranhas posições. 
O príncipe perambulou por longo tempo no castelo. Enfim, achou o portãozinho de ferro que levava à torre, subiu a escada por instinto e chegou ao quartinho em que dormia a princesa Aurora. 
A princesa estava tão bela, com os cabelos soltos, espalhados nos travesseiros, o rosto rosado e risonho. O príncipe ficou deslumbrado e se apaixonou por aquela linda moça. Logo que se recobrou se inclinou e deu-lhe um beijo. Imediatamente, Aurora despertou, olhou para o príncipe e sorriu.Todo o reino também despertara naquele instante. 
Acordou também o cozinheiro que assava a carne; o servente, bocejando, continuou lavando as louças, enquanto as damas da corte voltavam a enrolar seus cabelos, como se nada houvesse se passado. O fogo das lareiras e dos braseiros subiu alto pelas chaminés, e o vento fazia murmurar as folhas das árvores. A vida voltara ao normal. Logo, o rei e a rainha correram à procura da filha e, ao encontrá-la, chorando, agradeceram ao príncipe por tê-la despertado do longo sono de cem anos. 
O príncipe, então, pediu a mão da linda princesa em casamento que, por sua vez, já estava apaixonada pelo seu valente salvador. 
Eles, então, se casaram e viveram felizes para sempre

 
 





terça-feira, 3 de setembro de 2013

JOÃO E MARIA (conto)





JOÃO E MARIA.
Irmãos Grimm


Às margens de uma extensa mata existia, há muito tempo, uma cabana pobre, feita de troncos de árvore, na qual morava um lenhador com sua segunda esposa e seus dois filhinhos, nascidos do primeiro casamento. O garoto chamava-se João e a menina, Maria.
A vida sempre fora difícil na casa do lenhador, mas naquela época as coisas haviam piorado ainda mais, pois já não havia comida para todos e a lenha escasseava cada vez mais. O lenhador, pesaroso com os acontecimentos e vendo sua família passar necessidades perguntou à esposa:
- Mulher, o que será de nós? Acabaremos todos por morrer de necessidade. E as crianças serão as primeiras que irão sofrer.
- Há uma solução… - disse a madrasta, que era muito malvada e não gostava dos filhos do marido. Amanhã daremos a João e Maria um pedaço de pão, depois os levaremos à mata e lá os abandonaremos.
O lenhador não queria nem ouvir falar de um plano tão cruel, mas a mulher, esperta e insistente, conseguiu convencê-lo a abandonar as crianças na floresta.
No aposento ao lado, as duas crianças tinham escutado tudo, e Maria desatou a chorar.
- Não chore, tranquilizou-a o irmão. Tenho uma idéia.
João esperou que os pais estivessem dormindo, saiu da cabana, apanhou um punhado de pedrinhas brancas que brilhavam ao clarão da lua e as escondeu no bolso. Depois voltou para a cama.
No dia seguinte, ao amanhecer, a madrasta acordou as crianças.
As crianças foram com o pai e a madrasta cortar lenha na floresta e lá foram abandonadas.
Mas João havia marcado o caminho com as pedrinhas e, ao anoitecer, conseguiram voltar para casa.
O pai ficou contente, mas a madrasta, não. Mandou-os dormir e trancou a porta do quarto. Como era malvada, ela planejou levá-los ainda mais longe no dia seguinte.
João ouviu a madrasta novamente convencendo o pai a abandoná-los bem mais longe de casa, mas desta vez não conseguiu sair do quarto para apanhar as pedrinhas, pois sua madrasta havia trancado a porta pelo lado de fora. Maria desesperada só chorava. João pediu-lhe para ficar calma e ter fé em Deus.
Antes de saírem para o passeio, receberam para comer um pedaço de pão velho. João, em vez de comer o pão, guardou-o no bolso.
Ao caminhar para a floresta, João jogava as migalhas de pão no chão, para marcar o caminho da volta.
Chegando a uma clareira, a madrasta ordenou que esperassem até que ela colhesse algumas frutas, por ali. Mas eles esperaram em vão. Ela os tinha abandonado mesmo!
- Não chore Maria, disse João. Agora, só temos é que seguir a trilha que eu fiz até aqui e ela está toda marcada com as migalhas do pão.
Só que os passarinhos tinham comido todas as migalhas de pão deixadas no caminho.
As crianças andaram muito até que chegaram a uma casinha toda feita com chocolate, biscoitos e doces. Famintos, correram e começaram a comer.
De repente, apareceu uma velhinha, dizendo:

- Entrem, entrem, entrem, que lá dentro tem muito mais para vocês!
Mas a velhinha era uma bruxa que os deixou comer bastante até cair no sono em confortáveis caminhas. Quando as crianças acordaram, achavam que estavam no céu, parecia tudo perfeito. Porém a velhinha era uma bruxa malvada que e aprisionou João numa jaula para que ele engordasse. Ela queria devorá-lo bem gordo. E fez da pobre e indefesa Maria, sua escrava.
Todos os dias João tinha que mostrar o dedo para que ela sentisse se ele estava engordando. O menino, muito esperto, percebendo que a bruxa enxergava pouco, mostrava-lhe um ossinho de galinha que encontrara no chão da cela. E ela ficava furiosa com a magreza que imagina que o menino estava e reclamava com Maria:
- Esse menino continua muito magrinho, não há meio de engordar - ela gritava:
- Dê mais comida para ele! - Quero vê-lo bem gordinho!
Passaram-se alguns dias até que numa manhã assim que a bruxa acordou, cansada de tanto esperar, foi logo gritando:
- Hoje eu vou fazer uma festança. Maria ponha um caldeirão bem grande, com água até a boca para ferver e dê bastante comida paro seu o irmão, pois é hoje que eu vou comê-lo ensopado. Cansei de esperar...
Assustada, Maria começou a chorar.
- Acenderei o forno também, pois farei um pão para acompanhar o ensopado. - a bruxa falou.
Ela empurrou Maria para perto do forno e disse ainda à menina:
- Entre e veja se o forno está bem quente para que eu possa colocar o pão.
Mas a malvada bruxa pretendia fechar o forno quando Maria estivesse lá dentro, para assá-la e comê-la também, mas Maria percebeu a intenção da bruxa e disse:
- Ih! Como posso entrar no forno, não sei como fazer isso?

E bruxa ficou irritada com a resposta da menina e falou:
- Menina boba! - disse a bruxa

 Há espaço suficiente nesse forno, até eu poderia passar pela porta dele.
E a bruxa se aproximou e colocou a cabeça dentro do forno para mostrar à menina como deveria fazer; Maria, então, deu-lhe um empurrão e ela caiu lá dentro do forno. A menina, então, mais que depressa trancou a porta do forno deixando que a bruxa morresse queimada e foi direto libertar seu irmão.
Estavam muito felizes e tiveram a idéia de pegarem o tesouro que a bruxa guardava e ainda colocar algumas guloseimas nos bolsos e sacolas que encontraram.
Encheram seus bolsos e se prepararam para sair dali com tudo que conseguiram juntar e partiram rumo a floresta.
Depois de muito andarem atravessaram um grande lago com a ajuda de um cisne.
Andaram mais um pouco e começaram a reconhecer o caminho de casa e viram ao longe a pequena cabana do pai.
Ao chegarem na cabana encontraram o pai triste e arrependido. A madrasta havia morrido de fome e o pai estava desesperado com o que fez com os filhos.
Quando os viu, o pai ficou muito feliz e foi correndo abraçá-los. João e Maria mostraram-lhe toda a fortuna que traziam nos seus bolsos, agora não haveria mais preocupação com dinheiro e comida e assim foram felizes para sempre.





A GATA BORRALHEIRA (conto)


A GATA BORRALHEIRA
Irmãos Grimm


Era uma vez um homem muito rico, cuja mulher adoeceu. Esta, quando sentiu o fim aproximar-se, chamou a sua única filha à cabeceira da cama e disse-lhe com muito amor:
-Amada filha, continua sempre boa e piedosa. O amor de Deus há de acompanhar-te sempre. Lá do céu velarei sempre por ti.
E dito isto, fechou os olhos e morreu.
A menina ia todos os dias para junto do túmulo da mãe chorar e regar a terra com suas lágrimas. E continuou boa e piedosa. Quando o inverno chegou, a neve fria e gelada da Europa cobriu o túmulo com um manto branco de neve. Quando o sol da primavera o derreteu, o seu pai casou-se com uma mulher ambiciosa e cruel que já tinha duas filhas igualmente vaidosas e com muito ódio no coração.
Mal a pobre órfã as conheceu percebeu que nada de bom podia esperar delas, pois logo que a viram disseram-lhe com desprezo:
- O que é que esta moleca faz aqui? Vai para a cozinha, que é lá o teu lugar!!!
E a madrasta acrescentou:
- Têm razão, filhas. Ela será nossa empregada e terá que ganhar o pão com o seu trabalho diário, se quiser comer, nem pense que terá vida boa aqui nessa casa
. - disse à menina.
Tiraram-lhe os seus lindos vestidos, vestiram-lhe um vestido muito velho, pegaram seus sapatos e deram-lhe tamancos de madeira para calçar.
- E agora já para a cozinha! - disseram elas, rindo.
E, a partir desse dia, a menina passou a trabalhar arduamente, desde que o sol nascia até altas horas da noite: ia buscar água ao poço, acendia a lareira, cozinhava, lavava a roupa, costurava, esfregava o chão...
À noite, extenuada de trabalho, não tinha uma cama para descansar. Deitava-se perto da lareira, junto ao borralho (cinzas), razão pela qual puseram-lhe o apelido de Gata Borralheira.
Os dias se passavam e a sorte da menina não se alterava. Pelo contrário, as exigências da madrasta e das suas filhas eram cada vez maiores.
Um dia, o pai ia para a cidade fazer compras e perguntou às duas enteadas o que queriam que ele lhes trouxesse.
- Lindos vestidos! - disse uma.
- Jóias! - disse a outra.
- E tu, filhinha, que queres ganhar? - perguntou-lhe o pai.
- Um ramo verde da primeira árvore que encontrares no caminho de volta falou a menina.
Terminada as compras, ele comprou os vestidos para as enteadas e as jóias que tinham pedido e no caminho de regresso cortou para a filha um ramo da primeira árvore que encontrou, de uma oliveira que estava viçosa e exuberante.
Ao chegar em casa, deu às enteadas o que elas haviam pedido e entregou à sua filha um galho de oliveira, árvore que produz azeitonas. Ela correu para junto do túmulo da mãe, enterrou o ramo na terra e chorou tanto que as lágrimas o regaram. O raminho começou a crescer e tornou-se uma bela árvore.
A menina continuou a ir ao túmulo da mãe todos os dias e sempre se emocionava e chorava com saudade quando o visitava; certa vez ouviu uma bonita pomba branca dizer-lhe:
- Não chores mais, minha querida. Lembra-te que, a partir de agora, cumprirei todos os teus desejos!
Pouco depois o rei anunciou a todo o reino que ia dar uma festa durante três dias para a qual estavam convidadas todas as jovens que queriam casar-se, a fim de que o príncipe herdeiro pudesse escolher a sua futura esposa entre todas as moças do reino.
Imediatamente as duas filhas da madrasta chamaram a Gata Borralheira e disseram-lhe:
- Penteia-nos e veste-nos, pois temos que ir ao baile do príncipe para que ele possa escolher qual de nós duas será a sua futura esposa.
A Gata Borralheira obedeceu humildemente. Mas quando viu as duas luxuosamente vestidas, desatou a chorar e suplicou à madrasta que também a deixasse ir ao baile, pois queria participar daquele baile junto às outras moças.
- Ao baile, tu??? - respondeu ela - Já te olhastes no espelho? - Era só o que me faltava, uma desengonçada Gata Borralheira no Baile Real!!!

Mas a menina insistia em querer ir também à festa, então a madrasta, face à insistência da Gata Borralheira, acrescentou, ao mesmo tempo que atirava um pote de lentilhas para as cinzas:
- Está bem! Se separares todas essas lentilhas em duas horas, irás conosco.
A menina saiu para o jardim a chorar e lembrando-se do que a pomba lhe tinha dito, expressou o seu primeiro desejo:
- Dócil pombinha, rolinhas e todos os passarinhos do céu, por favor venham ajudar-me a separar as lentilhas que estão misturadas às cinzas para que eu possa ir ao baile.
- Os grãos bons no prato, e os maus no papo - foi o que a menina ouviu como resposta.

Então voaram até ela duas pombinhas brancas, seguidas de duas rolinhas e de uma nuvem de passarinhos que entraram pela janela da cozinha, e começaram a bicar as lentilhas. E muito antes de terminarem as duas horas concedidas, separaram as lentilhas. Entusiasmada, a menina foi mostrar à madrasta o prato com as lentilhas escolhidas. 
- Muito bem. – disse a madrasta, com ironia - Não é que você conseguiu...- Mas que vestido vais usar? E além disso, tu não sabes, dançar!  Será melhor ficares em casa que é o teu lugar.
Desconsolada, a Gata Borralheira começou a chorar, ajoelhou-se aos pés da madrasta e voltou a suplicar-lhe que a deixasse ir ao baile.
- Está bem! - disse ela com cinismo - Dou-te outra oportunidade.
E voltou a espalhar dois potes de lentilhas sobre as cinzas.
- Se conseguires escolher as lentilhas numa hora, irás ao baile.
A doce menina saiu a correr para o jardim e gritou:
- Dóceis pombinhos, rolinhas e todos os passarinhos do céu, venham ajudar-me a separar novamente as lentilhas para que possa ir ao Baile Real.
- Os grãos bons no prato, e os ruins no papo - foi a resposta que ouviu.
De novo, duas pombas brancas entraram pela janela da cozinha, depois as pequenas rolas e um bando de passarinhos, e pic-pic-pic escolheram-nas e voaram para sair por onde haviam entraram, muito antes de ter passado uma hora.
A menina logo correu e mostrou à madrasta as lentilhas escolhidas, mas de nada lhe serviu.
- Deixa-me em paz com as tuas lentilhas! Vais ficar em casa e pronto! Está decidido e ponto final! Não me aborreças mais com isso e vá trabalhar porque tem muita louça para lavar e chão para esfregar.
Virou-lhe as costas e chamou as filhas, todas rindo e se divertindo com a ousadia da pobre menina em querer ir ao baile.
Quando já não havia ninguém em casa, a Gata Borralheira foi junto ao túmulo da mãe, debaixo da oliveira, e gritou:
- Arvorezinha. Toca a abanar e a sacudir. Atira ouro e prata para eu me vestir!
A pomba que lhe tinha oferecido ajuda, apareceu sobre um ramo e, estendendo as asas, transformou os seus farrapos num lindíssimo vestido de baile e os seus tamancos em luxuosos sapatos bordados a ouro e prata. Assim deslumbrante, a moça foi em direção ao palácio onde estava começando a festa, quando entrou no salão de baile, todos os presentes se admiraram diante de tamanha beleza. Mas as mais surpreendidas foram as duas filhas da madrasta que estavam convencidas que seriam as mais belas da festa e invejaram e olharam com desdém aquela moça tão ricamente vestida e que chamava a atenção de todos os olhares. Porém, nem elas, nem a madrasta ou o pai reconheceram a Gata Borralheira naquele traje magnífico.
O príncipe ficou fascinado ao vê-la. Tomou-a pela mão e os dois começaram o baile. Durante toda a noite esteve ao seu lado e não permitiu que mais ninguém dançasse com ela.
Chegado o momento de se despedirem, o príncipe ofereceu-se para acompanhá-la, pois ardia de desejo por saber quem era aquela jovem e onde morava. Mas ela deu uma desculpa para se retirar por um momento e aproveitou sua breve distração para abandonar o palácio e saindo a correr e deixou em baixo de uma árvore o seu formoso vestido e os sapatos que usava.
A pomba, que estava à sua espera, pegou neles com as suas patinhas e desapareceu na escuridão da noite. Ela voltou a vestir o vestido cinzento sujo de fuligem, o avental e os tamancos e, como de costume, deitou-se junto à chaminé e adormeceu. No dia seguinte, quando se aproximou a hora do início do segundo baile, esperou até ouvir partir a carruagem com a madrasta e as filhas e correu para junto da árvore:
- Arvorezinha. Toca a abanar e a sacudir. Atira ouro e prata para me vestir!
E de novo apareceu a pomba e a vestiu com um vestido ainda mais lindo que o da noite anterior e calçou-lhe uns sapatos que pareciam de ouro puro. A sua aparição no palácio causou sensação maior ainda do que da primeira vez. O próprio príncipe, que a esperava impaciente, sentiu-se ainda mais deslumbrado. Pegou-lhe na mão e, de novo, dançou com ela toda a noite como havia feito no dia anterior.
Ao chegar a hora da despedida, o príncipe voltou a oferecer-se para acompanhá-la, mas ela insistiu que preferia voltar sozinha para casa. Mas desta vez o príncipe seguiu-a. De repente, parecia que tinha sido engolida pelo chão. Em vez de entrar em casa, a jovem Gata Borralheira, de vergonha, escondeu-se atrás de uma frondosa oliveira que havia no jardim. O príncipe continuou a procurá-la pelas redondezas, até que decepcionado regressou ao palácio, entristecido por não tê-la encontrado.
A Gata Borralheira abandonou então o seu esconderijo, e quando a madrasta e as filhas chegaram ela já tinha tirado as vestes bonitas e colocado os seus trapos velhos.
No terceiro dia, quando o pai fustigou o cavalo e a carruagem se afastou com a sua a esposa e enteadas, a menina aproximou-se de novo da árvore e disse pela terceira vez:
- Arvorezinha. Toca a abanar e a sacudir. Atira ouro e prata para me vestir!
E a pomba, uma vez mais, trouxe-lhe um vestido de sonho, de seda com aplicações de suntuoso chale e uns sapatos bordados a ouro para os seus pequeninos e delicados pés. E depois, colocou-lhe sobre os ombros uma capa de veludo dourado. Estava mais linda do que nunca.
Quando entrou no salão de baile, a belíssima Gata Borralheira foi recebida com uma exclamação de assombro por parte de todos os presentes.
O príncipe apressou-se a beijar-lhe a mão e a abrir o baile, não se separando dela toda a noite.
Pouco antes da meia-noite, a jovem despediu-se do príncipe e pôs-se a correr. O príncipe não conseguiu alcançá-la mas encontrou na escadaria um dos sapatinhos dourados que ela tinha perdido durante a sua precipitada fuga. Apanhou-o e apertou-o contra o coração. Já estava apaixonado pela moça do baile.
Na manhã seguinte, mandou os seus mensageiros difundirem por todo o reino que se casaria com aquela que conseguisse calçar o precioso sapato.
Depois de todas as princesas, duquesas e condessas o terem inutilmente experimentado, ordenou aos seus emissários que o sapato fosse provado por todas as jovens, qualquer que fosse a sua condição social e financeira.
Quando chegaram à casa onde vivia a Gata Borralheira, a irmã mais velha insistiu que devia ser ela a primeira a experimentar e, acompanhada pela mãe que já a imaginava rainha, subiu ao quarto, convencida que lhe servia. Mas o seu pé era demasiado grande. Então a mãe, furiosa, obrigou-a a calçá-lo à força, dizendo-lhe:
- Embora te aperte agora, não te preocupes. Pensa que em breve serás rainha e não terás que andar a pé nunca mais.
A jovem disfarçou a dor que sentia e subiu para a carruagem, apresentando-se diante do filho do rei.
Embora ele tenha notado de imediato que aquela não era a bela desconhecida que conhecera no baile, teve que considerá-la como sua prometida. Montou-a no seu cavalo e foram juntos dar um passeio. Mas, ao passar diante de uma frondosa árvore, viu sobre os seus ramos duas pombas brancas que o advertiram:
- Olha para o pé da donzela, e verás que o sapato não é dela...
O príncipe desmontou e tirou-lhe o sapato. E ao ver como o pé estava roxo e inchado, percebeu que tinha sido enganado. Voltou à casa e ordenou que a outra irmã experimentasse o sapato.
A irmã mais nova subiu ao quarto, acompanhada da mãe, e tentou calçá-lo. Mas o seu pé também era demasiado grande.
E a mãe obrigou-a a calçá-lo à força, dizendo-lhe:
- Embora te aperte agora, não te preocupes. Pensa que em breve serás rainha e não terás que andar a pé nunca mais.
A filha obedeceu, enfiou o pé no sapato e, dissimulando a dor, apresentou-se ao príncipe que, apesar de ver que ela não era a bela desconhecida do baile, teve que considerá-la como sua prometida. Montou-a no seu cavalo e levou-a a passear pelo mesmo sítio onde levara a sua irmã. Ao passar diante da árvore onde estavam as duas pombas, ouviu-as de novo adverti-lo:
- Olha para o pé da donzela, e verás que o sapato não é dela...
O príncipe tirou-lhe o sapato e ao ver que tinha o pé ainda mais inchado que a irmã, percebeu que também ela o tinha enganado e voltou à casa para devolver a fingida.
- Aqui vos trago esta impostora. E dai graças a Deus por não ordenar que sejam ela e a irmã castigadas. Mas se ainda tendes outra filha, estou disposto a dar-vos nova oportunidade e eu mesmo lhe calçarei o sapato.
- Não. Não temos mais filhas - disse a madrasta.
Mas o pai acrescentou:
- Bem, a verdade é que tenho uma filha do meu primeiro casamento, a qual vive conosco. É ela que faz a limpeza da casa e por isso anda sempre muito suja. É a Gata Borralheira.
- Falei que todas as jovens sem exceção devem experimentar o sapato e essa moça também deverá fazê-lo, portanto, tragam-na à minha presença. Eu mesmo lhe calçarei.

As irmãs, com má vontade foram obrigadas a chamar a moça que chegou cabisbaixa entrando na sala, envergonhada por estar com aqueles trapos sujos na frente do príncipe, mas ele a recebeu com gentileza e pediu que se aproximasse para experimentar o sapatinho dourado.
A Gata Borralheira tirou um dos pesados tamancos e calçou o sapato sem o menor esforço. Coube-lhe perfeitamente.
O príncipe, maravilhado, olhou bem para ela e reconheceu a formosa donzela com quem tinha dançado.
- É você a minha amada desconhecida!  Finalmente te encontrei! - exclamou ele maravilhado 

- Só tu serás minha dona e senhora.
O príncipe, radiante de felicidade, sentou-a ao seu lado no cavalo e tomou o mesmo caminho por onde tinha ido com as duas impostoras. Pouco depois, ao aproximar-se da árvore onde estavam as pombas, ouviu-as dizer:
- Continua, Príncipe , a tua cavalgada, pois a dona do sapato já foi encontrada!
As pombas pousaram sobre os ombros da jovem e os seus farrapos transformaram-se no deslumbrante vestido que ela tinha levado ao último baile.
Chegaram ao palácio e de imediato foi celebrado o casamento. Quando os habitantes do reino souberam da forma como o cruel e desnaturado pai, a malvada madrasta e as duas filhas tinham tratado aquela que agora era a sua adorada princesa, começaram a desprezá-los de tal modo que eles tiveram que abandonar o país.
A princesa, fiel à promessa feita à mãe, continuou a ser piedosa e bondosa como sempre e continuou a visitar o seu túmulo e a orar debaixo da árvore, testemunha de tantas dores e alegrias, mas agora já não chorava mais.