A
MÍDIA ELETRÔNICA COMO BRINQUEDO.
Muito se tem discutido
a respeito da presença cada vez mais constante do uso da tecnologia em nossa
vida diária e essa, sem dúvida é uma aquisição maravilhosa de nossa época,
portanto nada de tecnofobia, mas um olhar mais atento pode ser interessante.
A questão do uso é
completamente diferente da frequência, ou seja, do abuso e essa tendência é
cada vez maior e atingindo faixas etárias cada vez menores; crianças pequenas
se “distraem” com tablets e os celulares de seus pais e esse cochilo pode
trazer consequências nem sempre agradáveis, pois, fica difícil depois negar
esse prazer obtido no contato com a “tela
mágica” depois em outra situação em que isso não for oferecido. E é também
preciso fazer a conta; a criança passa na frente de uma tela (televisão, celulares,
tabletes, computadores, etc.) aproximadamente três horas por dia, isso cada vez
mais precocemente, porque essa babá eletrônica ajuda nas tarefas chatas do dia
a dia, como distrair a criança para comer sem reclamar, quando fica hipnotizada
pelas imagens ou para ficar quietinha enquanto os adultos estão trabalhando;
então até os sete anos ela já ficou, no mínimo, cinco mil horas sendo
“alimentada” por conteúdos e imagens que os pais sequer sonham e mesmo aqueles
que selecionam aquilo que consideram bom para seus filhos, se esquecem de
colocar na balança a desvantagem que essas representações podem e, fatalmente,
irão causar na vida desses expectadores mirins, o uso constante causa
dependência e a precocidade causa um prejuízo maior ainda. Sob o ponto de vista
pedagógico a competição é desleal, pois os professores precisam introduzir conceitos
e valores éticos que muitas crianças rejaçam porque não tiveram o aprendizado
de ouvirem estórias contadas pelos pais ou avós, não praticaram brincadeiras
com outras crianças, não aproveitaram os seus momentos de ócio e deixaram de
serem crianças, cresceram antes do tempo, trocaram tudo isso por seus novos
brinquedos eletrônicos ofertados prazerosamente pelos pais, que embora tenham
feito isso com a melhor das intenções, erraram na dose.
A Associação Japonesa
de Pediatria alertou para as implicações do manuseio abusivo desses aparelhos
pelas crianças, a Academia Americana de Pediatria e a Sociedade Canadense de
Pediatria fizeram coro e traçaram alguns pontos que pais, professores, médicos e
adultos que convivem com crianças deveriam levar em consideração. Muitos dos
diversos problemas de aprendizagem cada vez mais frequentes como: déficit de
atenção, atrasos cognitivos, aumento da impulsividade, falta de controle,
alteração do sono, aumento na excitabilidade, violência, agressividade,
depressão infantil, sedentarismo, obesidade, vício, emissão de radiação,
superexposição, entre outras sequelas e para isso definiram que deve ter um
máximo de tempo para que a criança e o jovem fiquem em contato com as mídias
eletrônicas (incluindo computador, televisão, tablets e celulares): crianças
até dois anos de idade não deveriam ter contato algum; dos três aos cinco anos
no máximo uma hora por dia e dos seis até os dezoito anos duas horas
diariamente. O que está muito distante da realidade.
Isso também deve chamar
nossa atenção para o tempo em que nós adultos dedicamos à mídia eletrônica, em
detrimento da leitura e do próprio contato com as pessoas, porque com a
facilidade do Facebook, do Instagram e do Wattszap ficou mais fácil a
comunicação sem a necessidade da presença física, mas as mensagens virtuais não se comparam ao contato pessoal e
na observação que se pode obter na expressão do ouvinte.
Hoje se algum
extraterrestre chegasse ao nosso planeta e descrevesse ser humano, seria uma
criatura encurvada com a cabeça voltada para baixo portando um objeto nas mãos,
falando sozinho e movimentando os dedos sobre ele. A cervicalgia (dor em região
cervical atribuída por posição viciosa) é uma das tantas sequelas desse hábito
praticado várias vezes durante o dia. Curiosamente essa é uma aquisição
recente, pois, há aproximadamente dez, quinze anos atrás não tínhamos à
disposição essas tecnologias e gerações que hoje estão com 35, 40 anos não
tiveram esse privilégio. Novamente vem a pergunta: - Afinal quando posso
orientar meu filho sobre os malefícios desse abuso? A resposta vem na contramão
e com igual intensidade: - Como você lida com o seu excesso? “Nada
é tão contagioso como o exemplo” já dizia o filósofo francês François
de La Rochefoulcauld, portanto, é daí mesmo que a imitação se inicia. Se você é
daqueles que não conseguem ficar sem acompanhar as notícias “online”, fica
angustiado enquanto não confere as mensagens que recebe e mesmo na companhia de
outras pessoas não se incomoda em atender as ligações e ignorar completamente a
presença do outro, talvez você já esteja envolvido pelo assédio virtual que
esses aparelhos fazem, talvez você nem perceba ou nem saiba nominar direito que
tem dificuldade de enfrentar o tédio, ou melhor (dependendo da adição) do micro
tédio, em ficar consigo mesmo ou na presença de alguém que está à sua frente ao
vivo, sem a distância e a frieza que a tela oferece (protege?). Uma espécie de
“autismo social”, onde o indivíduo atua, comunica e reage aos estímulos
virtuais, mas fracassa ou fica mais restrito quando o contato passa a ser mais
humano, você se reconhece em algum grau nessas situações? Seria interessante
mudar por você ou pelo seu filho? Essas são as indagações que deveríamos fazer.
Como as crianças imitam
tudo à sua volta, logicamente farão o mesmo com suas atitudes e aí não vale
explicar que o uso é para fins profissionais, criança não sabe nem o que é
isso, mas vai imitar os pais em suas tarefas e ações; talvez por aí já seja um
bom exemplo de como começar uma transformação no abuso desse novo elemento que
veio prá ficar e sem rejeições sobre isso, mas que deve ser utilizado com
parcimônia pelos adultos e adiado o maior tempo possível pelas crianças.
As coisas precisam ser
transformadas para que gerem mudança, ficar sem atender o celular na hora das
refeições, ou restringir o seu uso na presença de amigos e família pode causar
sofrimento, mas é uma opção que se faz, uma escolha e, geralmente, na imensa
maioria das vezes essas chamadas nem sempre são tão urgentes assim, talvez seja
alguém que do outro lado da linha também não consiga enfrentar o seu tédio e precise
compartilhá-lo com você. Caso queira praticar e, aos poucos, consiga pensar
menos como autônomo e mais como humano e eu torço por isso, poderá também
ensinar como conseguiu e assim por aí as coisas caminham mais lentamente,
talvez, mas mais humanizadas como deveriam ser.
José
Carlos Machado.